Opinião

Contribuição social não incide sobre remuneração de jovem aprendiz

Autor

  • Celso Alves Feitosa

    é advogado especialista em Direito Tributário consultor jurídico sócio fundador de Alves Feitosa Advogados Associados ex-juiz do TIT-SP (1988 a 2015) e ex-conselheiro no Conselho de Contribuintes/Carf (1987 a 2004).

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15 de julho de 2022, 13h06

Por serem as contribuições sociais verdadeiros tributos, deverão, como se sabe, em tudo e por tudo, se submeter às normas e princípios tributários, sobretudo os de índole constitucional, já que nossa Carta Republicana não pode ser tratada com um mero repositório de recomendações que podem, ou não, ser atendidas (ROQUE CARRAZZA).

Pensamos que o tema aqui eleito, para nossas breves reflexões, reclama tal sensibilidade, mormente por alcançar em cheio o princípio da legalidade tributária (artigo 150, I, da CF[1]), também denominado, ante a sua importância neste fragmento do direito, como princípio da estrita legalidade tributária (GERALDO ATALIBA), ou da reserva absoluta de lei formal (ALBERTO XAVIER).

Neste sentido, já deixamos consignado, por aqui, serem as contribuições sociais incidentes sobre a remuneração feita à figura do Jovem Aprendiz, ilegais, e, ato contínuo, inconstitucionais, por ferirem o quanto disposto em lei, e, por conseguinte, violando a essência da legalidade tributária.

As empresas, em tal âmbito, e, de um modo geral, no exercício de suas operações, veem-se legalmente obrigadas ao fomento da aprendizagem no contexto da formação e da capacitação profissionais da figura do "menor aprendiz", nos termos dos artigos 428 e 429, da CLT (cf. redação dada pelas Leis 10.097/2000 e 11.180/2005), artigo 4º, caput, do Decreto-Lei nº 2.318/1986, e artigos 45 e 51, do Decreto nº 9.579/2018 (cf. redação dada pelo Decreto nº 11.061/2022), conjugados, ainda, com os artigos 7º, XXXIII, 214, IV, e, 227, caput, e p. 3ª, da CF/1988.

Isso se vê, especialmente, diante de sua alocações como sujeitos passivos das (1) Contribuições Sociais Previdenciárias Patronais, (2) Contribuições Sociais para o Financiamento de Benefícios Decorrentes de Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), e, (3) Contribuições Sociais a Entidades Terceiras, incidentes sobre as remunerações pagas, justamente, aos menores que lhe prestam serviços na condição especial de aprendizes sobretudo por tais jovens serem tomados como empregados (segurados sociais obrigatórios) pela RFB e pela Previdência Social, ext. vi da IN RFB nº 1.453/2014 e da IN INSS/PRES nº 77/2015:

"IN RFB n. 1.453/2014: (…) – Art. 6º Deve contribuir obrigatoriamente na qualidade de segurado empregado: (…) II – o aprendiz, maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos, ressalvada a pessoa com deficiência, à qual não se aplica o limite máximo de idade, conforme disposto no art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, com a redação dada pela Lei nº 11.180, de 23 de setembro de 2005". Grifos não estão no original.

"IN INSS/PRES n. 77/2015: (…) Art. 8º É segurado na categoria de empregado, conforme o inciso I do art. 9º do Regulamento da Previdência Social: (…) II – o aprendiz, com idade de quatorze a 24 (vinte e quatro) anos, sujeito à formação profissional metódica do ofício em que exerça o seu trabalho, observando que a contratação poderá ser efetivada pela empresa onde se realizará a aprendizagem ou pelas entidades sem fins lucrativos, que têm por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional, atendidos os requisitos da Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000 e da Lei nº 11.180, de 23 de setembro de 2005". Grifos não estão no original.

Registramos, à guisa apenas de esclarecimento, que no cadastro do e-Social, de obrigação legal da empresa, não há nem mesmo opção para correlação dessa modalidade de regime de trabalho sob o contexto do jovem aprendiz, obrigando a empresa a fazê-lo como se empregado o fosse, com todos os seus ônus.

Por sua vez, nos termos do quanto disposto no ainda vigente Decreto Lei nº 2.318/1986, que tratou, dentre outras coisas, da admissão de menores nas empresas, para fins de aprendizagem e capacitação profissionais, e, que, foi validamente recepcionado pela atual CF/1988 (cf. seu artigo 227, caput, e, p. 3º), a "não-incidência", já primária, das contribuições sociais em discussão, sobre a remuneração paga ao menor aprendiz, restou expressamente consignada, mormente por sua desvinculação à Previdência Social, e, por consequência, a quaisquer encargos sociais a ela correlatos, nos termos do artigo 4º, caput, e, p. 4º, do DL em referência:

"Art. 4º. As empresas deverão admitir, como assistidos, com duração de quatro horas diárias de trabalho e sem vinculação com a previdência social, menores entre doze e dezoito anos de idade, que frequentem escola. (…)

§ 4º. Em relação aos gastos efetuados com os menores assistidos, as empresas não estão sujeitas a encargos previdenciários de qualquer natureza, inclusive FUNRURAL, nem a recolhimentos em favor do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço". Grifos não estão no original.

