Opinião

Olhe para cima: o uso de aeronave não tripulada

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  • Gabriel de Britto Silva

    é advogado especializado em direito imobiliário e participante da comissão de arbitragem do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ubradim) e da OAB/RJ.

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11 de junho de 2022, 7h07

Uma realidade bem mais presente e concreta do que o meteorito do filme protagonizado por Leonardo DiCaprio refere-se aos drones cada vez mais cotidianamente presentes sobre as nossas cabeças.

Como amplamente noticiado, no último dia 29 de abril, em um show, durante a apresentação do cantor Luan Santana na Expogrande 2022, em Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, um drone que filmava o evento caiu em cima de uma fã. O dispositivo se enroscou nos cabelos da moça e por pouco não causou maiores danos. A gigante de cosméticos Natura também se prepara para utilizar drones em suas atividades e entregar seus produtos, já neste ano, em regiões mais distantes de seus centros logísticos, e é fruto de uma parceria com a startup Speedbird Aero.

É preciso, porém, se pensar seriamente e com profundidade sobre o uso, comercialização e responsabilização pelo uso destes objetos voadores não tripulados.

Os problemas fruto da aplicação desses equipamentos são inúmeros. De início, o fato de representarem um peso substancial e estarem sujeitos a quedas. Outro fato é a regulação do espaço aéreo e o choque que pode ocorrer entre eles e as aeronaves. Além disso, não menos importante, existem as questões relativas à violação da privacidade das pessoas, considerando que representa também uma ferramenta de monitoramento da sociedade.

Atualmente, qualquer pessoa pode adquiri-lo. Para fins de recreação, ele é equiparado ao aeromodelismo. Mas, havendo a utilização do drone para finalidade comercial, faz-se necessária a obtenção de autorização da Anac.

O Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei nº 7.565/1986, em seu artigo 289 regulamenta a aplicação das sanções administrativas ao prever pena de multa e de suspensão ou cassação de certificados, licenças ou autorizações quando o piloto de um drone infringir as orientações da legislação em vigor. Com base no artigo 290 do CBA, pode haver, inclusive, a detenção dos infratores e a apreensão do drone.

Adicionalmente, uso inadequado do espaço aéreo pode gerar a responsabilização do condutor por crimes de perigo para a vida ou saúde de outrem ou atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo, previstos nos artigos 132 e 261 do Código Penal. E, ainda, pode se inserir na contravenção penal, relativamente à direção do equipamento sem estar devidamente licenciado e a entregar-se, na prática da aviação, a acrobacias ou a voos baixos, fora da zona em que a lei o permite, ou fazer descer a aeronave fora dos lugares destinados a esse fim, conforme os artigos 33 e 35 da Lei das Contravenções Penais.

Na seara das relações civis, e sob o prisma da responsabilidade civil, conforme os artigos 186 e 927 do Código Civil, todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, e tem a obrigação de repará-lo.

Em recente julgamento, ocorrido no dia 20/10/2021, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, através do acórdão de lavra do desembargador relator Mario-Zam Belmiro, Processo nº 07136435420208070020, condenou a promotora de eventos Villa Mix Festival Ltda., no montante de R$ 3.000 ao autor, que participava de festival de música, ocasião em que um drone o atingiu causando lesões no crânio e na barriga e vários outros pequenos cortes na testa e no corpo.

Na mesma linha, autores buscaram a condenação de empresa que monitorava manifestação na avenida Paulista através de drone ao pagamento de indenização pelos danos sofridos em decorrência da sua queda sobre as suas cabeças. A desembargadora relatora Angela Lopes, da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio de julgamento ocorrido no dia 19/12/2019, quanto ao Processo nº 1068890-43.2015.8.26.0100, entendeu pela condenação da ré ao pagamento de R$ 10 mil para cada autor a título de danos morais.

No mesmo sentido, autor atingido no olho por um drone operado em espaço público em praia, teve seu pleito de recebimento de valor a título de dano moral reconhecido e fixado no montante de R$ 30 mil, por meio de julgamento, ocorrido no dia 29/4/2021, no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por meio do acórdão de lavra do desembargador relator Luiz Felipe Schuch, Processo nº 0310535-61.2017.8.24.0005.

