Opinião

Justiça do Trabalho Presente: uma política pública de ampliação do acesso à justiça

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6 de junho de 2022, 6h08

"— Aqui não poderia ser permitida a entrada de mais ninguém, pois essa entrada foi destinada apenas a ti. Agora eu vou embora e trancoa" [1].
(Franz Kafka)

Sempre se pensou a Justiça adornada com seus suntuosos prédios e gabinetes. A dimensão de sua estrutura física fixava os contornos de sua importância no imaginário coletivo. Quanto maior e mais exuberante sua arquitetura, maior a porção de poder atribuída ao órgão.

A pandemia, todavia, desnudou uma realidade diversa e deveras escondida. Com a introdução de ferramentas tecnológicas a fomentar a continuidade da entrega da prestação judicial, descobriu-se a desconexão entre Justiça e prédio. Enquanto valor e direito, a primeira existe sem a existência de uma estrutura material que a hospede. Como serviço que é — e sempre foi — pode ser prestada em qualquer área ou espaço, seja ele físico ou virtual.

Na região amazônica, por exemplo, onde as distâncias são um entrave ao acesso à justiça, o formato digital aproximou comunidades, aldeias e povoados. A Justiça, até então, era um "ser kafkaniano" ou, "se conhecido, inacessível". As itinerantes eram esporádicas, além do alto custo de deslocamento, a exigir transportes terrestre, aéreo e fluvial. "Como promover a ampliação do acesso à justiça nos Estados de Rondônia e Acre pelo uso da tecnologia?" — era a pergunta a ser adequadamente respondida.

A partir dessa inquietação, decidiu-se expandir a rede de atuação da Justiça do Trabalho sem que fossem criadas unidades judiciárias e postos avançados de atendimento. Em sendo a cooperação institucional incentivada pela ordem processual brasileira, o caminho encontrado consistiu na concertação de parcerias com outras instituições de maior capilaridade na região amazônica, dentro e fora do sistema de justiça.

A Defensoria Pública do Estado do Acre; o Tribunal de Justiça de Rondônia; Prefeitura Municipal de Rio Branco (AC) e outras instituições se prontificaram a ceder parte de seu espaço físico para atendimento da população que não tem acesso à internet tampouco meios e recursos financeiros para deslocar-se até localidades servidas por unidades judiciárias da Justiça do Trabalho de Rondônia e Acre.

A metodologia de trabalho é bastante simples. Entre as cláusulas convenentes, as instituições parceiras se comprometeram a disponibilizar um(a) servidor(a) de seu quadro de pessoal a atender o(a) cidadão(ã) que pretende contatar o Poder Judiciário Trabalhista. Assim é feito pelo link disponível do balcão virtual. O servidor recebe a parte ou interessado(a) e o(a) coloca em frente à tela do computador, clicando no link do GoogleMeet, para que o atendimento seja feito pelo quadro de pessoal da Justiça do Trabalho. Computadores e câmeras foram fornecidos pela Justiça do Trabalho de Rondônia e Acre, além de treinamentos para melhor atender o(a) jurisdicionado(a).

Entra em cena, portanto, a Justiça do Trabalho Presente, como política pública de ampliação de acesso ao sistema judiciário, pela concertação de parcerias com vistas a capilarizar sua atuação e a incluir os digitalmente vulnerabilizados e invisibilizados pela pecha da desigualdade social.

Para melhor elucidação da metodologia de trabalho, apresenta-se, por oportuno, atendimento realizado pela Defensoria Pública do Estado do Acre, no município de Tarauacá, onde inexiste unidade judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, como também transporte público para deslocamento até a cidade de Feijó (AC).

Por essa via, o Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região promove a ampliação de sua dimensão territorial, a se fazer presente em áreas não servidas por unidades judiciárias físicas, a amainar as distâncias da região amazônica e a incluir parcela considerável da população brasileira, ainda à margem do sistema de justiça. Capilariza a atuação da Justiça do Trabalho e, sobretudo, amplia o acesso, pela cooperação, racionalização de recursos e emprego responsável da tecnologia.

Como pontua o juiz Learned Hand: "if we are to keep our democracy, there must be one commandment: Thou shalt not ration justice" [2].


[1] KAFKA, Franz. The trial. Traduzido por David Wyllie. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/gu007849.pdf. Acesso em 25/9/2021.

[2] Judge Learned Hand, Remarks at the Seventy-Fifth Anniversary Celebration of The Legal Aid Society (Feb. 16, 1951).

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