A recepção do DL nº 2.318/1986 pela nova ordem jurídica decorrente da CF/1988 ainda mais se reforça, aliás, pelo quanto previsto no artigo 2º, p. 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb):

"Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior". Grifos não estão no original.

De fato, nos termos da Lindb, não há, in casu, qualquer norma expressamente revogadora do DL nº 2.318/1986, ou, que, com ele, seja materialmente incompatível, ou, ainda, que regulamente integralmente, a contrário senso, a matéria então tratada.

A própria Lei nº 8.212/1991, que surgiu após a CF/1988, para tratar, justamente, da Seguridade Social, instituindo, dentre outras coisas, o seu próprio plano de custeio, ainda mais reforçou a desvinculação da remuneração paga ao menor aprendiz à Previdência Social, via, diga-se de passagem, contribuições sociais patronais e ao RAT.

Com efeito, por não constarem os menores aprendizes como segurados obrigatórios da Previdência Social, na forma do art. 11, II, p. ú., 'a' e 'c', e do artigo 12, da Lei nº 8.212/1991 [2], a remuneração a eles paga não se pode ver alcançada, então, pela regra de incidência da contribuição social a cargo da empresa tal como prevista no artigo 22, I, dessa lei, a corroborar, por aqui, diante dos menores aprendizes, num mesmo cenário do DL n. 2.318/1986, uma típica hipótese, a bem da verdade, e, igualmente, de "não-incidência" tributária, onde nem mesmo se veria nascente qualquer obrigação tributária a tal título:

"Art. 11. No âmbito federal, o orçamento da Seguridade Social é composto das seguintes receitas: (…); II – receitas das contribuições sociais;

Parágrafo único. Constituem contribuições sociais: a) as das empresas, incidentes sobre a remuneração paga ou creditada aos segurados a seu serviço". Grifos não estão no original.

"Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: I – como empregado: (…) II – como empregado doméstico: (…) III – (Revogado pela Lei nº 9.876, de 1999). IV – (Revogado pela Lei nº 9.876, de 1999). V – como contribuinte individual: (…) VI – como trabalhador avulso: (…); VII – como segurado especial: (…)". Grifos não estão no original.

Tanto não se enquadram no rol dos segurados da Previdência Social, que a própria CLT, ao tratar dos chamados "empregadores da aprendizagem", nos termos de seus arts. 424 a 433, e, especialmente, do seu art. 428, bem como, os arts. 45, 47 e 51, do Decreto nº 9.579/2018, com especial destaque ao seu art. 47, conferem a tal modalidade de contratação um regime expressamente "especial", muito além, portanto, dos quadrantes de custeio da Previdência Social, e dos próprios limites necessários para configuração de relação típica de emprego:

"Art. 428-CLT: Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação".

"Art. 45-Dec. nº 9.579/2018, cf. redação anterior ao Dec. n. 11.061/2022: Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado não superior a dois anos, em que o empregador se compromete a assegurar ao aprendiz, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz se compromete a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação".

"Art. 45-Dec. nº 9.579/2018, cf. redação atual dada pelo Dec. n. 11.061/2022: O contrato de aprendizagem profissional é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que: I – o empregador se compromete a assegurar ao aprendiz, inscrito em programa de aprendizagem profissional, formação técnico-profissional metódica compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico; e, II – o aprendiz se compromete a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias à formação a que se refere o inciso I (…)".

"Art. 47-Dec. nº 9.579/2018, sem alteração de redação: O descumprimento das disposições legais e regulamentares importará a nulidade do contrato de aprendizagem, nos termos do disposto no art. 9º da CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943, situação em que fica estabelecido o vínculo empregatício diretamente com o empregador responsável pelo cumprimento da cota de aprendizagem. (…)".

"Art. 51-Dec. nº 9.579/2018, sem alteração de redação:
Estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos oferecidos pelos serviços nacionais de aprendizagem o número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento cujas funções demandem formação profissional".

O que se percebe, diante de qualquer pretensão a título de contribuição social sobre a remuneração paga a jovem aprendiz, é uma violação primária ao princípio da estrita legalidade tributária (artigo 150, I, da CF/1988), já que, não somente não se tem qualquer lei dispondo relativamente a tal incidência, como, ao contrário, há leis, justamente, asseverando expressa (Decreto-Lei nº 2.318/1986) e tacitamente (Lei nº 8.212/1991) o contrário, no sentido de tratar-se, primariamente, de hipótese de "não-incidência" a título de contribuições sociais, já, à Previdência Social (patronal) e ao RAT, sob as diretrizes dos artigos 195, I, 'a', da CF/1988.