Tais fatos podem gerar, inclusive, se demonstrado vício de fabricação do equipamento, em responsabilidade do fabricante. Nesse sentido, mostrou-se ação movida por adquirente de drone em face do fabricante Nuvem UAV Industria De Aeronaves. O desembargador relator Francisco Casconi, da 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio de julgamento ocorrido no dia 18/12/2020, quanto ao Processo nº 1003293-43.2018.8.26.0482, entendeu, porém, neste caso específico que, o fabricante "demonstrou que os danos verificados no equipamento não são decorrentes de falha no equipamento, mas sim de conduta imputável ao autor". E que "o incidente envolvendo a asa da plataforma aérea ocorreu em razão do comportamento do autor, que operava a aeronave em modo manual no momento dos fatos, levando o equipamento a colidir com o poste/linha de transmissão de energia".

No dia 26/11/2020, o Superior Tribunal de Justiça, por meio do Agravo em Recurso Especial nº 1764034, em decisão do ministro Marco Buzzi, manteve inalterado o acórdão de relatoria do desembargador Marino Neto, da 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em julgamento ocorrido no dia 12/7/2019, quanto ao Processo nº 1021713-78.2018.8.26.0003, por meio do qual a cia. aérea Gol foi isentada de responsabilidade por atraso de voo de quatro horas, pelo fato de que "a ré demonstrou que o atraso se deu em virtude da existência de um drone sobrevoando o aeroporto de Congonhas, o que impediu a aterrisagem", de modo que foi considerada a presente de excludente de responsabilidade. No caso, a autora partiu de Goiânia com destino a São Paulo, mas o voo foi desviado para Campinas, o que gerou um atraso de quatro horas com relação ao horário previsto de chegada.

Outra situação que vem sendo identificada, refere-se a que foi objeto de apreciação pelo juízo da 9ª Vara Cível de Cuiabá, Mato Grosso, por meio de sentença publicada no dia 2/5/2022, em demanda (Processo nº 1015245-98.2018.8.11.0041) na qual a autora alegou que teve sua privacidade e intimidade invadida por um drone que tirou fotografia enquanto tomava banho de sol em sua residência. Tal drone foi contratado e autorizado por um condômino para fotografar a casa dele que estava à venda. A juíza Sinii Savana Bosse Saboia Ribeiro julgou, porém, improcedentes os pedidos porque entender que: "Analisando os áudios anexados aos autos, verifica-se que foi confirmado pelo responsável do condomínio que as imagens foram analisadas e não foram registradas imagens da residência da autora, bem como que a intenção era o registro de imagens de áreas comuns e da residência que estava pra venda".

Frise-se que a Agência Nacional da Aviação Civil, no dia 2/12/2021, editou o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil Especial RBAC-E nº 94, vigente a partir do dia 1/6/2022, que "estabelece as condições para a operação de aeronaves não tripuladas no Brasil considerando o atual estágio do desenvolvimento desta tecnologia". E objetiva "promover um desenvolvimento sustentável e seguro para o setor".

Dentre as diversas disposições, o piloto remoto deve ter, pelo menos, 18 anos. Não há necessidade de habilitação se o veículo pesar até 25 kg, mas, a partir deste peso, devem estar cadastrados no site da Anac. Se o voo sobrepujar 400 pés (em torno de 120 metros), será necessária licença e habilitação. Não se permite proximidade de 30 ou menos metros das pessoas. É proibido o transporte de pessoas, animais, artigos perigosos. É proibida a operação autônoma de aeronaves não tripuladas. E, todas as operações de aeronaves não tripuladas de uso não recreativo acima de 25 kg de peso máximo de decolagem devem possuir seguro com cobertura de danos a terceiros.

Portanto, olhe para cima, e ainda para o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil Especial RBAC-E nº 94, e também para as legislações referentes às responsabilizações nas esferas civil, administrativa e penal que podem incidir sobre o uso de aeronave não tripulada, com destaque àquelas disposições referentes à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.

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