Opinião

Os papéis do Supremo Tribunal Federal em 2022

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28 de janeiro de 2022, 14h43

Em relação a algumas questões, parece não haver dúvidas para o que se esperar de 2022. O tumulto e as discussões sucessórias ou a angústia no momento da Copa do Mundo seguramente têm seu lugar já preservados no debate de muitos. Institucionalmente, contudo, seria também de se dizer sobre certo relevo aguardado em relação a movimentos junto ao Supremo Tribunal Federal. E, isso, por diversas razões.

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Fundamentalmente, muitas objeções quanto ao atuar do tribunal permearam 2021, sendo que senões quanto às decisões da corte, quer em termos de um alegado ativismo judicial, quer por aparente contrariedade a algumas manifestações políticas, devem permanecer em 2022, em especial considerando as eleições no final do ano. Mas seria de se indagar, verdadeiramente: qual a direção ou o papel do STF no ano que se inicia?

O tribunal, composto por magistrados que também são agentes políticos, ganhou uma envergadura de real importância nas discussões públicas. E isso para além da dimensão jurídica. Talvez, mesmo, de destaque não exatamente desejado por um órgão do Poder Judiciário. A atuação de alguns de seus ministros pode, também, ser eventualmente criticada, mas poderia se indagar, d'outra sorte, sobre rumos a serem seguidos. Aqui, desde logo o aviso e alerta de que previsões são sempre previsões, com mais ou menos fundamento, com mistura de análise e desejo. Portanto, o grau de cientificidade evidenciado em forma de oráculo pode ser, mesmo, claudicante.

Em similar padrão que uma rosa dos ventos, existem muitas direções a serem seguidas. Muitos são, pois, os papéis a serem assumidos ou imaginados pelo Pretório Excelso. Desde logo cabe aqui a percepção de que, mesmo em um momento de mudança de sua formação, o tribunal nunca foi tão professoral. O número de seus membros dedicados também à academia, aliás, talvez justifique, em parte, tantas posições a esgrimir o Direito em um momento tão sensível ao país. Tais mudanças, enfim, quiçá sejam mesmo necessárias, ainda que à custa de sobressaltos em vários pontos. De toda forma, deve-se destacar que, goste-se ou não, a excelência dos ministros acaba por legitimar muitas das alterações postas em prática.

Mas quais seriam as direções ou os papéis que podem vir a ser assumidos pelo STF? Ora, os gregos da Antiguidade já entendiam que as primeiras formas de representar as direções estavam relacionadas aos lugares de onde viam os ventos. Assim também se pode imaginar dos pontos cardeais a orientar os próximos papéis do STF.

A política seria, provavelmente, um dos pontos originários a representar uma dessas direções. O papel político, e relativo à interpretação de atos e pautas políticas, talvez seja um dos mais significativos, até mesmo porque estará no olho do furacão das discussões de todos os foros. E aqui não se está a falar sobre tantos e tantos temas políticos voltados às eleições, filiações e atuações, pois estes estão ao encargo, a princípio, do Tribunal Superior Eleitoral. Tratar-se-ia, sim, de temas levados à consideração judicial em relação às políticas de Estado, em especial sobre o enfrentamento à pandemia. Nesse sentido, pode-se muito bem ter uma certa reprise  agudizada  do que se viu em 2020 e 2021. Nesse sentido, ao que parece, bem poderia se antever uma continuidade no papel semelhante ao que já se viu nos últimos tempos.

Também de se imaginar, em tal caldo de cultura, sobre a continuidade de atuação do tribunal no que se refere a alguns casos bastante polêmicos, como as investigações de condutas contra a democracia, como inquéritos em sede do tribunal, e que geraram prisões tão controvertidas em 2021, além de questões ligadas à definição de liberdade de expressão e fake news. E isso em um momento em que se modifica a própria Lei de Segurança Nacional. Com a proximidade das eleições, a repercussão de tais eventos poderá ser catapultada a níveis muito mais sensíveis. Em exato igual passo, será o momento da definição das investigações derivadas das conclusões da CPI sobre a pandemia. Ainda que processos de impeachment aparentemente não tenham espaço para continuidade, o impacto de tais investigações mostra-se com capacidade significativa para consumir tempo e dar direção ao STF. Mesmo com a nomeação de dois novos ministros por parte do atual governo, tais atuações devem continuar em desdobramento. A significativa diferença deve se dar, contudo, em eventuais pautas relativas aos costumes, armas ou de índole conservadora, as quais, mesmo com perfil político, poderão gerar um aumento no calor dos debates, mesmo que sem muita capacidade de alteração decisória.

