Opinião

Protocolo familiar: dinâmica nas relações empresariais

Autor

  • Raul Bergesch

    é advogado na área do Direito Empresarial especialista em proteção patrimonial sócio fundador do escritório Bergesch Martin Advogados membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão de Direito Falimentar da OAB-RS Subseção de Novo Hamburgo.

21 de julho de 2022, 20h19

Apesar de pouco conhecido no Brasil, o protocolo familiar, também denominado de Estatuto Familiar ou Constituição Familiar, vem sendo utilizado em maior escala nos Estados Unidos e na Europa, onde apresenta resultados bastante promissores.

Trata-se de um pacto que contém uma série de disposições que visam auxiliar a dinâmica nas relações empresariais com cunho familiar e, ainda, estabelecer os procedimentos que devem ser adotados quando for o momento de realizar a sucessão empresarial.

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) conceitua como sendo [1]:

"(…) acordo, firmado entre todos os membros da família. Seu conteúdo descreve a história da família empresária, seus valores e princípios, deveres e direitos, com regras sobre o relacionamento entre os membros da família e entre estes e a empresa".

Tendo em consideração que a empresa familiar envolve não somente a unidade familiar como também uma atividade societária e, ainda, o patrimônio das pessoas físicas e jurídicas relacionadas, faz-se necessária a adoção de regras que organizem esse quebra-cabeça, com o fim precípuo de evitar conflitos tanto no âmbito pessoal como no corporativo.

Os professores John Davis e Renato Tagiuri criaram em 1978, na Harvard Business School (HBS), o "Modelo de Três Círculos do Sistema de Empresa Familiar", com a intenção de simplificar o entendimento das estruturas presentes nas empresas familiares.

A partir desta ideia, os pesquisadores empenharam-se em verificar a aplicabilidade desta tese no campo prático e então constaram que era possível enquadrar todos os integrantes desse sistema em alguma seção.

Por fim, chegaram ao modelo a seguir delineado, no qual há três grupos interdependentes e sobrepostos. Ao examinar a organização de um empreendimento familiar, necessariamente, cada componente se encaixará em alguns dos sete conjuntos.

Nota-se, desde já, que estes vínculos se misturam, o que pode vir a tornar a convivência entre a parentela dificultosa, uma vez que questões familiares e empresariais acabam se mesclando. E engana-se quem imagina que esse tema é relevante apenas para grandes companhias, pois mesmo os pequenos e médios empreendimentos deste tipo devem implementar medidas para preservar o elo familiar e profissional.

É uma balança complexa, cheia de nuances emocionais, que necessita ser meticulosamente planejada para que não haja dissidências em um nível que rompa com os laços de familiaridade tampouco que leve a extinção da sociedade. Portanto, lança-se mão de criativos institutos do Direito Empresarial, que são estruturados justamente para otimizar estas multifacetadas relações.

Não nega-se o fato de que o fundador tem o direito de, sozinho, eleger quem irá gerir a empresa quando este vier a faltar ou, ainda, determinar qual será o papel de cada sucessor na administração presente ou futura do ente societário. Não obstante, este não é o caminho mais acertado a ser perseguido, uma vez que pode ser fruto de infinitos conflitos com resultados catastróficos.

Certamente, o ideal é reunir os interessados para que, em comunhão de esforços, todos sejam incluídos na tomada de decisão e, assim, sintam-se verdadeiramente considerados, de forma que as políticas e demais determinações que vierem a ser implementadas sejam bem recebidas pela coletividade.

O documento para reunir e compor todo este emaranhado de elementos é justamente o protocolo familiar, que tem natureza jurídica de contrato. Nele, pode constar não apenas diretrizes objetivas como também recordações afetivas, que remetam ao conhecimento da essência do fundador pelos descendentes, além de direitos e deveres dos signatários e até mesmo sanções para o seu descumprimento.

Quer dizer, a estrutura do instrumento pode se dar em duas partes: 1) temas familiares; e 2) questões societárias.

