Opinião

Princípio da simetria na ação civil pública

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6 de junho de 2022, 21h25

A Lei Federal 7.347/1985 [1] disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Regem-se pelas disposições da Lei Federal nº 7.347/1985, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e materiais causados ao meioambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por infração à ordem econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social.

Têm legitimidade para propor ação civil pública o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios, a autarquia, a empresa pública, a fundação, a sociedade de economia mista e a associação que, concomitantemente, esteja constituída há pelo menos um ano e inclua, entre as suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Pois bem. Em um primeiro caso, o estado de São Paulo, com objetivo de defesa ao meio-ambiente, propôs ação civil pública em face de uma pessoa jurídica de direito privado.

O pedido formulado na ação civil pública proposta pelo estado de São Paulo em face da pessoa jurídica de direito privado foi julgado improcedente por sentença.

Em decorrência de sua sucumbência, o estado de São Paulo deverá ser condenado ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios?

Não, pois o artigo 18 da Lei Federal nº 7.347/1985 estabelece que na ação civil pública não haverá a condenação do autor, salvo comprovada má-fé, ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios.

Em um segundo caso, São Paulo, com finalidade de proteção ao patrimônio público e social, propôs ação civil pública em face de uma pessoa jurídica de direito privado.

O pedido formulado na ação civil pública proposta pelo Estado em face da pessoa jurídica de direito privado foi julgado procedente por sentença.

Em decorrência de sua sucumbência, a pessoa jurídica de direito privado deverá ser condenada ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios?

Não, pois o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial nº 962.250-SP [2], realizado em 15 de agosto de 2018, firmou o entendimento de que em respeito ao princípio da simetria, a previsão do artigo 18 da lei 7.347/1985 deve ser interpretado também em favor do réu na ação civil pública.

A impossibilidade de condenação do autor ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, salvo comprovada má-fé, também beneficia o réu na ação civil pública, quando for vencido.

Em razão do princípio da simetria, não cabe a condenação do réu na ação civil pública ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, quando inexistente má-fé e restar vencido, de igual sorte como ocorre com o autor, por força do artigo 18 da Lei Federal 7.347.

Em um terceiro caso, uma associação privada, com objetivo de proteção ao consumidor, propôs ação civil pública em face de uma pessoa jurídica de direito privado.

O pedido formulado na ação civil pública proposta pela associação privada em face da pessoa jurídica de direito privado foi julgado improcedente por sentença.

Em decorrência de sua sucumbência, a associação privada deverá ser condenada ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios?

Conforme a previsão do artigo 18, a associação privada não deverá ser condenada ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, salvo comprovada má-fé.

Em um quarto caso, uma associação privada, com finalidade de proteção à livre concorrência, propôs ação civil pública em face de uma pessoa jurídica de direito privado.

O pedido formulado na ação civil pública proposta pela associação privada em face da pessoa jurídica de direito privado foi julgado procedente por sentença.

Em decorrência de sua sucumbência, a pessoa jurídica de direito privado deverá ser condenada ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios?

Ou seja, na hipótese de a ação civil pública ter sido proposta por uma associação privada, aplica-se o princípio da simetria em benefício da pessoa jurídica de direito privado, a qual figurou como ré e restou vencida na citada ação?

A pessoa jurídica de direito privado, ainda que não tenha sido constatada má-fé, deverá, neste caso, ser condenada ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios.

É certo que o STJ possui o entendimento de que, em regra, não cabe a condenação do réu na ação civil pública ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, quando ausente má-fé, assim como ocorre com o autor, por força do artigo 18 da Lei Federal 7.347/1985.

Ocorre que diferentemente da ação civil pública ter sido proposta por um ente público, a referida ação foi ajuizada por uma associação privada, razão pela qual é necessário verificar se o princípio da simetria na condenação ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios se aplica ao caso.

Para solucionar a questão, o argumento de acesso à justiça pela associação privada se apresenta de primaz importância.

A legitimação da justiça está subordinada ao efetivo poder do jurisdicionado dela se aproximar.

Para se alcançar a efetiva composição do litígio, é indispensável permitir o acesso pelo jurisdicionado, sem obstáculos, ao Poder Judiciário.

Não é suficiente a mera possibilidade de propositura de ação pelo jurisdicionado para que sejam fixadas as balizas do acesso à justiça.

É necessário garantir o acesso material à ordem jurídica justa.

Assim sendo, com esses fundamentos, o STJ, no julgamento do Recurso Especial 1.974.436-RJ [3], realizado em 22 de março de 2022, firmou o entendimento de que não se aplica à ação civil pública proposta por associação ou fundação privada o princípio da simetria na condenação do réu ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, pois, do contrário, barrado estaria, de fato, um dos objetivos mais nobres e festejados da Lei Federal 7.347/1985, qual seja, viabilizar e ampliar o acesso à justiça para a sociedade civil organizada.

Logo, na ação civil pública proposta por associação ou fundação privada, cujo pedido nela formulado tenha sido julgado procedente por sentença, o réu, em decorrência de sua sucumbência, deverá ser condenado ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, ainda que não tenha sido constatada má-fé, pois não se aplica, neste caso, o princípio da simetria.

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