Direto do Carf

Modernização do contencioso tributário: panorama do relatório da Aconcarf

Autores

  • Maysa de Sá Pittondo Deligne

    é conselheira titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento doutora e mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) professora do corpo permanente do mestrado profissional do IDP coordenadora do grupo de pesquisa Temas Atuais de Direito e Processo Tributário e pesquisadora do Observatório da Macrolitigância Fiscal (IDP/Brasília) diretora da Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt) e pesquisadora responsável pela elaboração do relatório sobre a Reforma do Processo Administrativo da Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf (Aconcarf).

  • Alexandre Evaristo Pinto

    é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

1 de junho de 2022, 8h00

No começo de maio de 2022, a Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes do Carf (Aconcarf) apresentou relatório direcionado à comissão de juristas instalada pelo Senado, responsável pela elaboração de anteprojetos de proposições legislativas que dinamizem, unifiquem e modernizem o processo administrativo e tributário nacional.

Spacca
O referido relatório foi elaborado pela associação em cumprimento aos seus objetos sociais e no intuito de apontar melhorias para o processo administrativo tributário focado na perspectiva federal, considerando a experiência de seus associados. O relatório teve por propósito fortalecer os órgãos do processo administrativo tributário já existentes, em especial o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), sem a necessidade de qualquer reforma estrutural.

Neste ensejo, nesta semana trataremos de algumas medidas de modernização do processo administrativo tributário apontadas no referido relatório. Ainda que se trate de tema mais geral em relação àqueles normalmente desenvolvidos nesta coluna, mostra-se de extrema relevância para todos que atuam com o processo administrativo tributário.

A primeira questão enfatizada no relatório é a relevância da manutenção da paridade nos julgamentos administrativos, de forma a continuar a permitir a participação de julgadores de respaldo técnico, selecionados na sociedade civil, para a solução dos litígios fiscais. Nestes 97 anos de atuação no julgamento em segunda instância do contencioso administrativo tributário, o Carf se manteve como um órgão paritário, sendo que essa característica contribui para sua história de sucesso na prolação de julgamentos reconhecidos como imparciais e de grande respaldo técnico.

Não se ignora, contudo, que a paridade merece ser aprimorada, de forma a assegurar que todos os conselheiros que exercem a mesma função pública de julgamento, independentemente de sua origem, possuam idênticas condições de trabalho, considerando não apenas a carga de trabalho e responsabilidades enquanto agente público, como hoje existente, mas também em relação à remuneração e aos direitos assegurados.

Adentrando no procedimento atualmente previsto, entendemos relevantes pontuar algumas possibilidades de modificação na lei do processo administrativo tributário (atualmente regulado pelo Decreto nº 70.235/72).

Em primeiro lugar, é fundamental que haja previsão legal de vinculação das decisões administrativas aos precedentes judiciais, com critérios objetivos (em conformidade com a atual redação do artigo 62 do Ricarf). De fato, cabe ser reconhecida a observância obrigatória pelos tribunais administrativas das decisões definitivas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de repercussão geral ou repetitivos (artigos 543-B e 543-C do CPC/1973, ou dos artigos 1.036 a 1.041 do CPC/2015).

Ainda nesse aspecto, essencial uma previsão legal de critérios para sobrestamento dos processos administrativos enquanto pendente o julgamento em sede de recurso repetitivo ou repercussão geral, na forma já prevista no CPC/2015. Ainda que essa proposta possa implicar na manutenção de um elevado estoque de processos no Carf, o sobrestamento (ou proposta de não julgamento administrativo de matéria de mérito pendente de apreciação) se mostra mais vantajosa e econômica para a própria Fazenda Pública. Isso porque eventuais decisões tomadas na seara administrativa em desconformidade com os precedentes judiciais implicarão necessariamente no dispêndio público para o ressarcimento das custas judiciais, bem como, se aplicável à espécie de ação judicial, a condenação no pagamento de honorários advocatícios.

Dentro dessa perspectiva ampla, entende-se relevante a garantia da publicidade aos acórdãos proferidos dentro do contencioso administrativo, inclusive com publicação do inteiro teor dos acórdãos de 1ª instância proferidos pelas Delegacias de Julgamento (DRJs), semelhante ao que é garantido no âmbito do Carf. Da mesma forma, importante que seja assegurada a imparcialidade dos julgadores administrativos em todas as suas instâncias de julgamento, com a desvinculação de posições já externadas em órgãos não jurisdicionais da Receita Federal, com a garantia de remuneração e estabilidade no exercício da função judicativa dos julgadores (inclusive a independência nas posições externadas pelas DRJs, com a realização de julgamentos públicos com a oportunidade de apresentação de memoriais e de sustentação oral pelas partes).

Acresce-se a necessidade da lei identificar todos os recursos administrativos passíveis de serem interpostos na garantia do contraditório e a ampla defesa das partes (atualmente previstos apenas no regimento interno do Carf). Neste ponto, dá-se ênfase à necessária previsão de cabimento dos embargos de declaração em todas as instâncias administrativas, inclusive no âmbito das DRJs.

Esses últimos pontos mostram-se particularmente relevantes considerando que as DRJs serão consideradas a última instância administrativa no contencioso de pequeno valor (abaixo de sessenta salário mínimos) na forma da lei 13.988/2020.

Dá-se relevo ainda à necessidade do texto legal deixar ainda mais clara a vinculação da administração pública às decisões administrativas finais proferidas em sentido favorável ao sujeito passivo, buscando garantir a efetividade da aplicação do artigo 45 do Decreto nº 70.235/72 e a produção de efeitos futuros para a decisão administrativa favorável ao sujeito passivo [1].

Adentrando especificamente no julgamento no âmbito do Carf, mostra-se crucial a padronização da aplicação do voto de desempate para todos os processos em curso, evitando a aplicação de sistemáticas de votação diferentes à depender da matéria controvertida. Neste ponto, se mostraria ainda mais essencial a uniformização da regra do voto de desempate para todos os tribunais administrativos.

Por fim, além da necessidade da lei identificar um instrumento claro para a padronização da jurisprudência administrativa e de uniformização das posições entre as turmas da CSRF, crucial que sejam identificados os critérios para a edição de súmulas (necessidade de decisões reiteradas por maioria de votos de turmas/câmaras distintas, com decisão reiterada inclusive da câmara superior). Isso sem se olvidar da necessidade de se assegurar a observância pelos órgãos do contencioso administrativo tributário da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Lindb).

Neste relevante espaço se pretendeu apenas sintetizar algumas questões trazidas no relatório, sendo certo que aqui se reitera que a Aconcarf se coloca à disposição para debate, inclusive por meio da participação em reuniões públicas referentes ao tema.


[1] Vide: DELIGNE, Maysa de Sá Pittondo. Efeitos das decisões no processo administrativo tributário. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 199-218.

Autores

  • é doutora e mestre em Direito Tributário pela USP, professora de Direito Tributário de cursos de pós-graduação, conselheira titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento e diretora da Abradt.

  • é conselheiro titular da Câmara Superior de Recursos Fiscais da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, mestre em Direito Comercial pela USP, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e presidente da Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf (Aconcarf).

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