Pensando a lápis

Regime de convivência alternado e o §2º do artigo 1.583 do Código Civil

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25 de julho de 2022, 8h05

No presente artigo, as autoras não pretendem esgotar toda discussão acerca do tema, afinal, isso não seria possível dado a complexidade e extensão do tema. O que se pretende com o presente artigo é apenas e tão somente delinear e trazer a discussão acerca do regime de convivência alternada entre pais e filhos após a ruptura dos laços matrimoniais, buscando-se afastar qualquer ideia preconcebida acerca do tema, com uma abordagem envolvendo as questões psicológicas, sociais e do direito.

1. Histórico
Com o advento da Constituição Federal de 1988, é inegável que o instituto família deixa ser percebido como mera instituição jurídica para passar a ser instrumento de promoção da personalidade humana, ou seja, de direitos ligados ao indivíduo, e assim, com contornos mais contemporâneos e em compasso com o direito de família constitucional, fortemente traçado pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

Mais. A família deixou de se restringir a ser um fim em si mesmo. Ao revés, trata-se do lugar privilegiado, o ninho afetivo, onde a pessoa nasce inserta e no qual modelará e desenvolverá a sua personalidade, na busca da felicidade, verdadeiro desiderato da pessoa humana.

Nesta mesma toada, nos últimos tempos, o direito de família passou a ver criança como sujeito com direitos, e não simplesmente o objeto do direito dos pais. Nas palavras da professora Elisa Costa Cruz "essa é, na essência, a família democrática prevista na Constituição da República de 1988. Da criança como figuração, quase que um objeto jurídico, passamos à criança como pessoa, titular de todos os direitos que são inerentes a essa condição" (CRUZ, Elisa Costa; Guarda Parental: releitura a partir do cuidado. São Paulo: Editora Blimunda, 2021. Posição 506 — ed. Digital).

E é justamente com este espírito do direito civil constitucional que se tem a estrita observância dos princípios trazidos pela Constituição Federal e a escorreita aplicação dos direitos inerentes à criança, de modo a possibilitar a primazia do melhor interesse do infante como forma de incorporação dos direitos humanos, passando o direito dos pais sobre os filhos; direito este a ser compreendido como um direito-dever, em que a observância do melhor interesse dos filhos que deve ser o mote para o exercício do poder parental e dos direitos dele decorrentes.

Neste sentido, mais uma vez citando a professora Elisa Costa Cruz:

"Além disso, a incorporação dos direitos humanos no texto constitucional alteraria a compreensão do papel político da criança e o seu reconhecimento como pessoa em desenvolvimento. Como destacado no início deste capítulo, essa ascensão deve-se à consagração da doutrina da proteção integral e também ao princípio do melhor interesse da criança. A doutrina da proteção integral e o princípio do melhor interesse sedimentaram a importância do dever inerente ao exercício do pátrio poder, transformando-o de poder-dever em direito-dever ou potestà ou poder jurídico."

E é desta forma que o presente trabalho foi conduzido.

2. Importante diferenciação: guarda alternada e residência alternada
Feita essa introdução, é preciso esclarecer ao nobre leitor que o presente estudo não abrange a guarda estatutária, disposta no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seus artigos 33 e seguinte, tampouco sobre a guarda e convivência avoenga. No presente artigo, discutiremos apenas e tão somente a guarda e convivência dos filhos com os genitores.

Para a escorreita condução dos estudos, é preciso esclarecer e distinguir os institutos da guarda, residência e convivência, sendo que guarda é atributo do poder familiar e designa o modo de gestão da vida dos filhos. Assim, a guarda está relacionadas aos direitos e deveres dos genitores em relação aos filhos menores. Já a residência, diz respeito ao local de moradia e a convivência no período em que os filhos estão com cada um dos genitores.

O Código Civil brasileiro faz alusão a apenas dois tipos de guarda: a guarda unilateral e a guarda compartilhada (caput do artigo 1.583), sendo a primeira, quando apenas um dos genitores detém a gestão da vida dos filhos, e a segunda quando ambos os genitores se responsabilizam conjuntamente e exercem de forma contínua e conjunta os direitos e deveres decorrentes do poder familiar (§1º do artigo 1.583).

