Opinião

A possibilidade de tutela provisória antecedente recursal na apelação

Autores

  • Rodrigo Nery

    é doutorando e mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) (com ênfase em Direito Processual Civil) pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Baiana de Direito pesquisador do Grupo de Pesquisa CNPq/UnB Processo Civil Acesso à Justiça e Tutela dos Direitos membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC) integrante e orador da primeira equipe da UnB na 1ª Competição Brasileira de Processo (CBP) e advogado.

  • Paulo Portuguez

    é advogado com atuação especializada nas áreas de Direito Bancário e Direito Administrativo Sancionador. Sócio do Jantalia Advogados.

30 de janeiro de 2022, 7h12

Como é de conhecimento geral, a eficácia das decisões não necessariamente se encontra atrelada ou vinculada ao trânsito em julgado do processo. Talvez por isso, a regra geral disposta no CPC é a de que os recursos não devem dispor do efeito suspensivo como carcterística natural (artigo 995 do CPC), mas somente quando exista disposição legal a esse respeito ou eventual decisão judicial que venha a estabelecê-la, nas hipóteses em que presentes os pressupostos indicados no artigo 995, parágrafo único, do CPC.

Tais requisitos são replicados ao longo do diploma processual quando o assunto é a possibilidade de concessão de efeito suspensivo aos recursos via decisão judicial (vide artigos 1.012, §4º, e 1.026, §1º). Não por acaso, muito se assemelham àqueles exigidos para concessão de tutelas provisórias (artigo 300, do CPC), o que nos faz concluir desde logo que o efeito suspensivo recursal, em alguma medida, faz as vezes de tutela provisória recursal, podendo ser concedido de maneira antecedente ou incidental. De fato, a tutela provisória recursal é um gênero no qual se insere a espécie "efeito suspensivo" recursal.

Tratando especificamente do recurso de apelação, não é incomum que no curso regular de um processo se tenha a necessidade de suspender de forma imediata os efeitos de uma sentença, isso quando se trata das hipóteses em que a possibilidade de interposição não impede a sua produção de efeitos (artigo 1.012, §1º e 2º, do CPC, por exemplo) [1].

A necessidade de impedir que uma decisão surta efeitos no mundo da vida, em diversas situações, pode surgir imediatamente após ser proferida a sentença, até mesmo no próprio dia em que a decisão é proferida (disponibilizada no "sistema" ou no processo físico), isso quando se observa, por exemplo, que na decisão teria sido concedida uma tutela provisória, a possibilitar a produção imediata de efeitos por parte do pronunciamento jurisdicional (artigo 1.012, §1º, V, do CPC).

Para as hipóteses listadas no artigo 1.012, §1º, o legislador processual ofereceu o remédio de se intentar o efeito suspensivo diretamente no tribunal local, mediante a mencionada tutela provisória recursal (gênero no qual se insere o chamado efeito suspensivo [2]), contudo, sem regulamentar um ponto de extrema importância, conforme se observa a seguir.

É que, se analisado isoladamente, o artigo 1.012, §3º, do CPC poderia (equivocadamente) sugerir que a formulação do pedido de tutela provisória ao tribunal somente poderia ser realizada a partir da interposição do recurso de apelação. O artigo é expresso ao estabelecer que o pedido de concessão de efeito suspensivo (ou de tutela provisória) poderá ser formulado por requerimento dirigido ao "tribunal, no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-la". Se analisarmos o nosso código processual, perceberemos que não há outro trecho que trate da questão estritamente à luz do recurso de apelação, mas somente na forma que se viu estabelecida na passagem acima transcrita.

É nesse ponto que surge o problema.

Como dito, há casos em que a urgência é contemporânea até mesmo ao proferimento da sentença, e não há como ignorar o fato de que há a necessidade de haver um meio adequado para possibilitar uma tutela de direitos tempestiva a essas situações, na hipótese de estarem presentes os requisitos para se obter o efeito suspensivo da apelação.

A considerar que a pretensão suspensiva se manifesta por meio de tutela provisória recursal antecedente, o próprio artigo 303 do CPC parece projetar a utilização da técnica antecedente para o cenário em que "a urgência for contemporânea" ao ato processual nuclear e que se visa a praticar em sequência. Nos parece ser justamente essa a situação em questão, pois a urgência é iminente e não pode esperar a inteporsição da apelação para ser analisada ou apreciada. Nesse sentido, seria mais fácil se o CPC tivesse previsto expressamente a possibilidade de pedido de tutela provisória recursal a ser protocolado antes da interposição do recurso de apelação, de modo a resguardar situações de extrema urgência que até mesmo impossibilitam a elaboração de apelação a tempo. Como dito, porém, não há previsão expressa dessa possibilidade, ainda que haja menção expressa ao fato de que a tutela provisória pode ser concedida pelo tribunal no bojo de recursos (artigo 299, parágrafo único, do CPC).

