Opinião

AP sem trânsito em julgado não implica a exclusão de candidato de concurso

Autor

  • Leonardo Estephan

    é formado pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) advogado e criador do perfil @stfemfoco em todas as redes sociais.

5 de julho de 2022, 18h18

O maior medo de alguém que dedica sua vida ao estudo para concurso público é, talvez, ser eliminado em uma investigação social, aquela feita sobre os antecedentes criminais e sociais do candidato que já se encontra praticamente aprovado.

Nem tanto porque tenha feito ou deixado de fazer algo que fosse considerado eliminatório por uma banca de concurso, muito mais porque tal investigação foge do controle do candidato, que já tem que lidar incessantemente com a incerteza da aprovação.

Não pretendemos discorrer aqui sobre a filosofia da aprovação de concurso público, mas da jurisprudência do STF, que, na semana passada, esteve sob polêmica nas redes sociais.

Eis que, no dia 28 de junho de 2022, a 1ª Turma do STF manteve uma decisão da ministra Cármen Lúcia proferida em 2021, ocasião em que ela negou seguimento à RCL 48.908, ajuizada por um ex-inspetor de polícia do Rio de Janeiro, que pedia sua recondução ao cargo do qual fora excluído por ter sido condenado pelo crime de extorsão, por decisão sem trânsito em julgado.

Como o STF, nesse caso, manteve a exclusão do candidato dos quadros públicos da Polícia Civil do Rio de Janeiro, surgiu uma polêmica no sentido de que a Corte teria mudado seu entendimento fixado quando julgou o tema 22 de sua repercussão geral, mais precisamente o Recurso Extraordinário 560.900.

Vamos entender qual a jurisprudência do STF, para depois vermos a decisão desta semana da 1ª Turma.

Para se iniciar a explicação, é preciso responder a seguinte pergunta: candidato a concurso público que é investigado criminalmente ou é réu em ação penal sem o trânsito em julgado pode ser excluído de um concurso público?

Em regra, não. Em fevereiro de 2020, ao julgar o tema 22 (RE 560.900), por maioria, os ministros do STF, reunidos em Plenário, decidiram que “a simples existência de inquéritos e processos criminais em curso não autoriza a eliminação de candidatos em concursos públicos”, em respeito aos princípios constitucionais da presunção de inocência e da proporcionalidade.

Existem exceções, todavia.

Quando, então, um candidato pode ser excluído de um concurso público?

Segundo definiu o STF, no julgamento do tema 22 de sua repercussão geral (RE 560.900), em fevereiro de 2020, é possível tal exclusão, desde que o candidato tenha sido condenado por decisão transitada em julgado ou por um órgão colegiado (ex.: um Tribunal de 2ª instância), ainda que sem o trânsito em julgado.

Cumulativamente a essa decisão, é preciso que o crime pelo qual o candidato foi condenado seja incompatível com a função que deseja exercer ao ser nomeado no concurso público.

Segundo também decidiu o STF nesse mesmo julgamento, a própria lei pode instituir requisitos rigorosos para certas funções, tais como de policiais, magistrados, membros do ministério público etc, desde que respeitados os princípios acima mencionados.

E qual a fundamentação para esses dois requisitos cumulativos (condenação + pertinência)?

Como existe uma lacuna jurídica sobre essa regra na Constituição Federal, no julgamento do tema 22/RG (RE 560.900), os ministros, seguindo o ministro Barroso, buscaram o seu preenchimento pelas regras contidas em outras leis.

Para tanto, valeram-se do artigo 1º, I, "e", a Lei da Ficha Limpa, pelo qual se considera inelegível um candidato que tenha sido condenado por sentença transitada em julgado, ou, ainda que não tenha transitado em julgado, que tenha sido proferida por um órgão colegiado. Cumulativamente, os ministros do STF colmataram a lacuna valendo-se da analogia no artigo 92 do Código Penal, que determina que precisa existir uma certa relação de pertinência entre o crime praticado e a função exercida, para que haja a perda do cargo ou função de quem foi condenado.

Mas muito cuidado: essa hipóteses de exclusão precisam estar previstas em lei e no edital!

Em resumo: é possível a exclusão de candidato de concurso público que tenha sido condenado por decisão com trânsito em julgado, ou sem ele, mas proferida por um órgão colegiado, por crime que seja incompatível com o exercício da função, desde que prevista a exclusão em lei e no edital.

