Opinião

Afinal de contas, o Direito Internacional faz diferença?

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  • Anderson Santos da Silva

    é juiz federal substituto (TRF da 1ª Região) ex-procurador da Fazenda Nacional e mestre em Direito Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB).

26 de janeiro de 2022, 12h41

Apesar do consenso acadêmico sobre a juridicidade do Direito Internacional, surgem, de tempos em tempos, alguns questionamentos sobre a sua efetiva influência sobre o comportamento dos Estados. Há pouco mais de um ano, por exemplo, durante as discussões sobre um projeto de lei no Parlamento britânico, uma parlamentar justificou as disposições claramente contrárias ao acordo de saída do Reino Unido da União Europeia ao argumento de que não é incomum que os Estados descumpram o direito internacional.

Um ponto de vista semelhante foi defendido por Jack L. Goldsmith e Eric A. Posner no livro "The Limits of International Law" [1], publicado em 2005. O objetivo declarado da obra foi oferecer, por meio da metodologia da escolha racional, uma teoria abrangente sobre o Direito Internacional a partir da integração entre o Direito e a política internacional [2].

Em síntese, os autores argumentam que os Estados atuam na sociedade internacional em busca unicamente de maximizar os seus próprios interesses, de modo que o seu comportamento pode ser satisfatoriamente explicado por quatro cenários específicos: coincidência de interesses, coordenação, cooperação e coerção [3]. O Direito Internacional, nesse sentido, seria incapaz de exercer alguma influência independente sobre o comportamento estatal, que seria determinado somente pelas configurações de interesses e pela distribuição de poder [4].

O livro recebeu severas críticas, especialmente quanto aos aspectos metodológicos. Anne Van Aaken, por exemplo, destacou que a tese se apoia em uma seleção discutível de casos, o que prejudica a sua fundamentação empírica. Além disso, Goldsmith e Posner ainda teriam recorrido a justificativas ad hoc para explicar as situações inconsistentes com a sua teoria [5].

Paul Schiff Berman também fez críticas ao que considerou uma simplificação demasiada de alguns problemas, como a própria noção de interesse estatal desenvolvida pelos autores. Segundo Berman, Goldsmith e Posner, além de desconsiderar o contexto social em que os interesses estatais são conformados, presumem que, em qualquer configuração, um Estado efetivamente tem um único e definível conjunto de interesses [6].

O curioso é que a utilização da mesma teoria da escolha racional levou Andrew Guzman a uma conclusão absolutamente diferente. Esse autor, amparado em vasta evidência empírica, desenvolveu o "modelo reputacional de observância" (reputational model of compliance), segundo o qual os Estados, ainda que motivados por interesses próprios, têm a sua conduta influenciada por sanções diretas e por danos reputacionais relacionadas ao Direito Internacional [7].

De fato, a violação de uma obrigação internacional transmite a mensagem de que o Estado violador está pronto para descumprir os seus compromissos. Logo, mesmo adotando a premissa de que o único objetivo dos Estados na esfera internacional é concretizar os seus próprios interesses, o desenvolvimento e a preservação de uma boa reputação possibilitam que os Estados extraiam maiores benefícios de suas promessas. É por isso que os sujeitos internacionais  inclusive os mais poderosos  sempre procuram afirmar e mostrar que se comportam de acordo com o Direito Internacional. Como atores movidos por racionalidade, os Estados sabem que o desrespeito às normas jurídicas estimulam o descumprimento por outros, criando, assim, o risco de degenerar a sociedade internacional em um verdadeiro caos.

Teorias como a de Goldsmith e Posner geralmente superestimam a frequência com que o desrespeito ao Direito Internacional ocorre. Esse pensamento, muitas vezes, pode ser explicado com o que os economistas comportamentais chamam de "heurística da disponibilidade". Como é mais fácil trazer à mente os casos em que as normas jurídicas internacionais são violadas, a avaliação da sua frequência acaba sendo equivocadamente afetada. O fato é que as violações ao Direito Internacional são muito raras se comparadas aos incontáveis atos que são diariamente praticados em conformidade com as normas jurídicas internacionais. Na formulação atribuída a Louis Henkin, "quase todas as nações observam quase todos os princípios de direito internacional e quase todas as suas obrigações quase todo o tempo".

Tudo isso reforça a ideia de que o Direito Internacional exerce influência independente sobre o comportamento dos Estados. Isso não quer dizer, é claro, que o Direito Internacional esteja livre da influência de forças políticas e econômicas. Mas a constatação da relevância das normas jurídicas internacionais e a compreensão da sua dinâmica podem abrir caminhos promissores na luta por avanços em matéria de direitos humanos, proteção ao meio ambiente e outros valores globais.

 


[1] GOLDSMITH, Jack L.; POSNER, Eric A. The limits of international law. New York: Oxford University Press, 2005

[2] Ibid., p. 3.

[3] Ibid, p. 10-12.

[4] Ibid., p. 13.

[5] VAN AAKEN, Anne. To do away with international law? Some limits to "the limits of international law". The European Journal of International Law, v. 17, n. 1, p. 289-308, 2006.

[6] BERMAN, Paul Schiff. Review essay: seeing beyond the limits of international law, Jack L. Goldsmith and Eric A. Posner, "the limits of international law". Texas Law Review, v. 84, p. 1265-1306, 2006, p. 1266-1268.

[7] GUZMAN, Andrew T. A compliance-based theory of international law. California Law Review, v. 90, n. 6, p. 1823-1888, 2002.

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