Na primeira, segure-se que se estabeleça os seguintes pontos:

1) Princípios, valores e memórias afetivas da família, mormente do (s) fundador (es);

2) Direcionamento a ser observado para a criação e desenvolvimento de novos membros que possam eventualmente se tornarem sucessores;

3) Esforços a serem empregados a fim de que haja uma separação saudável e eficaz entre os assuntos da família e da sociedade, como, por exemplo, a programação de reuniões familiares com o fito de promover o estreitamente dos laços afetivos e assembleias familiares com finalidade exclusiva de debater assuntos profissionais, sobretudo o alinhamento de interesses e expectativas;

4) Adoção obrigatória de determinado regime de casamento nos futuros matrimônios contraídos.

No que tange à empresa, podem ser englobados os tópicos a seguir:

1) Condições e plano para saída de sucessor da sociedade;

2) Forma de gestão de conflitos, com a previsão de implementação de mediação e/ou outras soluções que se entenda adequadas;

3) Posicionamento público a ser adotado pelos integrantes. A título exemplificativo, o estilo de vida a ser observado pelos membros, em especial regras expressas acerca da utilização dos bens da empresa, como automóveis, aeronaves, dentre outros;

4) Projeto sucessório;

5) Elaboração de organograma de governança corporativa;

6) Estabelecimento de requisitos mínimo para assunção a cargos de liderança, aplicável inclusive para integrantes da família;

7) Diretrizes para eventuais contratações de parentes que não façam parte do núcleo familiar controlador;

8) Critérios para o estabelecimento das remunerações dos integrantes;

9) Formas de distribuição de lucros e dividendos.

Trata-se de rol meramente exemplificativo, tendo em vista que, por se tratar de um instrumento privado, as partes podem dispor livremente sobre o que desejarem, sendo certo que quanto mais detalhado e específico para aquele caso forem as disposições, maiores as chances de êxito na concretização.

Importante destacar que este acordo é fruto de uma construção gradual, impossível de ser finalizado em apenas um encontro. É fundamental que seja feito um trabalho no qual cada indivíduo seja incentivado a refletir e, ainda, que os envolvidos sintam-se à vontade para expressar a sua opinião. E mais: que o ponto de vista de cada pessoa seja genuinamente considerado e discutido até que seja alcançado uma decisão em que todos estejam confortáveis.

Em razão da pluralidade de pessoas, experiências e ambições, seria utópico falarmos em consenso, mas é possível, em especial por meio da intermediação de terceiros especialistas, encontrar um ponto em comum, sabendo-se que a negociação certamente perpassará por concessões de todas as partes. Em outras palavras, enquanto alguns vão ceder no tema X, outros deverão ceder no tema Y.

Como podemos ver no diagrama acima colacionado, o pacto compreende não somente a família nuclear de sucessores. Em realidade, estende-se aos companheiros, cônjuges, dentre outros indivíduos envolvidos, os quais são de vital relevância para o êxito do protocolo familiar.

Ao final do processo, o resultado tem de ser a formação de um sentimento de unidade e de satisfação coletiva, de maneira que a família esteja engajada com o compromisso firmado. Durante o desenvolvimento, é crucial que os participantes seja incentivados a olhar para o futuro, ou seja, pensarem no que desejam realizar não somente nas próximas décadas, mas também o legado que aspiram transmitir para as gerações posteriores.

Os benefícios advindos do protocolo familiar são igualmente indeterminados, uma vez que variam de acordo com o caso concreto. Apesar disso, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) identificou, em pesquisa produzida em 2018, que as principais vantagens percebidas pelas empresas que possuem o documento foram [2]:

1) Fortalecimento de princípios orientadores da família;

2) Amadurecimento dos membros envolvidos nas discussões;

3) Reflexões sobre as expectativas e planos da família para o futuro; e

4) Clareza de papéis.

