Diário de Classe

Teoria da decisão e reivindicações por fundamentos

Autor

  • Luísa Giuliani Bernsts

    é doutoranda e mestre em Direito Público (Unisinos) bolsista Capes/Proex membro do Dasein — Núcleo de Estudos Hermenêuticos (Unisinos) e do grupo de pesquisa Bildung — Direito e Humanidades (Unesa) e professora da Faculdade São Judas Tadeu (SJT-RS).

11 de junho de 2022, 13h06

Debater acerca de como decidem os juízes é, no mínimo, um dever daqueles que estudam Direito e que são comprometidos com um ideal de democracia. Contudo, paradoxalmente, em nome da democratização do processo de construção do discurso que sustenta a esfera pública oficial, temos visto a flexibilização dos critérios que asseguram, na prática, a manutenção do espaço democrático. É preocupante o ambiente de incerteza que a atuação do Poder Judiciário vem proporcionando à realidade brasileira.

Não se pode dizer que o Judiciário é ilegítimo para decidir questões moralmente controversas ou que Direito e moral não estão intimamente ligados. Por outro lado, o emprego de argumentos de política em Direito é inadmissível. Necessário esclarecer que, enquanto argumentos de princípios são justificados por padrões que devem ser observados em razão de uma exigência de justiça, de equidade ou de alguma dimensão de moralidade [1] e obrigatoriamente conduzem uma atitude interpretativa do juiz, argumentos políticos são padrões que estabelecem um objetivo a ser alcançado.

De acordo com o professor Lenio Streck, nesse sentido, no plano da interpretação do Direito, a obediência à coerência e à integridade são condição de possibilidade para a criação de uma teoria da decisão judicial [2]. Os princípios, segundo essa proposta, se definem como o modo concreto de enfrentamento da discricionariedade judicial. Lembrando sempre que o combate ao arbítrio presente na discricionariedade dos juízes é justamente a busca pela devida concretização das promessas presentes no texto constitucional [3].

Partindo desse marco, foi desenvolvida a pesquisa que resultou na obra "Contrapúblicos interpretativos: uma provocação feminista às respostas corretas em Direito". Sem discordar dos postulados da Crítica Hermenêutica do Direito, aposta-se em outro elemento possível para frear o ativismo judicial: a autoridade da Constituição por sua legitimidade democrática, ou seja, pela sua capacidade de inspirar o povo em reconhecê-la como sua Constituição [4]. Essa é a principal premissa do constitucionalismo democrático e, muitas vezes, de forma paradoxal, surge como fonte de justificação para o ativismo judicial por meio da "voz das ruas".

Procura-se debater no livro qual o sentido dos princípios para Dworkin e de que forma é possível articular sua teoria às contribuições do constitucionalismo democrático, levando em consideração a divergência fulcral entre as duas matrizes teóricas. Qual seja, a adoção de uma perspectiva de fim pelos constitucionalistas democráticos, que atribuem aos movimentos sociais capacidade de influenciar a prática jurídica por meio de interações dialógicas; e em Dworkin, ainda que não negue a influência desses diálogos, de uma perspectiva de meio, relacionando o desenvolvimento da prática jurídica não só a elementos valorativos, mas também a questões de ajustes as práticas constituídas.

Nessa senda, os princípios ganham diferentes conotações nas duas teorias. Se por um lado representam, para o constitucionalismo democrático, uma possibilidade de abertura argumentativa, potencializando o engajamento público, em Dworkin o papel desempenhado pelos princípios é justamente o contrário: eles fecham a interpretação, pois impõem ao juiz a necessidade de levar em conta toda a produção legislativa e jurisprudencial, combatendo a discricionariedade, apesar de reinserir a prática jurídica na dimensão dos fatos [5].

Contudo, ainda que para os constitucionalistas democráticos o povo detenha espaço na construção do sentido dos princípios, exige-se que essas reivindicações sejam fundamentadas com recurso a "entendimentos constitucionais mais antigos que a comunidade reconhece e compartilha" [6]. Quer-se dizer com isso que, ainda que sob uma perspectiva de fim, o distanciamento ou até mesmo deslocamento dos fatores públicos que incidem sobre o julgamento não representam a legitimidade democrática da Constituição pela "voz das ruas", mas, sim, o uma tentativa de encobrir o ativismo judicial.

Defendemos que o Direito é um conceito interpretativo e provém daquilo emanado pelas instituições jurídicas. Questões jurídicas encontram respostas exclusivamente nas leis, nos princípios constitucionais, nos regulamentos e nos precedentes que tenham DNA constitucional, e não na vontade individual do aplicador, como bem coloca Lenio Streck. Mas também que os discursos dos afetados devem ser valorados no processo interpretativo sem que se recaia em ativismo judicial.

Referências bibliográficas
BUNCHAFT, Maria Eugenia; LIMBERGER, Temis; MOREIRA, Eduardo. O casamento entre pessoas do mesmo sexo e a Suprema Corte norte-americana: Uma análise sobre o backlash à luz do debate entre Constitucionalismo Democrático e Minimalismo Judicial. Revista do Mestrado em Direito da Universidade Católica de Brasília. Brasília, v. 10, n. 1, p. 227- 257, 2016.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

SIEGEL, Reva. Constitutional culture, social movement conflict and constitutional change: the case of the de facto ERA – 2005-06 Brennan Center Symposium Lecture. California Law Review. v. 94, p. 1323-1419. p. 1356

STRECK, Lenio. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014.

STRECK, Lenio. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. São Paulo: Saraiva, 2014.

 


[1] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 36.

[2] STRECK, Lenio. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014. p. 312.

[3] STRECK, Lenio. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 523.

[4] BUNCHAFT, Maria Eugenia; LIMBERGER, Temis; MOREIRA, Eduardo. O casamento entre pessoas do mesmo sexo e a Suprema Corte norte-americana: Uma análise sobre o backlash à luz do debate entre Constitucionalismo Democrático e Minimalismo Judicial. Revista do Mestrado em Direito da Universidade Católica de Brasília. Brasília, v. 10, n. 1, p. 227- 257, 2016. p. 23.

[5] STRECK, Lenio. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 523.

[6] SIEGEL, Reva. Constitutional culture, social movement conflict and constitutional change: the case of the de facto ERA – 2005-06 Brennan Center Symposium Lecture. California Law Review. v. 94, p. 1323-1419. p. 1356.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!