Esse problema, contudo, parece ter sido resolvido pela doutrina brasileira, valendo menção aqui à obra de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, autores que defendem uma interpretação extensiva do CPC, aplicando dispositivo atinente ao recurso especial e extraordinário (artigo 1.029, §5º, I, do CPC) às hipóteses de interposição de recurso de apelação [3]. Vale destacar, contudo, que ainda assim o artigo mencionado pelos autores não versa sobre a possibilidade de requerer tutela provisória antes da interposição do recurso, mas apenas a partir de sua interposição. Sobre ele falaremos mais à frente.

A nosso ver, parece mais adequado compreender que, ao prever a possibilidade de tutela provisória recursal a ser concedida pelos tribunais, sem distinguir que tipo de técnica seria essa (se antecedente ou incidental), o artigo 299, parágrafo único, do CPC faz ser possível requerer em caráter antecedente ao recurso de apelação uma tutela provisória. Ou seja, antes da interposição do recurso de apelação, já poderá ser protocolado o pedido de tutela provisória recursal, que terá caráter antecedente.

Voltando ao artigo 1.029, §5º, inciso I, do CPC, há de se notar que a sua redação é fruto de alteração realizada pela Lei nº 13.256, de 2016, quando foi substituída expressão idêntica do artigo 1.012, §3º, inciso I, do CPC para consignar que seria de competência da corte ad quem a apreciação do pedido de efeito suspensivo quando formulado "no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão do recurso e sua distribuição".

Diferentemente dos recursos ditos extraordinários, a apelação não possui duplo juízo de admissibilidade. Logo, para conceber uma interpretação extensiva desse dispositivo, a permitir o requerimento de efeito suspensivo antes da interposição do recurso, a única saída é entender que a norma desse artigo estabelece que a prolação da sentença já tornaria viável a formulação do pedido de efeito suspensivo junto ao tribunal respectivo. Inclusive, ainda que o dispositivo verse sobre publicação, como se trata de um procedimento distinto, o ideal seria entender que o marco inicial da possibilidade de requerimento de tutela provisória antecedente recursal seria a partir da prolação da decisão, e não somente da publicação.

Portanto, ao menos com base nas reflexões acima, mesmo sem uma previsão expressa quanto ao momento de interposição, conclui-se ser plenamente possível, até mesmo necessária, a tutela provisória recursal em caráter antecedente no âmbito do recurso de apelação, sem óbice dos demais meios recursais nos quais essa técnica também seria cabível; a ser requerida, como o próprio nome já deixa claro, antes da interposição do recurso.

Como dissemos, essa parece ser a única interpretação adequada a respeito da referida técnica processual (vide artigos 299, parágrafo único, artigo 303, artigo 1.012, §3º, I, e artigo 1.029, §5º, I, todos do CPC), isso no que diz respeito à concretização do princípio do acesso à Justiça.

 


[1] Nas palavras de Marinoni, Arenhart e Mitidiero, "na realidade, quando se afirma que determinado recurso possui efeito suspensivo, quer se dizer que a decisão impugnada não poderá produzir efeitos senão depois de escoado o prazo recursal. Isso quer dizer que a decisão não é eficaz justamente porque suscetível de recurso" (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, Volume 2: Tutela dos direitos mediante procedimento comum. Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 525)

[2] Essa afirmação envolve tema complexo. A doutrina, por exemplo, faz distinção entre tutela provisória recursal e antecipação de tutela recursal. Também é possível ver distinções entre tutela provisória recursal e efeito suspensivo. Sobre o tema, adentrando em assunto que extrapola o âmbito de reflexão deste trabalho, Cf. ALVIM, Eduardo Arruda. Tutela provisória. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 370.

[3] DIDIER JR., Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13ª ed. reform. Salvador: Ed. Juspodivm, 2016, p. 45. Embora eles afirmem que apenas a interpretação extensiva seria voltada às ações de competência originária, inevitavelmente é feita também uma interpretação extensiva em relação ao recurso de apelação. Esses autores entendem que artigos que versam sobre o requerimento de efeito suspensivo em recursos excepcionais se aplicam às apelações.

Autores

  • é mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Baiana de Direito, bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e advogado.

  • é pós-graduado (LLM) em Direito Penal Econômico pelo IDP, graduado em Direito pela EDB/IDP, vice-presidente da Comissão de Direito Bancário da OAB-DF e sócio do escritório Jantalia Advogados.

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