Opinião

Direito Penal e necessidade de desafogar o Judiciário

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25 de julho de 2022, 20h25

O relatório Justiça em Números, editado pelo Conselho Nacional de Justiça e divulgado anualmente desde 2003, trouxe um dado preocupante na edição do ano passado: em média, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem demorado cinco anos para julgar um processo distribuído na casa. O relatório, elaborado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), tem o mérito de reunir dados orçamentários, quantitativos de pessoal e diagnóstico do desempenho da atividade judicial brasileira, abrangendo os 90 órgãos do Poder Judiciário previstos na Constituição. Por isso, é um instrumento essencial sobre o trabalho da justiça no Brasil.

Esse prazo longo de julgamento de um processo, que já foi bem menor em anos anteriores, se deve fundamentalmente a três fatores recorrentes: alta demanda, pequeno grupo de trabalho frente à demanda e ritos burocráticos. Grande parte dos processos poderia, sem dúvida, ser resolvida em instâncias inferiores, nas justiças dos Estados.

O Direito Penal é um exemplo dessa situação. Vários casos criminais que seriam equacionados com a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela, em primeiro ou segundo grau de jurisdição,  acabam tendo que alcançar os Tribunais Superiores para a sua devida solução, aumentando o congestionamento do Judiciário.

Bom lembrar que, na área penal, o princípio da insignificância é aplicado quando a conduta praticada causa uma lesão jurídica inexpressiva, de modo que seja pouco reprovável, minimamente ofensiva, e não representa um perigo social. O maior exemplo disso (e talvez a área de maior aplicação) está em crimes patrimoniais, como o furto de alguns alimentos em um supermercado.

Esse tema foi recolocado recentemente em discussão pelo defensor público-geral federal Daniel de Macedo Alves Pereira, ao apresentar para o STF a Proposta de Súmula Vinculante (PSV) 144, para que a Corte defina o âmbito de incidência do princípio, compatível com o sistema jurídico brasileiro (como já consolidado em inúmeros julgados), e, assim, seja ele aplicado por todas as instâncias da Justiça do país.

Segundo o chefe da Defensoria Pública da União (DPU), as consequências da não aplicação do princípio acarretam prisões desnecessárias, e por longo tempo, de pessoas que praticaram condutas irrelevantes na seara penal. Além disso, a não aplicação pelas instâncias ordinárias gera "movimentação processual exacerbada", pois, antes de chegar ao STF, o caso tramitou por três instâncias, tomando tempo de juízes, membros do Ministério Público, defensores públicos e servidores, para, ao final, ser a conduta considerada insignificante.

Sua aplicação não é unânime nos tribunais do país, muitas vezes sob a justificativa de que ele não está formalmente previsto em lei. Com isso, além de aumentar o congestionamento do Judiciário, implica a perpetuação de ilegalidades (inclusive de prisões), até que o Superior Tribunal de Justiça ou o STF o aplique.

A edição de súmula vinculante tem previsão no artigo 103-A da Constituição e é regulamentada pela Lei 11.417/06. Trata-se de um instrumento de uniformização da jurisprudência que obriga todos os órgãos do Poder Judiciário, bem como toda a administração pública, nas esferas federal, estadual e municipal, a seguir o que for determinado pelo STF, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional.

Especificamente em relação ao princípio da insignificância, a Defensoria Pública da União sugere a seguinte redação de súmula vinculante: "O princípio da insignificância decorre da Constituição da República, sendo aplicável ao sistema penal brasileiro, quando preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada".

Não há por que prejudicar ainda mais o funcionamento e agilidade das Cortes Superiores de justiça com temas que já possuem interpretação, a partir do julgamento de diversos casos análogos, com a dupla finalidade de tornar pública a jurisprudência para a sociedade e promover a uniformidade entre as decisões.

A proposta de súmula vinculante (PSV) foi autuada no STF sob o nº 144. É uma boa iniciativa e podemos acompanhar sua sua tramitação aqui.

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