Opinião

Direitos autorais: Mickey Mouse não deixará de ser Mickey

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21 de julho de 2022, 16h04

Os direitos autorais são importantes no mundo todo, muitos não se dão conta até acompanhar um plágio de sua marca, sua música, seu desenho, e fora do Brasil não é diferente. A notícia de que a Walt Disney perderá os direitos autorais (também chamados de copyright) sobre o Mickey Mouse em 2024, em que pese o título chamativo, é importante antes alguns esclarecimentos sobre os direitos efetivamente "perdidos" pelo conglomerado dos Estados Unidos neste momento.

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Direitos autorais são obras literárias, artísticas ou científicas, como livros, música, desenhos, entre outros. No caso mencionado, anuncia-se a perda do direito autoral apenas sobre o desenho do Mickey Mouse de Steamboat Willie de 1928. Isto é, não ocorrerá em 2024 a perda dos direitos sobre todos os desenhos referentes ao amado rato, que, inclusive, tem sofrido modificações ao longo dos anos. O que adentrará em domínio público em 2024 é, portanto, apenas o desenho de autoria do próprio Walt Disney, onde o amigável ratinho comanda um leme e assovia alegre, uma das primeiras animações sincronizadas com música. Um clássico.

E tal fato se dá tendo em vista o prazo de proteção estabelecido pela lei americana, que é de 95 anos neste caso. A esse respeito, é válido mencionar que o desenho do Mickey Mouse prestes a entrar em domínio público teve o seu prazo de expiração estendido em razão das alterações na legislação americana acerca da proteção de direitos autorais. Isso porque a lei americana previa, à época da publicação do desenho, um prazo de proteção de 28 anos com a possibilidade de renovação por mais 28 anos, de modo que inicialmente o desenho estaria protegido por 56 anos, findando-se em 1984. Entretanto, após uma reforma da legislação, tal prazo foi prolongado para 75 anos e, posteriormente, prolongado para 95 anos a partir da sua publicação original, resultando na sua expiração em 2024.

É importante destacar também que, diferentemente da lei brasileira, o sistema americano de proteção de direitos autorais estabelece diferentes prazos de proteção para diferentes obras. Como regra geral, a proteção é válida durante toda a vida do autor mais 70 anos após a sua morte. Contudo, para uma obra anônima, uma obra pseudônima ou uma obra feita por encomenda, a proteção é de 95 anos a partir do ano de sua primeira publicação ou por 120 anos a partir do ano de sua criação.

Mas ainda sobre a perda dos direitos sobre o Mickey Mouse em 2024, há muitas ramificações desta questão:

Primeiramente, é importante esclarecer que a perda dos direitos pela Disney do desenho de 1928 não implica no direito a todos de usar livremente o nome e o personagem Mickey Mouse, pois a Walt Disney Company tem a marca registrada que, diferentemente dos direitos autorais, trata-se de proteção que pode ser renovada sucessivamente a cada período de 10 anos, conforme estabelece o Lanham Act, lei americana sobre marcas.   

Vale ressaltar ainda que, em se tratando de marca, a Disney realiza o registro da marca Mickey Mouse e do desenho do personagem em diversas classes na grande maioria dos países, sendo que no Brasil ela é titular de 2.103 pedidos e registros de marca junto ao INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial).

No caso, ainda que o nome e o desenho do Mickey de 1928 adentre o domínio público, considerando que este é objeto de registro marcário conforme mencionado acima, a sua exploração por terceiros somente é admitida em hipóteses em que o uso da marca é considerado como "fair use" ou, quando se verifica que o uso é anterior ao registro.

Exemplos de uso de marca que não configuram uma infração são, por exemplo, uso da marca para indicar ao consumidor a utilidade de determinado produto e/ou serviço, ou o uso da marca para comparar bens e serviços.

No Brasil, o direito autoral é baseado na Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998. O prazo de proteção do direito autoral é o da vida do autor mais 70 anos. Deve-se contar o prazo de domínio público a partir de 1º de janeiro subsequente à data de falecimento do responsável pela obra. Por exemplo, se o autor vier a falecer em agosto de 2022, conta-se de janeiro de 2023, valendo o domínio público em 1º de janeiro de 2093. E em casos de coautoria, a lei vale para o último autor que vier a óbito.  Pretende-se com esses 70 anos de direito autoral, garantir aos herdeiros o direito sobre as obras do autor e a sustentação familiar pelas obras produzidas pelo mesmo.

O sistema de proteção americano é distinto do sistema brasileiro, tendo a lei americana, por meio do Visual Artists Rights Act (Vara), editado na década de 1990, o que é reconhecido o que no Brasil é denominado de direitos morais. Entretanto, a legislação americana ainda é omissa acerca do exercício e responsabilidades desses direitos pelos herdeiros.

No Brasil, quando uma obra se torna de domínio público, cabe aos responsáveis por ela, ou, os que passarão a utilizá-la, manter os direitos morais preservados, em qualquer circunstância, isso quer dizer que herdeiros ou sucessores possuem a missão de "manter a fiscalização" da obra, por tempo indeterminado. 

Os direitos morais que podem ser exercidos pelos sucessores são (1) de reivindicação, a qualquer tempo, da autoria da obra e (2) o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra.

Apesar de não necessário, é altamente recomendável o registro de uma obra de direito autoral. Ele pode ser realizado em diversas instituições, a depender da natureza da obra intelectual. Obras intelectuais podem ser registradas perante a Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, Instituto Nacional do Cinema, Escola de Música, Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia.

O processo de registro se inicia com a apresentação da documentação pertinente perante um desses órgãos e pelo pagamento da taxa respectiva. É importante frisar que é exigida uma documentação específica para cada tipo de obra. Uma vez paga a taxa e submetido os documentos, ainda podem ser solicitados novos documentos pelo órgão de registro, de modo que o auxílio de um escritório especializado na área se mostra muito benéfica, já que tal terá a expertise sobre a documentação a ser apresentada, assim como na observância dos prazos e etapas do registro da obra. Finalizado o processo de registro autoral, é emitida a certidão de registro.

Em 2022, entraram em domínio público as obras de Ernest Hemingway, Franz Kafka, Agatha Christie, William Faulkner e Bertolt Brecht, assim como dos vencedores do Nobel Sinclair Lewis e André Gide, e a primeira edição do famoso livro "Ursinho Pooh", escrito por Alan Alexander Milne. Muitas obras importantes para o Brasil já estão em domínio público, entre elas: as obras de Machado de Assis, músicas eruditas brasileiras, vídeos de Paulo Freire, poesias de Fernando Pessoa e obras de Joaquim Nabuco.

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