Conjur, 25 anos

Vida longa à saga informativa, legalista, democrática e libertária da ConJur

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21 de julho de 2022, 19h26

A imprensa que podemos chamar de jurídica tem forte tradição formativa e informativa no Brasil. Seguiu, como os jornais de interesse geral que se proliferaram por ocasião da Independência, o pioneirismo português das publicações Anaes da Sociedade Jurídica, de 1835, e Gazeta dos Tribunais, 1841, refletindo os grandes debates sobre os rumos que deveria tomar o Estado Nacional recém-fundado nos trópicos.

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A instituição dos cursos jurídicos, em 1827, para formar os quadros administradores do novo Império, dispensando-os da ida a Coimbra, certamente contribuiu para que os estudos e o noticiário jurídicos crescessem nos periódicos e aos poucos ganhassem autonomia editorial. Já em 1843 surgiu a revista Gazeta dos Tribunais, não por acaso no mesmo ano de fundação do Instituto dos Advogados Brasileiros, e pelas mãos de pais fundadores do IAB, como Francisco Alberto Teixeira de Aragão e Francisco Gê Acaiaba de Montezuma.

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José Roberto Batochio

A relação entre Direito e imprensa sempre foi íntima, umbilical. Nossos maiores juristas também foram jornalistas, e, neste ramo, ativistas políticos, a exemplo do próprio Montezuma, fundador de O Constitucional para defender a Independência na Bahia em 1823, e de um trio de notáveis estudantes que combateu de penas dadas no jornal Radical Paulistano: Castro Alves, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, tendo a seu lado o já rábula e imortal Luís Gama. Foi nas páginas do Radical que Gama desenvolveu sua luminosa tese de que segundo a lei que extinguiu o tráfico negreiro em 7 de novembro de 1831, os escravos introduzidos no Brasil depois daquela data deveriam ser homens livres. Da mesma forma, dois grandes jurisconsultos, Augusto Teixeira de Freitas, "o jurista do Império", consolidador do Código Civil, e Rui Barbosa, o jurista da República, autor da Constituição de 1891, esboçaram algumas de suas obras em artigos de jornal.

O século 20 foi pródigo em publicações jurídicas, muitas associadas a instituições universitárias, de linguagem acadêmica, veiculadas na solenidade do papel e na pompa do juridiquês. Outras, efêmeras, não duraram o tempo de um processo.

Daí ser auspicioso celebrar os 25 anos de Consultor Jurídico — uma revista eletrônica ágil como seu digital veículo condutor, divulgando em tempo real notícias, e em edição consolidada a cada 24 horas, também preciosos artigos, teses, debates do mundo jurídico. Os operadores do Direito têm nela um instrumento inserido na mencionada tradição informativa e formativa, fonte de conhecimento dos grandes temas jurídicos em debate, de processos a discussões relevantes acerca do que se passa nos tribunais e no métier.

Tenho certo orgulho de identificar a gênese do Consultor Jurídico nas publicações da Seção de São Paulo e do Conselho Federal da OAB nos períodos em que deles fui presidente. Com a colaboração do editor Márcio Chaer, já naquela época, se não fomos pioneiros, e não fomos, valorizamos a oportunidade de os advogados terem acesso a notícias de seu interesse profissional, a seguir plenamente atendidas pela Consultor.

Como militante da advocacia criminal, fonte ao mesmo tempo tanto da fortuna quanto da miséria do ser humano quando acusado de infringir a lei, admiro uma característica que marca a revista ConJur e se mostra rara na imprensa tradicional ao tratar de assuntos jurídicos (em rigor, de todos os assuntos…): a de tomar partido. Afinal, a pugna judicial se dá pelas partes. O Ministério Público é a parte da acusação; a advocacia, da defesa; a magistratura, da lei; a ConJur, da verdade, da liberdade e do respeito às garantias fundamentais do ser humano, mesmo quando sob a persecução do Estado.

Toma partido, sim, escolhe um lado, e, para gáudio de minha seara penalista, alinha-se afortunadamente ao garantismo, à observância do devido processo legal, ao amplo direito de defesa, ao patrocínio do emergente sistema acusatório contra a resiliência do inquisitorial, à contenção da sanha punitiva desenfreada. Fiel à sua natureza jornalística, no entanto, respeita a verdade e a prevalência isonômica do contraditório, sempre garantindo a palavra a todas as partes da notícia.

Jamais compactuou com o justiceirismo. Não ecoou, como a maioria da imprensa, os linchamentos das "vozes da rua", que, vilipendiando a mais sagrada doutrina do Direito, imediatamente estigmatizam o acusado como indigno de defesa. Tampouco aplaudiu os juízes-justiceiros, os promotores-xerifes e os policiais-vedetes, que hoje até fazem vídeos de suas emboscadas, ainda que ao arrepio da lei, para instantânea publicação nas redes sociais, como chegaram a fazer mesmo com um ex-presidente da República detido em plena via pública.

Tais deformidades talvez merecessem mais atenção editorial da revista, assim como o crescente desvirtuamento político do Poder Judiciário e a pantagruélica voracidade persecutória de certos setores Ministério Público. Vivemos, malgrado o avanço da Ciência do Direito, uma era punitivista que superpovoa os cárceres com humilhados e ofendidos, a par de uma onda "moralisteira" que desvirtua o Direito Penal pela ótica dos costumes.

Oxalá tenhamos mais notícias, artigos e debates acerca da distância que certas autoridades abrem da população, afastando-se de valores éticos essenciais a quem o Estado delega o poder de administrar. A nababia em que se luxam faustosamente determinados e insensíveis burocratas é incompatível com a desigualdade social ultrajante de um país de famintos e maltrapilhos, dispondo aqueles de toda sorte de privilégios, vencimentos astronômicos acumulados e benefícios indevidos, como "auxílio-habitação", como se sem-tetos fossem, nada obstante muitos deles com residência própria e casa de veraneio na praia. Constituem uma aristocracia na República — não se pejando, porém, de perseguir e enfurnar no cárcere os miseráveis — quão atual se mostra Victor Hugo! — que surripiam alimento em supermercados para matar a fome. Desses só podem mesmo tomar a liberdade, pois nada mais têm de que possam ser despojados.

Daí a importância, mais que isso a essencialidade, de uma imprensa vigilante, fiscal do Poder Público, que não naturalize as deformidades e disfuncões institucionais, antes as denunciem e as iluminem, na mira de sua extirpação saneadora. Como bem disse Rui Barbosa, cuja contemporaneidade instigante deveria aparecer mais na página do ConJur, "a imprensa é a vista da nação. Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alveja, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça. (…) Sem vista, mal se vive".

À parte o que falta e pode ser acrescido, nesse jubileu cumpre agora celebrar a altiva trajetória do Consultor Jurídico na defesa intransigente do Estado Democrático de Direito, entronizando a Constituição, breviário da Democracia, acima das leis de algibeira e das hermenêuticas de ocasião, soberana cidadela das garantias dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Antigamente, as publicações circulavam com um lema na primeira página. Ao ConJur, vencido o tempo, caberia a frase de uma personagem de Robert O. Bolt inspirada em Thomas More: "Ao diabo eu daria as garantias da lei, por minha própria segurança!" Celebremos, pois, um quarto de século da saga informativa, legalista, democrática e libertária de ConJur. Vida longa!

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