Visto qual o entendimento do STF a respeito da possibilidade, ou não, de se excluir um candidato de um concurso público, vamos ao caso concreto julgado pela 1ª Turma do STF no dia 28 de junho de 2022.

Fulano foi aprovado em concurso público de inspetor da Polícia Civil do Rio de Janeiro e tomou posse em 2014, porém com contraindicação do setor de investigação pessoal, pois o candidato havia sido condenado pela 2ª instância do TJ-BA pelo crime de extorsão.

Já no exercício da função de inspetor, Fulano foi excluído dos quadros públicos da Polícia Civil do Rio de Janeiro, com amparo na lei estadual 3586/2001, que rege as carreiras policiais cariocas, bem como no edital que previa essa hipótese de exclusão do candidato.

Em razão disso, em 2015, Fulano ajuizou ação no juizado especial da fazenda pública do Rio de Janeiro e pediu que houvesse sua recondução ao cargo, o que foi negado em 1ª instância, na Turma Recursal e também no TJ-RJ.

Inconformado, interpôs recurso extraordinário no STF, mas não foi reconhecida a repercussão geral pelo presidente do TJ-RJ, por só haver questão constitucional reflexa.

Note-se que não foi mencionado o julgamento do tema 22/RG em nenhuma decisão do TJ-RJ, porque ele ainda não tinha sido analisado pelo Plenário do STF, o que só ocorreu, como dito, em fevereiro de 2020.

Depois que o STF julgou o RE 560.900 (tema 22/RG), Fulano ajuizou a RCL 48.908 e alegou também que havia sido extinta a sua punibilidade do crime de extorsão em razão do reconhecimento da prescrição pelo TJ-BA, mas Cármen Lúcia negou-lhe seguimento, pelo fato de as decisões de improcedência do pedido e não conhecimento do seu Recurso Extraordinário pelo TJ-RJ não terem se fundamentado no tema 22/RG do STF (RE 560.900), logo o acórdão impugnado não teria violado a jurisprudência do STF.

Foi, então, no dia 28 de junho de 2022, que a 1ª Turma manteve a decisão monocrática da ministra Cármen Lúcia e, por unanimidade, negou seguimento à Reclamação, sem analisar o mérito.

Embora não tenha analisado o mérito, o ministro Barroso, ao acompanhar a relatora, mencionou expressamente que o caso se encaixaria perfeitamente no acórdão vencedor do julgamento do RE 560.900 (tema 22/RG).

E, de fato, o caso de Fulano preencheu todos os requisitos definidos no RE 560.900 (tema 22/RG) para exclusão de candidato em concurso público?

Sim, depois de investigarmos o caso concreto, é preciso concordar com o ministro Barroso.

Isso porque, como vimos, existia previsão na lei estadual 3.586/2001, que rege as carreiras policiais do Rio de Janeiro, no sentido de que poderia haver investigação social eliminatória para os cargos de polícia. Ainda, no edital do concurso para o cargo de inspetor prestado por Fulano também estava prevista essa hipótese de eliminação. Além disso, Fulano, antes de ser nomeado inspetor, já tinha condenação pelo crime de extorsão pela 2ª instância do TJ-BA. Por fim, o crime de extorsão é incompatível com o cargo de inspetor da polícia civil, que é criado justamente para repreender, além de outros tantos crimes, esse delito tão gravemente previsto no Código Penal.

Assim, há previsão legal de requisito eliminatório para o provimento em cargos de inspetores de polícia do Rio de Janeiro, havia previsão de exclusão do candidato no edital do concurso prestado por Fulano, que já tinha condenação por órgão colegiado pelo crime de extorsão, delito esse que, segundo a jurisprudência do STF, é incompatível com a função de inspetor de polícia.

Importante mencionar que esse tema não é estanque de críticas a respeito do princípio da presunção de inocência e até do atual entendimento do STF no sentido de violar o princípio da presunção de inocência o cumprimento de qualquer pena antes do trânsito em julgado do processo.

Entretanto, muito mais importante é ter cuidado para não se entender que o julgamento da RCL 48.908 não significou uma superação do que foi julgado no RE 560.900 (tema 22/RG), ao contrário, continua sendo o entendimento prevalecente no STF o de que, em regra, "a simples existência de inquéritos e processos criminais em curso não autoriza a eliminação de candidatos em concursos públicos".

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