Ademais, essencial consignar que o protocolo familiar deve ter prazo determinado pois, por ser um documento que tem como fundamento o dinamismo das relações, precisa ter revisões continuadas, de forma a espelhar satisfatoriamente a evolução da instituição familiar e da sociedade em comento. Isso porque os próprios círculos representativos não são estáticos, se movimentam ao longo do tempo e, como conseguinte, a fluidez é indispensável para acompanhar tais mudanças e adaptar-se aos desafios iminentes.

Não há dúvidas que, para a construção do protocolo familiar, é imprescindível contar com o apoio de especialistas, que não somente auxiliam a família na concepção de um documento completo, com a inclusão dos assuntos de maior relevância, como também atuam como verdadeiros moderadores nas conversas referentes ao conteúdo em si.

Por todo o exposto, vê-se que a produção do protocolo familiar é um processo trabalhoso e demorado e, em função disso, quanto antes for iniciado, melhor. Outrossim, sob nenhuma hipótese esse instrumento pode ser desenvolvido em tempos de discordâncias. Afinal, este instituto foi idealizado para produzir efeitos a médio e longo prazo e não para apaziguar ânimos iminentes.

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Referências Bibliográficas
BRAGANÇA, Fernanda; MIRANDA NETTO, Fernando Gama de. O protocolo familiar e a mediação: instrumentos de prevenção de conflitos nas empresas familiares. Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution – RBADR, Belo Horizonte, ano 02, n. 03, p. 217-230, jan./jun. 2020. Disponível em: <https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/158634>. Acesso em 28.06.2022.
How Three Circles Changed the Way We Understand Family Business. Cambridge Family Enterprise Press, 2018. Disponível em: <https://johndavis. com/how-three-circles-changed-the-way-we-understand-family-business/>. Acesso em 28.06.2022.
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Protocolo familiar: aspectos da relação família e negócios. São Paulo, SP: IBGC, 2018. (Série: IBGC Pesquisa). Disponível em: <https://conhecimento.ibgc.org.br/Lists/Publicacoes/Attachments /23658/Publicacao-IBGCPesquisa-ProtocoloFamiliar-2018.pdf>. Acesso em 28.06.2022.
Pais e filhos: os desafios e valores entre gerações de empreendedores. Sebrae, 2021. Disponível em: <https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/ms/arti gos/pais-e-filhos-os-desafios-e-valores-entre-geracoes-de-empreendedores,f64 6cf80c782c710VgnVCM100000d701210aRCRD>. Acesso em 15.06.2022.
PRADO, Roberta Nioac. Empresas familiares: governança corporativa, familiar e jurídico­-sucessória. In: _____ (Coord.). Empresas familiares: governança corporativa, governança familiar, governança jurídica. São Paulo: Saraiva, 2011.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário, v. 1, 8. ed. rev. e atual, São Paulo: Atlas, 2017.
VELLOSO, C.; BEBER, A.; BASSO, B.; MÜLLER, C.; WESSLING, L.; VIANA, P. Protocolo Familiar: o instrumento para apoiar a família empresária. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, 2021. Disponível em: <https://ibgc.org.br/ blog/protocolo-familiar-instrumento-familia-empresaria>. Acesso em 28.06.2022.
https://raulbergesch.com.br/
https://ber.adv.br/

 


[1] VELLOSO, C.; BEBER, A.; BASSO, B.; MÜLLER, C.; WESSLING, L.; VIANA, P. Protocolo Familiar: o instrumento para apoiar a família empresária. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, 2021. Disponível em: <https://ibgc.org.br/blog/protocolo-familiar-instrumento-familia-empresaria>. Acesso em 28.06.2022.

[2] Ibid.

Autores

  • é advogado na área do Direito Empresarial, especialista em proteção patrimonial, sócio-fundador do escritório Bergesch Advogados, mentor de advogados e membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão de Direito Falimentar da OAB-RS, subseção de Novo Hamburgo.

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