Opinião

Música no metaverso. Cadê meus royalties?

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19 de junho de 2022, 13h08

As inovações tecnológicas são incansáveis para apresentar desafios aos operadores do direito e o assunto do momento trazendo grandes reflexões é o metaverso. Dentre uma gama de debates vindo à tona, um tema que impacta diretamente na área de propriedade intelectual é a dispersão musical, diante de apresentações e eventos artísticos nesse mundo paralelo da tecnologia.

Com a repercussão do show do Emicida no Fortnite, evidencia-se a preocupação do universo jurídico brasileiro com as possíveis complexidades derivadas dessa pós-modernidade. Em realidade, é fato que o Brasil caminha a passos lentos nesse avanço, considerando que o Fortnite promove shows virtuais de grandes nomes desde 2019, tais como Travis Scott e Ariana Grande, com grande sucesso de público na casa dos milhões. Tais apresentações não param no Fortnite, avançando para outras plataformas de games como a Wave, que contou com a apresentação do cantor pop Justin Bieber em 2021.

Recentemente, em 5 de maio de 2022, tivemos o anúncio da criação do avatar da Anitta no jogo Free Fire, decorrente de uma colaboração da cantora com o game. A empresa Garena anunciou um novo evento temático do jogo Free Fire em colaboração com a cantora, que contará com novidades, música exclusiva e novos desafios, ainda sem data marcada para a disponibilização ao público.

Diante dessas constantes novidades, o mundo jurídico começa a tecer considerações sobre os direitos autorais e conexos das músicas executadas no âmbito do metaverso. Quando falamos em direito autoral e conexos, temos diversos personagens envolvidos, tais como o próprio autor (criador da obra), os artistas, sejam eles cantores, dançarinos, atores, dubladores, enfim, todos os intérpretes envolvidos na execução da obra.

Não é diferente o que ocorre no metaverso, sendo tais personagens apenas representados através de avatares, os quais simbolizam e representam uma pessoa física detentora de direitos na realidade como a que costumeiramente entendemos. Sendo assim, as obras no metaverso também possuem e merecem proteção jurídica, considerando que, configuram, igualmente, expressões humanas criativas, sejam de características literárias, artísticas, científicas ou tecnológicas.

Um ponto interessante é pensarmos no avanço dos personagens envolvidos no ramo da música no metaverso, considerando que os direitos autorais e conexos já possuem historicamente uma gama ampla de envolvidos nessa proteção. Na experiência musical do metaverso, nos parece haver uma nova camada protetiva nascendo ao já complexo fatiamento dos direitos autorais e conexos do ramo musical. Essa camada é derivada dos direitos de criação dos designers e desenvolvedores, o que faz o universo jurídico refletir sobre os direitos patrimoniais e morais desses criadores não somente no metaverso, mas no mundo da web 3.0 em geral.

Como em regra ocorre em uma realidade capitalista, o maior interesse nessa discussão envolve, em suma, os direitos patrimoniais, ou seja, o direito do personagem envolvido na proteção de direitos autorais e conexos de receber seus amados royalties. Nos Estados Unidos já tivemos avanços na discussão envolvendo esses direitos e o pagamento dos royalties, ao ponto de a NMPA (National Music Publishers' Association) ajuizar ação de aproximadamente US$ 200 milhões de dólares alegando infração de direitos autorais. Em teoria, uma plataforma do multiverso teria reproduzido obras que demandam o recolhimento de royalties pela execução da música, o que não ocorreu no caso concreto.

Com a finalidade de evitarmos qualquer tipo de discussão nesse sentido, ainda sem a devida regulamentação no sistema jurídico brasileiro, fato tão característico das tecnologias disruptivas eminentes, relevante que tais operações encontrem minucioso respaldo contratual. Desse modo, a autonomia privada poderá resguardar as partes das falhas da lentidão legislativa, seja através da elaboração de contratos de cessão, licenciamento ou contratos atípicos, compostos por cláusulas que possam acobertar tecnologias que venham a existir a partir do desenvolvimento tecnológico, tal como já autorizado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.098.626/RJ.

Nesse sentido, a visão positiva da ascensão da modernidade deve ser na linha de verificarmos a facilitação burocrática. A partir dos smart contracts ou contratos inteligentes imputados nas transações via blockchain, acredita-se que tudo ficará registrado em uma rede segura e automatizada. Será possível, assim, contabilizar rapidamente os direitos patrimoniais detidos por cada parte que compõem a imensidão de direitos autorais e conexos das obras transacionadas na rede.

Esse será o caminho para o stop na indagação do recebimento de royalties: a autonomia privada caminhando independentemente dos avanços legislativos, automatizando o cumprimento de obrigações contratuais em smart contract. A cada acesso ao show, a compensação patrimonial de cada personagem detentor do direito é recebida. A cada evento acessado, os créditos financeiros são automaticamente e devidamente pagos. A cada play, são distribuídos royalties.

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