Vistos política e julgamentos de temas conflituosos como expectativas que o passado oferece ao futuro, haveria o que de inovação? Observe-se que os reais novos papéis a serem assumidos pelo Supremo Tribunal, no entanto, e aqui já se está na seara do vaticínio, e não de expectativa racional, são outros. O primeiro, em uma obrigação que o tribunal virá a ter no que diz respeito à defesa da segurança jurídica de suas decisões e posicionamentos. Apesar de todas as críticas  muitas cabíveis  acerca da assunção de posições cada vez mais vinculadas ao ativismo judicial, as noções de segurança jurídica ainda são bastante caras à corte, principalmente quando a mudança de orientação do pensamento reinante é de origem externa ao Judiciário.

Deve-se lembrar que o ativismo judicial pode se mostrar com matizes bastante diversas, desde as fundadas em uma interpretação legal e constitucional criativa; uma significativa expansão do poder decisório; avanços vários de direitos e, mesmo, eventualmente avanços em competências de outros poderes, razão maior de tantas críticas. Mesmo com todo esse caudal crítico, a segurança jurídica a ser questionada talvez possa ser vista no mais paradigmático caso de agressão à mesma, percebida a decisões transitas em julgado, coisa que pode ser vista na recente reforma implementada pela PEC dos Precatórios. Caberá ao STF, em meio a todo clamor de um ano eleitoral, decidir, enfim, se o calote, superando decisões judiciais, pode ser válido como estratégia orçamentária. E os possíveis efeitos de considerações a tal respeito se mostram imprevisíveis.

Como antevisão última a imaginar as direções e os papéis a serem assumidos pelo STF, e que, em verdade, amalga-se às demais, e perfaz a presente bússola que tantos caminhos pode indicar ao STF, tem-se o comportamento próximo futuro a ser visto pela corte no momento de retomada. Sabe-se que a pandemia fez gerar uma série de novas visões de Justiça, em que o STF foi, em muito, pioneiro. E isso foi não somente necessário como fundamental para os menores impactos no funcionamento da máquina judicial. Entretanto, em um momento em que se espera esteja-se a sair da maior crise sanitária dos tempos recentes, há de se esperar uma retomada de atividades presenciais. E isso não só para que o saudável contato entre as partes e a magistratura volte a se dar, como, por igual, a magistratura em si volte a se reunir.

A inovação de alguns anos do Plenário Virtual, por onde, durante dias, percebe-se uma sucessão de votos apresentados pelos ministros julgadores  mas sem debate de viva voz entre os mesmos —, pode agilizar a Justiça, mas vicia a noção tão cara de colegialidade. A limitação dos debates não enriquece, senão apena a construção jurisprudencial. Esta nunca deveria ser individual, mas sempre coletiva, em processo de contínuo debate. Embora seja certo que, como efeito colateral do plenário virtual, venha mesmo a se notar uma saudável restrição à dimensão da TV Justiça, um acerto não justifica um erro. A colegialidade deveria, enfim, ser um dos temas mais fundamentais a serem tidos no horizonte do tribunal, justamente para a defesa estrita da democracia, como se pretende. Se isso ocorrerá não se sabe, mas deveria, sim, ser preocupação inconteste.

Há, enfim, muito a se esperar do STF. Críticas, por certo, virão, afinal, apesar de poder errar por último, a falibilidade é humana. Mas ainda é de ser visto como um fiel mais que adequado para a balança. Enquanto dois de seus membros estão a inaugurar suas posições, dois outros, ministro Lewandowski e ministra Rosa Weber, estão a se aproximar da aposentadoria, com a missão de sedimentar, em 2022, suas carreiras com a defesa das instituições e do bom Direito, como fizeram, aliás, ao longo de suas vidas. Outros ministros sedimentarão posições. Alguns outros inovarão. Mas, todos, enfim, sabedores da importância de suas missões, mesmo que controversas. E não devem falhar, pois os desafios serão muitos. De se esperar, portanto, momentos gloriosos. Complexos, sérios e conflituosos, mas, sem dúvidas, gloriosos na busca de uma Justiça melhor.

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