Opinião

Discricionariedade na escolha dos índices de reajuste de contratos administrativos

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13 de julho de 2022, 18h07

O reajustamento dos contratos administrativos é uma necessidade no Brasil. Trata-se de uma forma de atualizar os valores do contrato para refletir a variação efetiva dos custos e tornar justa a remuneração do contratado, algo necessário para a própria continuidade do ajuste.

A inflação, tão comum no país, é um risco ordinário [1] assumido pelo contratado e que apenas permite a atualização do contrato após o decurso do prazo legal (a cada um ano). Assim, o próprio edital já estabelece quais critérios serão adotados para reequilibrar o contrato em face da elevação dos custos dos insumos vinculados ao seu objeto.

Todo reajuste contratual, para ser realmente justo, deve refletir a efetiva variação dos custos, no entanto, existem diversos índices que podem ser aplicados para a medição da inflação. Alguns podem ser mais vantajosos para a administração e outros para o contratado, o que torna importante uma análise pormenorizada dos resultados práticos de cada opção.

Durante a pandemia da Covid-19, por exemplo, o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) sofreu forte alta em 2021, superando o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Com isso, nos contratos de locação de bens imóveis firmados pela Administração Pública, tornou-se mais vantajoso aplicar o IPCA nos reajustes e alguns lugares passaram a aplicá-lo como regra [2].

É nesse contexto que surge o ponto a ser explorado: existe discricionariedade na escolha dos índices por parte da administração pública?

O artigo 40, XI, da Lei nº 8.666/1993 estabelece que o edital deve prever o critério de reajuste contratual, devendo retratar a variação efetiva do custo de produção, "admitida a adoção de índices específicos ou setoriais". O mesmo está previsto no artigo 6º, LVIII, da Lei nº 14.133/2021.

A lei, portanto, não estabelece qual índice deve ser utilizado, desde que a escolha permita retratar a efetiva variação dos custos. Esse é o principal ponto que deve nortear a escolha. Ao admitir a adoção de índices específicos ou setoriais, a lei não criou uma exceção, mas quis justamente reforçar a necessidade de que a variação dos custos seja realmente abarcada pelo reajuste.

Dessa forma, o principal limite à discricionariedade na escolha de um índice é a capacidade de ele refletir a real elevação dos custos daqueles insumos vinculados ao objeto contratual. Com isso, a adoção de índices gerais em substituição aos índices específicos ou setoriais não faria sentido pela própria metodologia utilizada em cada um deles.

No caso da construção civil, o Índice Nacional de Construção Civil (INCC), que coleta os preços de materiais, equipamentos, mão de obra e ferramentas do setor, é o índice que tem maior capacidade de refletir a efetiva variação do custo de produção. Já para obras rodoviárias, existe um índice específico levantado e publicado pelo Dnit em parceria com a FGV no âmbito do Sicro, levando em conta as especificidades dessas obras e de seus insumos.

O IPCA, por outro lado, é estabelecido por meio de pesquisas de preços pagos no varejo pelo consumidor final, refletindo o custo de vida médio das famílias com renda mensal entre um e 40 salários-mínimos. Ele, ao lado do IGP-M, constitui um índice geral.

Para contratos de locação de imóveis, tanto o IPCA quanto o IGP-M podem ser utilizados, uma vez que não há índice específico no caso. Existe discricionariedade na opção, desde que se busque o índice que reflita da melhor forma possível a variação.

Porém, o mesmo não pode ser dito acerca da construção civil e das obras rodoviárias, como visto. Nestes casos, a existência de índices específicos ou setoriais, cuja metodologia permite uma melhor avaliação da variação dos preços, acaba por limitar a margem de discricionariedade administrativa.

Exatamente por esse motivo, o Tribunal de Contas da União já afirmou ser preferível, sempre que possível, a aplicação de índices setoriais específicos [3]. Por conta disso, não há espaço de discricionariedade ao administrador no estabelecimento do critério de reajuste, uma vez que o índice deve retratar a variação efetiva do custo de produção [4].

A conclusão é: a margem de discricionariedade na escolha do índice de reajuste de um contrato administrativo somente existe na medida em que o índice escolhido seja o mais capaz de refletir a efetiva variação dos custos dos insumos relacionados ao objeto contratual. Havendo índice setorial ou específico, ele deve ser aplicado para que o contrato seja atualizado corretamente.

Por fim, ressalte-se que, na busca pela variação efetiva dos custos, o artigo 25, §7º, da Lei nº 14.133/2021 prevê até mesmo a possibilidade de utilização de mais de um índice específico ou setorial, em conformidade com a realidade de mercado.

 


[1] Como já definiu o STJ: REsp n. 744.446/DF, relator ministro Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 17/4/2008, DJe de 5/5/2008.

[2] É o caso do estado de Mato Grosso, que por meio da Resolução nº 01/2021-Condes passou a aplicar o IPCA como índice a ser utilizado para o reajuste de contratos de locação de bens imóveis celebrados a partir de 10 de julho de 2021.

[3] TCU, Acórdão 2474/2012-Plenário, min. rel. Marcos Bemquerer Costa, j. 11/9/2012.

[4] TCU, Acórdão 36/2008 – Plenário, min. rel. Raimundo Carneiro, j. 23/1/2008.

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