Apesar de não haver expressa previsão legal, temos, ainda, a guarda alternada, que, nas palavras do professor Mario Luiz Delgado (DELGADO, M.L., Guarda alternada ou guarda compartilhada com duas residências, ConJur, 2018.), "nela os genitores se sucedem, de forma alternada, no exercício exclusivo das responsabilidades parentais", ou seja, são sucessivas guardas unilaterais exercida por cada um dos genitores quando tem os filhos consigo.

Feitas tais distinções acerca da guarda, é preciso distinguirmos também as modalidades de residência. Isso porque residência é o local base de moradia dos filhos; e usualmente, elege-se a casa de um dos genitores como base de moradia dos filhos, enquanto o outro genitor, chamado não guardião, tem o direito-dever de convivência, em dias e horários pré-estabelecidos.

Há, contudo, a chamada guarda de nidação ou aninhamento, em que, apesar de ter a palavra "guarda" em sua denominação, diz respeito à base de moradia dos filhos. Na guarda de nidação, os filhos continuam a residir no imóvel que servia de base para a família, e os genitores se alternam neste local.

No Brasil, ainda não temos muitos exemplos de tal forma de moradia, especialmente frente aos custos, uma vez que a família deverá ter três imóveis de morada, sendo um dos filhos e os outros dois para cada genitor, que ficarão neste segundo e terceiro imóvel quando não for seu período de convivência com os filhos.

Por fim, temos o regime de convivência dos pais com os filhos após a ruptura dos laços matrimoniais. O regime de convivência dos pais com os filhos usualmente é atribuído ao genitor que não detém a guarda física, ou seja, que não coabita com o filho.

Importante esclarecer que a modalidade de guarda não está vinculada à base de moradia dos filhos, tampouco ao regime de convivência entre pais e filhos, de modo que é possível se ter, em um mesmo caso, uma guarda unilateral com guarda de nidação e o período de convivência não ser equânime entre os genitores; ou ainda, casos de guarda compartilhada, com alternância de moradia e equivalência de regime de convivência entre os genitores.

E por isso mesmo temos que ter muito cuidado para não confundirmos o regime de guarda alternada com o regime de guarda compartilhada com a alternância do período de convivência, vez que, enquanto na guarda alternada teríamos a alternância da guarda unilateral do filho, o que não se recomenda jamais, na guarda compartilhada com alternância do período de convivência, a todo momento, há o compartilhamento das decisões da vida do filho — o que se alterna é apenas e tão somente o genitor que tem o filho consigo.

Mais do que uma diferença de cunho legal, temos uma diferença de cunho emocional-psicológico, isto porque, a fixação da guarda alternada, segundo a psicóloga judicial Glicia Brazil (BRAZIL, G. B. M., Psicologia jurídica: a criança, o adolescente e o caminho no cuidado na justiça. São Paulo, Foco, 2022. P. 48) "tende a agravar a crença comumente nutrida pelos genitores de que eles detêm prerrogativas sobre os filhos, que são senhores das decisões", reforçando, assim, a crença de que as decisões dos genitores devem se pautar pelo o que é melhor para os genitores, quando na verdade, o principal sujeito de direitos é o filho. Sem mencionar o fato de que a alternância de guarda, pode representar aos filhos a ruptura do afeto, isto sim pode ser muito prejudicial ao desenvolvimento dos filhos.

De todo modo, por certo que hoje, apesar da Lei da Guarda Compartilhada (13.058/2014) e sua imposição de fixação da guarda compartilhada, ainda temos a prevalência da guarda unilateral com fixação de base de moradia no lar materno e convivência em finais de semana alternados.

Apesar dos avanços recentes, ainda é muito difícil a aceitação, especialmente por parte do Ministério Público, da fixação da guarda compartilhada com alternância de residência ou equivalência de convivência dos genitores com os filhos.

