Opinião

Colaboração premiada: e se a pena pactuada for pior que a sentença?

Autores

  • Tracy Reinaldet

    é doutor em Direito Penal e Ciências Criminais pela Université Toulouse 1 Capitole em co-tutela com a Universidade Federal do Paraná e foi convidado para atuar como representante do Brasil no Comitê Permanente da América Latina para a Prevenção do Crime (Coplad) ligado ao Conselho Econômico e Social da ONU.

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  • Matteus Macedo

    é advogado mestrando pelo IDP e especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP).

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  • Lucas Fischer

10 de julho de 2022, 12h14

Como é cediço, a Lei nº 12.850/13, em seus artigos 4º e 5º, estabelece inúmeros benefícios aos investigados/acusados que firmaram acordo de colaboração premiada com o ministério público. Nesse sentido, a depender do momento em que o pacto de cooperação for celebrado, o colaborador poderá ter sua pena privativa de liberdade reduzida em até 2/3, existindo, inclusive, a possibilidade da concessão de perdão judicial.

Todavia, com o gradual desenvolvimento do instituto da colaboração premiada, passou-se a rejeitar as propostas genéricas de redução de pena, conforme estabelece a Lei, sendo que os acordos de colaboração premiada passaram a dispor penas específicas e concretas ao colaborador [1]. Dessa forma, a dosimetria da pena dos colaboradores passou a ser realizada de maneira sui generis, eis que, em relação a esta "nova" categoria de acusados, os magistrados passaram a adotar diligências que não são tomadas em se tratando dos réus não cooperantes.

Assim, na prática, tornou-se comum, principalmente nos processos da operação "lava jato", que o magistrado realize duas dosimetrias da pena, referentes à condenação de réu colaborador. Em um primeiro momento, faz-se a dosimetria da pena de acordo com o método trifásico, ignorando-se o fato de que o acusado é cooperador. Aqui, geralmente são cominadas penas mais severas. Em um segundo momento, as sanções da dosimetria da pena "comum" são substituídas pelas reprimendas previstas no acordo de colaboração. Aqui, geralmente, são cominadas penas mais brandas [2].

Ocorre que, com o advento desta dupla fase de dosimetria da pena, surgiu um problema: o que fazer quando a sanção que seria fixada ao colaborador, caso ele não tivesse cooperado com a justiça, é mais branda do que a reprimenda prevista em sua avença de cooperação?

Para responder a essa pergunta, faz-se necessária a análise daquilo que restou decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no bojo do Recurso Especial nº 192.870-5/RS. Vejamos.

Naqueles autos de Recurso Especial, narrou-se que, ao realizar a dosimetria da pena de réu colaborador — através do critério trifásico  o Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR impôs ao referido acusado uma pena de três anos de reclusão, substituindo-a por duas restritivas de direitos. Ocorre que, tendo em vista a "existência de acordo de colaboração premiada", o Magistrado "substituiu a pena fixada pela pena de cinco anos em regime aberto", sendo que referido dispositivo da sentença foi mantido em sede recursal pelo TRF-4. 

Irresignada, a Defensoria Pública da União, representando o réu colaborador, interpôs Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça, apontando que a fixação da pena de cinco anos em regime aberto, prevista no acordo de colaboração, resultou mais grave do que aquela da sentença, o que violava os artigos 33, §3º, e 59 do Código Penal. Em síntese, sem o acordo de colaboração, o réu teria sido condenado à três anos de reclusão, com o acordo, ele restou condenado à pena de cinco anos.  

Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a violação aos artigos 33, §3º, e 59 do Código Penal e deu provimento ao Recurso Especial interposto pela Defensoria Pública da União. Em seu julgamento, a Corte Superior asseverou que, caso não tivesse celebrado acordo de colaboração, o colaborador seria sentenciado à uma pena menor (três anos) do que aquela que lhe foi aplicada em razão de seu pacto de cooperação (cinco anos). Logo, o acordo de colaboração, ao invés de ser um benefício para o cooperante, revelou-se verdadeiro malefício, razão pela qual o Tribunal da Cidadania afastou a pena prevista no pacto de cooperação (cinco anos) e aplicou ao colaborador a reprimenda da sentença (três anos), obtida através do critério trifásico.

Ou seja, de acordo com aquilo que restou decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, o acordo de colaboração premiada deve ser um "benefício" ao réu que contribui com a Justiça e não um "malefício", razão pela qual a sentença mais benéfica deve se impor sobre os dispositivos do pacto de cooperação.

Em conclusão, na mesma linha do Superior Tribunal de Justiça, entendemos que as penas previstas no bojo do acordo de colaboração premiada não devem ser aplicadas quando forem piores do que a sanção pela qual o colaborador seria condenado, caso não tivesse firmado pacto de cooperação com o Parquet. E isto porque, por óbvio, a avença não pode ser um malefício ao réu que cooperou com a Justiça.


[1] MENDONÇA, Andrey Borges de. Os benefícios possíveis na colaboração premiada. In: MOURA, Maria Thereza de Assis; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (Coord.). Colaboração premiada. São Paulo: RT, 2018, p. 89-90.

[2] VASCONCELLOS, Vinicius G. Colaboração premiada no processo penal. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020. Não paginado.

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  • é doutor em Direito Penal e Ciências Criminais pela Université Toulouse 1 Capitole, em co-tutela com a Universidade Federal do Paraná, e foi convidado para atuar como representante do Brasil no Comitê Permanente da América Latina para a Prevenção do Crime (Coplad), ligado ao Conselho Econômico e Social da ONU.

  • é advogado, mestrando pelo IDP e especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP).

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