Opinião

Responsabilidade solidária dos sócios do Simples Nacional por crédito tributário

Autor

  • Deonísio Koch

    é advogado tributarista professor de Direito Tributário ex-conselheiro do Tribunal Administrativo Tributário de Santa Catarina (TAT) e ex-auditor fiscal estadual.

5 de junho de 2022, 7h08

Em decisão proferida pelo STJ no REsp nº 1.876.549/RS, é possível a responsabilização dos sócios pelo inadimplemento do tributo na dissolução regular da empresa enquadrada no Simples Nacional.  

Esse entendimento foi firmado com base no artigo 9º, §§3º e 5º, da LC 123/06, combinado com o artigo 134, VII, do CTN, acolhendo a tese da Fazenda Nacional.

Parece relevante colocar em foco essa decisão, porquanto dispensa um tratamento diferenciado com relação à responsabilidade solidária dos sócios das empresas enquadradas no regime tributário simplificado, em comparação com aqueles que integram a sociedades empresariais regidas pelo regime normal de tributação, no caso de dissolução da sociedade, conforme será demonstrado neste artigo.  

O STJ tem posição consolidada pela responsabilidade dos diretores, sócios-gerentes ou administradores, com fundamentos na comprovação dos atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do artigo 135, III, do CTN. Não é a simples insuficiência de patrimônio para honrar o crédito tributário que legitima o chamamento das pessoas enumeradas no mencionados dispositivo para responder pelo débito tributária; é preciso que fique comprovado que o crédito tributário decorra de atos praticados nas condições ali estabelecidas. Nesse sentido a Súmula 430 do STJ, com o seguinte anunciado: "O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente".

É condição também para atrair a incidência da responsabilidade prevista no artigo 135, III, do CTN, no caso de dissolução da pessoa jurídica, que esta seja procedida de forma irregular, sem atender às formalidades de liquidação e, principalmente, pelo abandono do estabelecimento sem o pagamento dos créditos tributários remanescentes. Firmou ainda essa corte posição que somente permite a responsabilidade à pessoa enumerada no dispositivo que tenha poder de gerência. O sócio que não tem poder de gerência não seria apto a ser alojado no polo passivo da relação jurídico-tributária.  

Todas essas condições são exigidas para a responsabilização tributária prevista no dispositivo da mencionada lei complementar, para as empresas regidas pelo regime normal de tributação. Importante mencionar, nesse ponto da nossa reflexão, que não se pretende aqui discutir o mérito desse posicionamento, em especial, sobre o discutível reconhecimento da responsabilidade solidária quando o dispositivo (artigo 135) menciona expressamente a responsabilidade pessoal. Também não se dedicará nenhuma abordagem sobre a polêmica questão conceitual relacionada ao "excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos", matéria que tem provocado discussões controvertidas na comunidade jurídica, nem mesmo sobre a aplicabilidade deste dispositivo para o redirecionamento da execução nas hipóteses em que ocorre. Pretende-se, neste artigo, apenas destacar o tratamento específico e diferenciado dado ao Simples Nacional, no redirecionamento da execução contra os sócios, com base em legislação própria.

E a razão dessa distinção está na própria LC 123/06, que institui o Simples Nacional, sob a autorização constitucional (artigo 146, III, "d"). Essa lei, em seu artigo 9º dispensa a regularidade das obrigações tributárias para o registro de seus atos constitutivos e suas alterações, entre as quais a extinção da sociedade (baixa), todavia atribui aos sócios a responsabilidade solidária pelos créditos tributários remanescentes (§§3º e 5º). Essa disposição legal, que estava em vigor na data dos fatos tributários que foram o objeto de análise da decisão enfocada, sofreu pequenas alterações com a vigência da LC nº 147/14, com a supressão do §3º e uma pequena alteração no §5º, no entanto, manteve a responsabilidade solidária dos sócios na solicitação da baixa da pessoa jurídica enquadrada no Simples Nacional, sem o filtro das condições de responsabilização dispostas no artigo 135, III, do CTN, cabendo aos sócios demonstrar a eventual insuficiência do patrimônio recebido por ocasião da extinção da sociedade, como argumento de exoneração da responsabilidade pelos créditos tributários. A decisão ainda combinou o artigo da lei disciplinadora do Simples Nacional com o artigo 134, VII, do CTN, que atribui a responsabilidade subsidiária aos "sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas". Na visão do STJ, as sociedades que operam no regime Simples Nacional teriam o perfil de sociedade de pessoas.

O que se pretende concluir nessas reflexões é que o legislador do Simples Nacional, ao mesmo tempo em que relativizou as obrigações e os entraves para a extinção da pessoa jurídica, permitindo a baixa sem a comprovação da regularidade das obrigações tributárias (artigo 9º "caput"), querendo com isso beneficiar o segmento empresarial, instituiu a responsabilidade solidária dos sócios para com eventual crédito tributário pendente (§5º), sem discussão do enquadramento do artigo 135, III, do CTN para o redirecionamento da execução fiscal, não tendo ainda relevância a discussão sobre a condição de regular ou irregular dissolução da sociedade. Basta que tenha havido a extinção da pessoa jurídica com pendências tributárias para acionar a responsabilidade solidária dos sócios e não só do sócio-gerente. Conforme clareado pelo §5º, com a alteração introduzida pela LC 147/14, a responsabilidade solidária se consolida pelo simples pedido de baixa, desde que haja crédito tributário pendente. Por fim, a decisão aponta como forma de exoneração dessa responsabilidade a demonstração da insuficiência do patrimônio recebido por ocasião da liquidação da sociedade.

Poderia restar uma indagação sobre a possibilidade de se veicular a responsabilidade solidária pela LC 123/06, considerando o que dispõe o artigo 146, III, "b" da Constituição Federal, segundo o qual cabe à lei complementar estabelecer normas gerais sobre obrigação tributária. Parece que a resposta é afirmativa, visto que a responsabilidade foi introduzida por uma lei complementar nacional que dispõe sobre o regime tributário diferenciado.   

Destaca-se, por fim, que essa é mais uma decisão de relativização da autonomia patrimonial da pessoa jurídica com relação aos seus respectivos sócios, representando mais um movimento em direção ao desapreço da teoria da desconsideração da personalidade jurídica que pode ser aplicada em casos em que essa autonomia patrimonial tenha objetivos escusos de fraudar credores de modo geral.

Autores

  • é advogado tributarista, professor de Direito Tributário, ex-conselheiro do Tribunal Administrativo Tributário de SC (TAT) e ex-auditor fiscal do Estado.

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