Garantias do Consumo

Criptoativos, metaverso e direito do consumidor

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1 de junho de 2022, 8h00

O Senado Federal aprovou no último dia 26 de abril o Projeto de Lei nº 4.401/2021[1], que dispõe sobre diretrizes na prestação de serviços de ativos virtuais[2] (criptoativos) e na regulamentação dos empreendedores deste novo mercado que ainda não possui legislação especial.

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Na União Europeia, foi apresentada em Bruxelas proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos mercados de criptoativos, contudo, o texto final ainda não foi aprovado[3].

As duas propostas legislativas convergem no sentido de exigir da prestadora de serviço de criptoativos que obtenha autorização da autoridade pública competente para atuar mercado interno, com a imposição de cumprir alguns requisitos procedimentais e organizacionais. Sensata e prudente essa exigência, eis que se consegue atender ao princípio da transparência, possibilitando identificar com assertividade o responsável pela prestação de serviços e supervisionar suas atividades para maior proteção dos consumidores. Inclusive, esse é outro ponto de convergência, ambas[4] destacam a importância da proteção dos consumidores[5].

Com efeito, estamos diante de uma nova relação jurídica de consumo, a qual está submetida às disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A título histórico, com o surgimento do comércio eletrônico[6], ano de 2000, havia discussão sobre aplicação ou não do CDC, notadamente, sobre a regra contida no artigo 49, por constar “especialmente por telefone ou a domicílio”, todavia, rapidamente superada haja vista que a regra geral do dispositivo diz “sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial” abarcando toda relação jurídica de consumo em ambiente eletrônico.

Certo é que com a entrada em vigor da legislação especial da prestação de serviços[7] de criptoativos haverá, necessariamente, um diálogo[8] com o Código de Defesa do Consumidor[9].

Vivencia-se, em um curto espaço de tempo, transformações nas relações jurídicas, alavancadas pela evolução tecnológica e a determinação de grandes empreendedores econômicos. Destaca-se, o midiático tema em torno do metaverso[10], capitaneado, mais recentemente, por Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, que modificou em 2021 o nome de sua empresa para Meta Platforms Inc., popularmente Meta, diante da sua obsessão em construir tudo neste denominado ambiente digital.

Em simples pesquisa realizada na internet depara-se com alguns títulos:

(i) Maior venda de NFTs da história rende R$ 1,5 bi por terrenos no metaverso;
(ii) Bitcoin segue em US$38.000, mas criptomoeda de metaverso volta a subir

As relações jurídicas neste ambiente digital já são realidades e crescem de forma exponencial, inclusive efetivadas por jovens que não possuem capacidade civil legal para realizá-las. O Direito do Consumidor é um, dentre outros ramos do direito, que deve ser respeitado, principalmente em virtude do dever de informação sobre suas particularidades, possibilitando uma decisão consciente da parte mais fraca, bem como da proteção dos dados pessoais. Esse último, sem dúvida, ganhou um grande reforço com a vigência da Lei nº 13.709/18 (LGPD).

Iniciativa pioneira de aulas de direito no ambiente do metaverso foi divulgada pelo professor Renato Porto[11], que criou a plataforma digital e concedeu aos alunos que pagaram para o seu curso de Direito do Consumidor a possibilidade de assistirem às aulas com essa nova tecnologia.

É tempo de apoiar e acompanhar as propostas legislativas sobre essa nova e presente relação jurídica, tanto no parlamento brasileiro quanto no europeu, com apresentação de sugestões de aperfeiçoamento do texto legislativo e solicitação de celeridade na tramitação, no intuito de garantir, o mais breve possível, a regulamentação deste novo mercado digital.


[1] O Projeto de Lei retornou à Câmara dos Deputados para votação.

[2] Artigo 3º do PL diz: “considera-se ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento.”. Na proposta da Comissão Europeia: “«Criptoativo», uma representação digital de valor ou de direitos que pode ser transferida e armazenada eletronicamente, recorrendo à tecnologia de registo distribuído ou a outra tecnologia semelhante.”

[3] Bruxelas, 24.9.2020 COM(2020) 593. Como destaca António Garcia Rolo: “Há que sublinhar que muito do que está aqui descrito pode sofrer alterações substanciais à medida que o processo legislativo for avançando.” (Disponível em: RDS 2021-02 (285-300) – Breves comentários – António Garcia Rolo – A proposta de Regulamento europeu sobre mercados de criptoativos_ breve sumário e análise.pdf.)

[4] No PL nº 4.401/2021, art. 4º, inciso V e na COM (2020) 593, artigo 1º, alínea “d”.

[5] Consta da proposta da Comissão Europeia, ao se tratar de uma relação jurídica de consumo, a denominação específica de “«Criptoficha de consumo», um tipo de criptoativo destinado a fornecer acesso digital a um bem ou serviço, disponível através da DLT, e aceite apenas pelo emitente dessa criptoficha;” (art. 3º, (5) da COM (2020) 593).

[6] De acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC) o comércio eletrônico, em 2021, faturou mais de R$300 bilhões de reais.

[7] “Considera-se prestadora de serviços de ativos virtuais a pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços de ativos virtuais, entendidos como: I – troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou moeda estrangeira; II – troca entre um ou mais ativos virtuais; III – transferência de ativos virtuais; IV – custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais; ou V – participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.” (art. 5º, PL nº 4.401/2021). Na proposta da Comissão Europeia: “«Prestador de serviços de criptoativos», qualquer pessoa cuja ocupação ou atividade económica seja a prestação de um ou mais serviços de criptoativos a terceiros de forma profissional;”.

[8] Veja, entre vários outros textos jurídicos da Professora Cláudia Lima Marques, Diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil: do “diálogo das fontes” no combate às cláusulas abusivas. Revista de Direito do Consumidor. vol. 45. ano. 11. São Paulo: Ed., RT, jan./mar, 2003.

[9] “Art. 13. Aplicam-se às operações conduzidas no mercado de ativos virtuais, no que couber, as disposições da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e suas alterações” (PL nº 4.401/2021)

[10]A palavra “Metaverso” é uma junção do prefixo “meta” (que significa além) e “universo”; o termo é normalmente usado para descrever o conceito de uma interação futura da internet, composta de espaços virtuais 3D persistentes, compartilhados, vinculados a um universo virtual e real percebido.” Fonte: www.google/metaverso.

[11] Diretor do Brasilcon.

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