Reflexões Trabalhistas

Direito intertemporal: confronto da Lei nº 13.467/17 com vantagens adquiridas

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15 de julho de 2022, 8h02

A aplicação de novas disposições legais nem sempre ocorre de forma pacífica, em especial quando a nova lei traz modificações no reconhecimento de direitos que colidem com prática anteriormente adotada. É o caso do artigo 58, §2º, da CLT, inserido pela Lei nº 13.467/17, ao tratar das horas in itinere, afirmando que:

Spacca
"O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador."

A nova lei enfrentou o disposto pelo artigo 4º da CLT, contrariando o conceito de tempo de serviço tradicionalmente incorporado nas interpretações do significado de jornada de trabalho. Do texto legal extrai-se o seguinte:

"Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada."

Embora a lei nada dissesse a respeito, houve um alargamento pela jurisprudência do que seria tempo de serviço e importou, para a jornada de trabalho, o período em que o empregado se dirigisse para o local de trabalho de difícil acesso ou não servido por transporte público regular (Súmula 90 TST), sendo tal período objeto de litigiosidade frequente e de negociações coletivas que procuraram eliminar controvérsias.

A partir da nova disposição legal, tempo de trabalho é tempo em que o empregado está sob direção e controle do empregador que, em palavras outras, são horas sobre as quais o empregado não tem domínio absoluto.

O sítio do TST, no dia 7/7/2022, publicou a notícia "Horas de deslocamento são computadas na jornada em período posterior à reforma trabalhista de 2017" para informar que a 3ª Turma, tendo como relator do processo RR-11881-18.2019.5.15.0049 o ministro Alberto Balazeiro, "determinou o pagamento de horas in itinere a um trabalhador rural durante todo o período contratual, inclusive após o início da vigência da Lei 13.467/2017, que extinguiu o direito à remuneração dessas horas de trajeto. Para o colegiado, a parcela já havia se incorporado ao patrimônio jurídico do empregado, não se podendo reduzir a remuneração e violar direito adquirido do trabalhador".

Trata-se do confronto entre a prática anterior à lei com o novo dispositivo em que o TST vai manifestando os critérios de aplicação intertemporal do novo dispositivo e rompe com as dúvidas, semeando as controvérsias relativamente à aplicação da lei da reforma trabalhista. A razão justificativa da transição entre a prática e a nova lei é de que o intérprete deve evitar prejuízos e violações ao direito adquirido.

O fundamento jurídico da prevalência das condições anteriormente negociadas, segundo justificativa do acórdão, envolve a aplicação do direito intertemporal, aplicando-se o disposto na Constituição relativamente ao direito adquirido (artigo 5º, XXXVI) e no artigo 6º da Lindb, quanto à garantia do respeito ao ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Todavia, consoante reproduz o acórdão em comento, ainda subsistem divergências turmárias relevantes e que ainda o tema poderá ensejar a manifestação e posicionamento da Sessão Especializada em Dissídios Individuais daquela Corte Superior:

"Com efeito, a matéria referente à incidência da Lei 13.467/17 aos contratos de trabalho em curso quando da sua edição ainda tem suscitado posicionamentos divergentes entre as turmas desta Corte ante a inequívoca complexidade do tema."

Assim, embora ainda não definitiva a orientação, a decisão caminha para a preservação do direito adquirido e ao fato de que a condição fora estabelecida anteriormente à Lei nº 13.467/17 cujas disposições não se aplicam "aos contratos de trabalho que se encontravam em curso, quando da sua edição, uma vez que suprime e/ou altera direito preexistente, incorporado ao patrimônio jurídico do empregado".

Como se vê, o parâmetro de análise na aplicação do direito intertemporal, segundo a decisão, deve levar em conta a natureza, o valor dogmático da garantia vigente e sua origem anteriormente à época do início da vigência da lei a fim de que não implique redução salarial ou ofensa ao direito adquirido.

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