Improbidade em Debate

A importância das cortes de contas

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28 de janeiro de 2022, 8h00

Com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, o artigo 1º, § 8º, reza que "Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário". Observe-se que por "jurisprudência", a norma expressa deliberadamente contempla órgãos de controle, no que assumimos estar presentes os tribunais de contas.

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Por conta da distância na topografia normativa, ousamos registrar que a doutrina parece ainda ter feito uma importante associação com outro dispositivo da Lei, o artigo 21, § 1º, a asseverar que "Os atos do órgão de controle interno ou externo serão considerados pelo juiz quando tiverem servido de fundamento para a conduta do agente público". E calham duas novas observações: (1) parte integrante do sistema de controle externo, os tribunais de contas estariam abarcados e, (2) por "atos", locução genérica, estaríamos autorizados a admitir decisões, mas também relatórios de auditoria e pronunciamentos variados.

Pois bem. Fato é que, lidas em conjunto, as normas acima transcritas, à luz das observações feitas, permitiriam concluir que (1) os tribunais de contas — frise-se, parte integrante do sistema de controle externo — calibram o agir dos agentes públicos com seus atos e, (2) como parte desses atos, as decisões, ainda que não formem jurisprudência dominante, possuiriam aquele condão.

Os dois dispositivos são de fato inovadores, tanto assim que dão um passo além em relação ao artigo 24, caput, e parágrafo único, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 13.655/2018:

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"Artigo 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)"

Como se extrai da transcrição acima, as "orientações gerais" a serem ponderadas para aferição da culpabilidade do agente nas esferas administrativa, controladora ou judicial contemplam "jurisprudência judicial ou administrativa", o que é bem mais amplo que atos em geral dos órgãos de controle, ainda que não integrantes de jurisprudência pacificada.

Eis, pois, os dois motes de nosso escrito. A uma, é crível refletir sobre se a nova redação dos artigos 1º, § 8º, e 21, § 1º, da Lei nº 8.429/1992, mais moderna, não teria derrogado tacitamente o artigo 24, caput e parágrafo único, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ao menos no que concerne às imputações por improbidade administrativa — temos para nós que a resposta é afirmativa. A duas, a ser procedente a leitura que propomos, os tribunais de contas passam a desempenhar uma função (ainda mais) relevante no microssistema do direito administrativo sancionador.

No que toca especificamente ao segundo ponto alinhavado acima, nosso destaque está em que os avanços desempenhados pela reforma empreendida pela Lei nº 14.230/2021 podem acabar mitigados se, a despeito de um recrudescimento nos requisitos para apenação em improbidade, os órgãos de controle, particularmente os tribunais de contas, adotarem exatamente a postura que foi combatida pelas mudanças.

Dito de outro modo, a perseverar instrumentos como dano presumido, dolo genérico e desonestidade culposa nas esferas de controle, ainda que consistam em entendimentos pontuais, não chancelados pela jurisprudência, o que se tem é um filtro em matéria de improbidade ponto o agente a salvo das gravosas sanções da Lei nº 8.429 — artigos 1º, § 8º, e 21, § 1º —, mas um flanco que se mantém aberto noutra vereda sancionadora.

Nossa preocupação, pois, a bem da clareza, é que um descompasso entre a nova regência da improbidade e as cortes de contas resulte numa calibragem de imputabilidade em uma que não se verifique na outra.

Daí o registro: transcendendo as balizas da improbidade, as alterações impressas pela Lei nº 14.230/2021 merecem e devem ecoar para influenciar positivamente outras searas do direito sancionador, estabelecendo um saudável e bem vindo diálogo.

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