Opinião

A inconstitucionalidade da cobrança imediata do Difal

Autor

  • Calil Simão

    é jurista escritor professor autor da obra "Elementos do Sistema de Controle de Constitucionalidade” (Editora Saraiva) mestre e doutor em Direito e investigador vinculado ao Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES).

28 de janeiro de 2022, 20h21

O Supremo Tribunal Federal, por meio do julgamento da Adin n° 5.469, em conjunto com o RE n° 1.287.019 (Tema n° 1.093), declarou, corretamente, inconstitucional a cobrança do Difal na ausência de norma legal complementar regulamentadora e com base no Convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) n°93/2015; contudo, modulou os efeitos a partir de 31/12/2021, sendo, portanto, ilegal a cobrança após essa data e com base na regulamentação geral promovida pelo referido documento ou equivalentes.

O fato é que não só a cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, mas, anteriormente, a instituição do próprio tributo, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe, preliminarmente, a edição de lei complementar veiculando normas gerais.

Compete a lei complementar federal dispor sobre obrigação tributária, contribuintes, bases de cálculo/alíquotas e créditos de ICMS nas operações ou prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto.

Necessário destacar que o Supremo Tribunal Federal, ao tratar da modulação dos efeitos, definiu que as "leis estaduais" seguiriam a mesma orientação do julgado, perdendo efeito a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão do julgamento (2022), reclamando a edição de nova lei instituindo o Difal após a edição da lei complementar federal.

O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), na sua 343ª reunião extraordinária, realizada em Brasília no último dia 27 de dezembro, mais que rapidamente celebrou os Convênios ICMS n° 235 e 236, relativos ao diferencial de alíquota, estabelecendo a sua vigência a partir de 1º de janeiro de 2022.

A impossibilidade de exigência imediata do Difal, decorre dos seguintes fatos:

a) Não é possível cobrar o Difal com base em regulamentação geral prevista em convênio do Confaz;

b) O Difal, por constituir uma nova relação jurídico-tributária, deve primeiramente estar disciplinado em lei complementar federal para que possa ser instituído e cobrado pelos estados-membros e pelo Distrito Federal;

c) As leis estaduais e do Distrito Federal editadas anteriormente à edição da lei complementar federal perderam a sua eficácia a partir de 31/12/2021, reclamando nova edição normativa.

d) A legislação estadual que instituir o tributo deve observar o princípio da anterioridade anual (CF, artigo 150, III, "b") e o nonagesimal (CF, artigo 50, III, "c");

e) Caso não se exija nova instituição do imposto, deve ser aplicado, com relação a cobrança do tributo, o princípio da anterioridade anual (CF, artigo 150, III, "b") e o nonagesimal (CF, artigo 50, III, "c") a partir da relação à Lei Complementar n° 190/2022, haja vista que ela define uma nova relação jurídico-tributária.

f) A Lei Complementar n° 190/2022 não está em vigor, pois prevê um prazo de vacatio legis de 90 dias a contar de sua publicação (LC n° 190/2022, artigo 3°).  

É preciso ressaltar que a Lei Complementar n° 190/2022 sequer está em vigor, pois o artigo 3° da LC n° 190/2022 condicionou a sua vigência à observância de 90 dias, ou seja, a equivalência da regra da limitação constitucional nonagesimal prevista para a cobrança de tributos. Trata-se de uma regra de vigência normativa e não de limitação da cobrança do tributo, pois o tributo, após a definição da relação jurídico-tributária, ainda precisa ser instituído.

Importante destacar que muitos escritos estão defendendo a aplicação do princípio da anterioridade anual (CF, artigo 150, III, "b") e o nonagesimal (CF, artigo 50, III, "c") com relação à Lei Complementar n° 190/2022, contudo, a legislação complementar apenas têm competência para instruir ou majorar alguns tributos (CF, artigos 148; 154, I; 195, §4°; 153, VII), não sendo o caso do Difal, de competência estadual.

O campo normativo da legislação complementar tributária federal com relação aos tributos estaduais abrange a definição de normas gerais que disciplinem a relação jurídico-tributária (CF, artigo 146, III), incluindo as regras aplicáveis aos potenciais conflitos de competência (CF, artigo 146, I), contudo, em todos os casos, tais normas não criam os respectivos tributos.

Ocorre que, no caso em comento, as leis estaduais foram editadas na ausência de disciplina geral da relação jurídico-tributária, sendo, portanto, inconstitucionais, e, caso se acolha o entendimento conservador de preservação dessas normas (válidas, mas com eficácia suspensa), deve-se atribuir à legislação complementar federal a feição, nesse caso hipotético e específico, de norma instituidora do tributo, mesmo que indireta ou reflexa, pois, substancialmente falando, esse é o efeito jurídico decorrente dessa orientação, em observância ao princípio da "não surpresa tributária".

Autores

  • é jurista, escritor, professor, autor da obra "Improbidade Administrativa — Teoria e Prática" (Editora Mizuno), mestre e doutor em Direito e investigador vinculado ao Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES).

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