Opinião

Direito Administrativo da utilidade? A "nova" teoria das invalidades

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20 de junho de 2022, 16h04

Tempos atrás escrevi um artigo com Marcos Nóbrega, no qual nos debruçamos sobre o anacronismo da teoria das invalidades do direito administrativo "clássico" e os avanços que foram feitos no tema, no plano legislativo, com o advento da Lei 13.655/2018 e, mais recentemente, com a Lei 14.133/2021 [1].

Na ocasião, destacamos que a Lei 14.133/2021, plasmando legislativamente uma lógica consequencialista no espectro das contratações públicas, estabeleceu, em especial no artigo 147, a importância de ponderação quanto ao "equilíbrio dos interesses envolvidos" no momento de decidir pela invalidação ou não de um contrato administrativo. Todavia, mesmo nos casos em que se decide por não invalidar à luz do "interesse público", perquire-se: deve-se falar em convalidação ou manter um contrato inválido produzindo os seus efeitos? A resposta a essa questão remonta, inexoravelmente, à discussão quanto aos vícios sanáveis ou insanáveis.

Meu velho pai, grande administrativista, servidor público devoto e eterno acadêmico, certa vez falou algo que nunca esqueci: "o trabalho do parecerista consiste num movimento pendular entre a realidade fática e o arcabouço normativo". E costumeiramente repete: "o ponto primordial na redação de um parecer qualificado é a correta categorização jurídica dos institutos". Será que, no contexto atual de "virada paradigmática" do direito administrativo, isso também se aplica na seara da invalidade e na eventual categorização de um vício como sanável ou insanável? Guarde bem isso, porque, desta vez, vou cometer a audácia de questionar meu admirado e brilhante pai.

Quanto se fala em convalidação, no tocante ao arcabouço jusnormativo aplicável, logo se vem à mente o disposto no artigo 55 da Lei Federal nº 9.784/99, in verbis:

"Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração."

Observe, portanto, que o citado texto normativo prevê que a convalidação será possível se (e somente se) estivermos diante de defeitos sanáveis, excluindo-se, como corolário, a possibilidade de convalidação dos defeitos insanáveis.

Na doutrina clássica, costuma-se bradar aos quatro cantos que os atos passíveis de convalidação são aqueles que contêm vícios em relação à competência e à forma. Já os vícios nos demais elementos do ato administrativo (motivo, objeto e finalidade) implicariam nulidade absoluta, impossibilitando a convalidação.

Ocorre que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), no artigo 20, estabelece que "nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão".

Na mesma toada, a Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos), no já mencionado artigo, apregoa que "constada a irregularidade no procedimento licitatório ou na execução contratual, caso não seja possível o saneamento, a decisão sobre a suspensão da execução ou sobre a declaração de nulidade do contrato somente será adotada na hipótese em que se revelar medida de interesse público, com avaliação, entre outros, dos seguintes aspectos". Daí, a lei traz onze incisos (verdadeiros standards) que deverão nortear (e delimitar) o exegeta administrativo na interpretação do que, de fato, se traduz como interesse público no caso concreto, buscando-se um "consequencialismo responsável" (e não o "consequencialismo festivo"), que, por um lado, considera as consequências práticas da decisão, mas por outro, não despreza a dogmática jurídica.

A compreensão quanto à teoria das invalidades no direito administrativo avançou para não mais se aferrar a filigranas jurídicas ou preciosismos que, na maior parte das vezes, pouco contribuem para solucionar problemas que surgem no cotidiano da Administração Pública Complexa. A integração entre Lindb e nova Lei de Licitações e Contratos evidencia isso.

Porém, uma questão (dentre tantas outras), ao menos para mim, ainda permanece: a distinção entre vícios sanáveis e insanáveis continua útil (sobretudo para o parecerista)? Sinceramente, não sei a resposta, mas fica a reflexão em forma de aporia. Somente a práxis (à luz da Lei 14.133/2021) e o tempo irão, talvez, nos ajudar a responder tal indagação com mais segurança.

 


[1] Refiro-me ao artigo "A teoria das invalidades na nova lei de contratações públicas e o equilíbrio dos interesses envolvidos". O texto pode ser acessado aqui.

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