Opinião

Crime de descumprimento de medida protetiva de urgência

Autor

  • Teilor Santana da Silva

    é promotor de Justiça membro do Ministério Público do Estado do Paraná professor de Direito Penal e de Direito da Infância e da Juventude e especialista em Direito Processual Penal.

12 de julho de 2022, 15h04

A Lei 14.344/2022, também conhecida como "Lei Henry Borel", introduziu no ordenamento jurídico nacional o crime de descumprimento de medida protetiva de urgência concedida a criança ou adolescente em situação de violência doméstica e familiar. Destaca-se que o tipo penal repete a redação do artigo 24-A da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), também destinada a tutela de grupo vulnerável (no caso, mulheres em situação de violência doméstica e familiar).

Em termos doutrinários, inclusive considerando o que há de consolidado em relação ao tipo do artigo 24-A da Lei Maria da Penha, o crime do artigo 25 da Lei Henry Borel pode ser classificado do seguinte modo: (a) próprio, visto que somente poderá ser cometido por quem tem o dever de obediência às medidas protetivas de urgência concedidas; (b) formal ou de consumação antecipada, tendo em vista que se consuma com a prática da conduta, independente da produção de qualquer resultado naturalístico; (c) de dano, causando lesão à administração da justiça; (d) de forma livre, podendo ser executado por qualquer meio; (e) comissivo ou omissivo impróprio; (f) pluriofensivo, haja vista que atinge dois bens jurídicos distintos, consistentes na administração da justiça e na integridade psicológica da parte ofendida.

Justamente por essa última classificação — o fato de ser um crime pluriofensivo — que se verifica a necessidade de analisar os reflexos de eventual "consentimento do ofendido", bem como se, no caso concreto, poderá ser considerado válido.

Assim, em primeiro lugar, nota-se que o crime é punido exclusivamente a título de dolo (direto ou eventual), de modo que o aspecto volitivo deve abranger todos os elementos do tipo penal: consciência de que a medida protetiva de urgência foi deferida, o que se verifica por meio da intimação do suposto agressor; e que a medida se encontrava em vigor no momento da conduta, não havendo notícia da sua revogação, havendo vontade de descumprir.

No entanto, em casos relativos ao crime do artigo 24-A da Lei Maria da Penha (que, como mencionado acima, tem a mesma estrutura típica do artigo 25 da Lei Henry Borel), tem-se discutido os reflexos da conduta dos sujeitos (ativo e passivo) para fins de afastar o elemento subjetivo do tipo, como em caso de reconciliação do casal sem que haja a revogação das medidas em juízo. Neste ponto, parcela da doutrina refere que poderá ser aquilatada a ocorrência de erro de tipo (artigo 20 do Código Penal), excluindo-se o dolo e a culpa (se invencível); ou apenas o dolo (se vencível), porém não havendo a previsão legal do crime na modalidade culposa.

Mutatis mutandis, a mesma lógica poderá ser avaliada em sede de violência doméstica e familiar contra criança e adolescente. Em tais casos, contudo, sugere-se que a postura dos atores processuais seja dosada, exemplificativamente, com base nos seguintes pontos: (a) princípios da prioridade absoluta e da proteção integral; (b) se houve, ou não, acompanhamento da situação pela rede de proteção; (c) se a situação de risco inicial permaneceu ou se agravou com a conduta; (d) os motivos concretos — e não apriorísticos — que levaram ao descumprimento da medida, analisando-se a possibilidade de incidir – ou não – eventual erro de tipo, salientando-se que a "capacidade de consentir" dos infantes deve ser apreciada com parcimônia, podendo-se utilizar, analogicamente, o parâmetro consolidado para fins de crimes sexuais — 14 anos de idade.

Autores

  • é promotor de Justiça, membro do Ministério Público do Estado do Paraná, professor de Direito Penal e de Direito da Infância e da Juventude e especialista em Direito Processual Penal.

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