Contudo, importante relembrarmos que o paragrafo 2º do artigo 1.583 do Código Civil estabelece a divisão equilibrada do convívio dos pais com os filhos nos casos de guarda compartilhada.

3. Superando os pré-conceitos
São muitas as críticas, seja de doutrinadores, como dos próprios magistrados, à fixação da guarda compartilhada com alternância de residência e equivalência de tempo de convivência entre pais e filhos.

Temos, inclusive, manifestações de promotores de justiça e decisões judiciais que se negam a homologar acordos em que os pais estabelecem consensualmente a divisão do tempo e residência dos filhos. Em todos esses casos, a negativa tem como fundamento, a alegação supostamente empírica, mas não comprovada, de que este regime é prejudicial ao desenvolvimento da criança.

Contudo, estudos realizados em Portugal, Suécia, Austrália e Nova Zelândia (Plenitude da Guarda Compartilhada. Revista IBDFam. Edição 40, ago/set, p.9/10.) demonstram que a convivência de forma equilibrada, inclusive com a divisão do tempo equânime entre os genitores, tem como efeito o melhor desenvolvimento das crianças.

Grande algoz da fixação da guarda compartilhada com alternância de residência e equivalência de tempo de convivência entre pais e filhos, é a denominada "rotina" dos filhos. Muito se ouve falar: "criança precisa de rotina". Ora, mais uma vez citando a psicóloga judicial Glicia Brazil (BRAZIL, G. B. M., Psicologia jurídica: a criança, o adolescente e o caminho no cuidado na justiça. São Paulo, Foco, 2022. P. 50), "rotina não significa única residência. Rotina significa regularidade e a certeza do próximo passo", caso seja implementada a dupla residência, esta passará a ser a rotina dos filhos.

Nunca é demais ressaltar que a fixação da guarda compartilhada com alternância de residência e equivalência de tempo de convivência entre pais e filhos, visa a implementação da igualdade parental e ampla participação dos pais na vida dos filhos.

Isto porque, por muitos séculos, os cuidados com a prole restringiam-se à mãe, enquanto ao pai cabia a responsabilidade do sustento. Contudo, desde a revolução industrial, a mulher passou a ter um lugar ativo na vida financeira familiar, mas se manteve como cuidadora da prole. Isto fez com que as mulheres assumissem uma rotina tripla até quádrupla, impactando seu crescimento profissional — inclusive, esta jornada doméstica é o que chamamos de trabalho não remunerado.

Por outro lado, nos últimos anos, os homens passaram a entender a importância de uma parentalidade responsável e participativa, que não se restringe a questões financeiras, mas também aos cuidados básicos cotidianos, além do apoio moral e psicológico aos filhos. Contudo, tal qual toda mudança social, ela demanda tempo e disponibilidade dos seus agentes, cabendo ao Estado regulamentar e incentivar o seu exercício.

4. Conclusão
Claramente vê-se que nos casos em que ambos os genitores têm plenas condições para exercer a guarda, a fixação da guarda compartilhada com alternância de residência e equivalência de tempo de convivência entre pais e filhos, não apenas é uma aplicação do próprio §2º do artigo 1.583 do Código Civil, como também é uma efetivação dos direitos constitucionais.

Mais que isso, para além das efetivações legais, a participação igualitária dos genitores na vida dos filhos é fator determinante para o pleno desenvolvimento dos filhos e solidificação dos vínculos familiares, auxiliando assim a manutenção dos vínculos com as linhagens maternas e paternas.

Pai e mãe não são donos dos filhos, pelo contrário, devem atuar como agentes catalisadores para o pleno desenvolvimento e emancipação dos filhos, contribuindo, em igual medida para isso.

E é exatamente dentro deste espaço de atuação e preservação de direitos e deveres que se faz necessário o compromisso do Ministério Público e de todo o Poder Judiciário, para que se exteriorize e materialize essa segurança jurídica, de modo a salvaguardar a aplicação do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente na análise caso a caso.

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