O mesmo raciocínio encontra-se presente no caso das contribuições sociais destinadas, agora, às Entidades Terceiras, por exemplo, Sesc e Senac, cujas normas instituidoras (DL nº 9.853/1946 e DL nº 8.621/1946), igualmente recepcionadas pela CF/1988, não preveem suas incidências sobre remunerações pagas ao jovem aprendiz, fazendo-o apenas a quem natureza de empregado o tenha:

"SESC — Art. 3º Os estabelecimentos comerciais enquadrados nas entidades sindicais subordinadas à Confederação Nacional do Comércio e os demais empregadores que possuam empregados segurados no Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários, serão obrigadas ao pagamento de uma contribuição mensal ao Serviço Social do Comércio, para custeio dos seus encargos.

§ 1º. A contribuição referida neste artigo será de 2 % (dois por cento) sobre o montante da remuneração paga aos empregados".

"SENAC – Art. 4º. Para o custeio dos encargos do Senac, os estabelecimentos comerciais cujas atividades, de acordo com o quadro a que se refere o artigo 577 da Consolidação das Leis do Trabalho, estiverem enquadradas nas Federações e Sindicatos coordenados pela Confederação Nacional do Comércio, ficam obrigados ao pagamento mensal de uma, contribuição equivalente a um por cento sobre o montante da remuneração paga à totalidade dos seus empregados".

Com efeito, tais normas alcançam apenas as remunerações decorrentes de relação de emprego, ou seja, a empregados, o que, como já se viu, não se trata do caso do jovem aprendiz, que possui regime especial de contratação estabelecido pela própria CLT (artigo 428), e, sobretudo pelo quanto se depreende do artigo 47, do Decreto nº 9.579/2018, regime alheio, portanto, a qualquer forma de vínculo empregatício:

"CLT – Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação".

"Dec. nº 9.579/2018 – Art. 47. O descumprimento das disposições legais e regulamentares importará a nulidade do contrato de aprendizagem, nos termos do disposto no art. 9º da CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943, situação em que fica estabelecido o vínculo empregatício diretamente com o empregador responsável pelo cumprimento da cota de aprendizagem. (…)".

Tal situação de não-incidência, de seu turno, relativa às Entidades Terceiras, igualmente às demais contribuições sociais aqui em discussão, foi reforçada pelo mesmo DL nº 2.318/1986.

De qualquer forma, ainda, porém, que se admitisse como subsumível (mas não o é) a situação do jovem aprendiz ao quanto disposto no artigo 22, I, de forma conjugada com o artigo 12, I, 'a', da Lei nº 8.212/1991 (Contribuição Social Patronal e ao RAT), e, ao quanto consignado no artigo 3º, p.1º, do DL nº 9.853/1946 (Sesc) e no art. 4º, do DL nº 8.621/1946 (Senac), como tem clamado o Fisco nas suas práticas fiscalizatórias nas empresas, tomando-se o jovem-aprendiz como se típico segurado empregado obrigatório o fosse, ainda assim, o cenário aqui defendido não se alteraria.

De fato, mesmo em tal situação, a incidência das questionadas contribuições continuaria obstada pelo mesmo, e, mais acima referido DL nº 2.318/1991, que, sob tal contexto, assumiria não mais uma norma meramente reforçadora de "não-incidência", mas, sim, a de uma norma estruturante, então, de uma nítida "isenção tributária", ou seja, de ruptura de incidência, já, que, agora, nessa situação, como norma de natureza especial no trato da questão do jovem aprendiz, também por aí teria sido validamente recepcionada, como fartamente demonstrado, pela CF/1988.

A mensagem constitucional, neste tema, é clara. As relações tributárias hão de se pautar na adequada hermenêutica da lei, que com a Constituição se entrelaçará, donde há de se concluir pela ilegitimidade das normas de regência, da RFB e do INSS, diante da pretensão de contribuições sociais sobre remuneração do jovem aprendiz, nos limites aqui expostos.

 


[1] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

[2] Poderiam ser, no máximo, considerados como segurados facultativos, alheios à tal tributação, conforme: (1) o art. 14, da Lei nº 8.212/1991: "Art. 14. É segurado facultativo o maior de 14 (quatorze) anos de idade que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, mediante contribuição, na forma do art. 21, desde que não incluído nas disposições do art. 12", e, (2) o art. 13, da Lei nº 8.213/1991: "Art. 13. É segurado facultativo o maior de 14 (quatorze) anos que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, mediante contribuição, desde que não incluído nas disposições do art. 11".

Autores

  • é advogado especialista em direito tributário, consultor jurídico, sócio-fundador de Alves Feitosa Advogados Associados, ex-juiz do TIT-SP (1988 a 2015) e conselheiro no Conselho de Contribuintes/Carf (1987 a 2004).

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