Opinião

Novo marco legal das parcerias tecnológicas da saúde

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  • Guillermo Glassman

    é dvogado doutor em Direito Público (PUC-SP) MBA (Insper) mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie) especialista em Direito Administrativo (Cogeae) certificado em Contratos de Infraestrutura (FGV) autor de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo de Medicamentos (Thoth 2021).

14 de julho de 2022, 16h06

Garantir assistência farmacêutica integral para todos os cidadãos de um país com a dimensão, a diversidade demográfica e as diferenças socioeconômicas do Brasil é um dos maiores desafios enfrentados pelo Sistema Único de Saúde. A questão é agravada pelo ritmo de inovação característico da indústria da farmacêutica, cujo reflexo é o surgimento de tratamentos cada vez mais complexos e, também, mais caros. Compete ao Estado, então, assegurar o abastecimento do SUS em períodos de normalidade e, especialmente, em momentos de adversidades graves: as lições da pandemia de Covid-19 indicam que a capacidade tecnológica nacional é fundamental para controlar os impactos de crises sanitárias sobre a população e a economia de um país.

No Brasil, o Complexo Econômico e Industrial da Saúde (Ceis) tem sofrido importantes reflexos da reorganização mundial de operações produtivas que busca o aproveitamento de vantagens competitivas por meio da realocação de investimentos no contexto global. Isso se verifica na migração de produtores para regiões do mundo com maior incentivo fiscal, oferta mais abundante de mão de obra qualificada e melhor estrutura logística. Com isso, aumenta a dependência brasileira em face da produção estrangeira de medicamentos e, especialmente, de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFA ou princípios ativos).

É por isso que vem em muito boa hora o Projeto de Lei n° 1.505 (PL n° 1.505/22), publicado no último dia 07 de junho no Diário do Senado Federal. De autoria do senador Eduardo Gomes, o PL busca resgatar e conferir estatura legal a mecanismos de estímulo ao desenvolvimento do Ceis que existiam apenas em âmbito ministerial (com previsão em portarias e no Decreto n° 9.245/2017). O status infralegal conferido atualmente a essas iniciativas retira-lhes o caráter de política de Estado, colocando em risco sua continuidade e deixando-as à mercê da simpatia dos governos de ocasião.

Dentre os aspectos que merecem destaque no PL n° 1.505 está a maior segurança jurídica conferida às Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo de Medicamentos (PDP). As PDP permitem a transferência de tecnologia, a baixo custo, da indústria privada para laboratórios públicos. Isso é possível com o emprego do poder de compra do Estado, que garante ganho de escala produtiva enquanto os parceiros público e privado operacionalizam a parceria tecnológica (que deve terminar com a independência produtiva do laboratório governamental).

Dada a ausência de previsão legal expressa, as PDP valeram-se, desde o início (em 2009), de um mix de institutos tradicionais (como contrato administrativo e convênio) para ter viabilidade jurídica. Entretanto, as inovações trazidas pelo modelo, sem corresponde legal específico, deram ensejo a perplexidades no âmbito dos órgãos de controle e da comunidade de operadores do direito, causando insegurança jurídica para investidores privados e para gestores públicos. O PL n° 1.505 dá resposta a essas questões, tornando mais claras as obrigações entre os parceiros, definindo parâmetros mínimos para a avaliação do sucesso da parceria, garantindo o respeito aos preços acordados e prevendo hipóteses e mecanismos de reequilíbrio econômico-financeiro, por exemplo.

Os avanços no campo das PDP representam apenas uma das facetas positivas do PL n° 1.505. O projeto, que apenas inicia sua tramitação, certamente sofrerá melhorias propostas pela sociedade civil, mas é possível afirmar, desde já, que ele representa uma chance concreta de elevar o patamar de segurança jurídica das parcerias tecnológicas no campo da saúde. O PL n° 1.505 merece, portanto, a máxima atenção da indústria farmacêutica e das diferentes esferas de governo porque representa um novo horizonte para investimentos públicos e privados no Complexo Econômico e Industrial da Saúde brasileiro.

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