Opinião

Como fica a situação de Robinho no Brasil

Autor

  • César Dario Mariano da Silva

    é procurador de Justiça (MP-SP) mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP) especialista em Direito Penal (ESMP-SP) professor e palestrante autor de diversas obras jurídicas dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal Manual de Direito Penal Lei de Drogas Comentada Estatuto do Desarmamento Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade publicadas pela Editora Juruá.

25 de janeiro de 2022, 14h32

Repercutiu em todo o mundo a condenação do ex-jogador de futebol Robinho por crime de estupro coletivo cometido na Itália. A sentença transitou em julgado e, por isso, não cabe mais recurso, podendo ser executada (expedição de mandado de prisão).

O jogador foi condenado a nove anos de reclusão por estupro de vulnerável, posto que a mulher se encontrava fora de si, totalmente embriagada, sem condições de oferecer resistência e dar seu consentimento para o ato sexual. A conduta é criminosa tanto no Brasil quanto na Itália. A pena no Brasil é de oito a 15 anos de reclusão (artigo 217-A, § 1º, do CP), patamares maiores do que da legislação Italiana, que é de seis a 12 anos (artigo 609-bis do Código Penal Italiano).

No Brasil, o crime é considerado hediondo e, portanto, há severas consequências para quem o praticar. Pela quantidade da pena aplicada e natureza do delito, deve ser cumprida em regime inicial fechado e o condenado só terá direito a progressão de regime após o cumprimento de 40% (primário) e livramento condicional com o resgate de dois terços da reprimenda, desde que o mérito recomende os benefícios.

E como fica a situação dele no Brasil? Poderá aqui cumprir a pena?

A resposta é positiva, como veremos, muito embora o trâmite seja complicado e provavelmente moroso.

A sentença penal estrangeira, independentemente de qualquer condição, produz alguns efeitos no Brasil, dentre eles a reincidência (artigo 63, do CP) e a detração penal (artigo 42, do CP).

No entanto, como regra, a sentença penal estrangeira não tem eficácia no Brasil, não podendo aqui ser executada. Isso para que possa ser preservada a soberania nacional.

O artigo 9º do Código Penal traz duas exceções, mas nada diz sobre a execução de pena privativa de liberdade oriunda de sentença penal condenatória prolatada no exterior. A regra dispõe que a sentença estrangeira será homologada quando produzir no caso concreto as mesmas consequências que a lei brasileira lhe atribui para:

a) obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis. No caso de ser possível a execução da sentença penal condenatória estrangeira no juízo cível, poder-se-á homologá-la para esse fim no Brasil. Essa homologação dependerá de pedido da parte interessada;

b) sujeitar o sentenciado à medida de segurança. Imposta a medida de segurança no país estrangeiro, sendo ela idêntica à estatuída pela nossa legislação penal (artigo 96, do CP), e havendo tratado de extradição ou, na falta deste, de requisição do Ministro da Justiça, poderá ser executada no Brasil.

Malgrado não existir previsão no Código Penal, é possível que o condenado no exterior à pena privativa de liberdade cumpra a pena no território brasileiro. É o que preceitua a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017. Para tanto, devem estar presentes os seguintes requisitos: I – o condenado em território estrangeiro for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no Brasil; II – a sentença tiver transitado em julgado; III – a duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, um ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação; IV – o fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambas as partes; e V – houver tratado ou promessa de reciprocidade (artigo 100).

O Brasil ainda não possui esse tipo de tratado com a Itália, mas, desde que se comprometa a dar tratamento recíproco, pode a sentença ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça a fim de ser executada em território nacional, o que dar-se-á perante a Justiça Federal.

Com efeito, advindo a homologação da sentença penal estrangeira, a condenação pode ser cumprida no Brasil mediante transferência da execução. Basta que haja requerimento por via diplomática ou por intermédio de autoridades centrais.

Recebido o pedido pelo órgão competente do Poder Executivo e se fazendo presentes os requisitos formais de admissibilidade exigidos pela lei ou tratado, será encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça para homologação.

Ausentes os requisitos formais para a admissibilidade, o pedido será arquivado mediante decisão fundamentada, podendo ser renovado com a superação do óbice apontado e sua devida instrução com os documentos necessários (artigo 101).

Outra importante imposição da lei é que se observe o princípio da proibição da dupla valoração (no bis in idem), isto é, não pode haver a duplicidade de condenação pelo mesmo fato e nem de cumprimento das penas, devendo, se o caso, ser aplicada a regra prevista no artigo 8º do Código Penal, que cuida de hipótese de detração penal envolvendo pena cumprida no estrangeiro e a que foi imposta no Brasil pela prática do mesmo delito.

A fulcral questão a ser discutida e decidida é se essas regras de transferência da execução poderão ser aplicadas ao ex-jogador, já que os fatos são anteriores à sua vigência. Há juristas defendendo ser a norma permissiva mista (penal e processual) e, por isso, não pode retroagir para prejudicar o condenado. Por outro lado, também há doutrinadores defendendo se tratar de norma processual pura com necessário reflexo no direito penal, o que toda norma processual penal possui e nem por isso não retroage, sendo aplicadas desde logo (artigo 2º do CPP), posição esta que defendemos.

No caso específico de Robinho, mesmo que não haja pedido de transferência da execução para o Brasil ou sendo ele indeferido, será expedido mandado de prisão internacional a ser cumprido pelas Interpol, o que poderá ocorrer se o jogador deixar o território nacional e ingressar em outro país que integre o organismo.

Lembro que o Brasil não permite a extradição de brasileiro nato, cuja proibição é um direito constitucional do cidadão e mais uma forma de preservar a soberania, aplicando-se, em regra, a legislação brasileira a seus nacionais que cometerem ilícitos penais no exterior (artigos 5º, LI, da CF, e 7º, do CP). A exceção, trazida pela Lei nº 13.445/2017, é justamente a transferência da execução de condenação proferida no estrangeiro para o território nacional, notadamente em crimes graves. Na hipótese, será executada a sentença penal condenatória proferida no exterior, devidamente homologada e adaptada de acordo com nossa legislação, e segundo as regras da Lei de Execução Penal brasileira.

Há, por outro lado, judicioso entendimento de não ser possível a transferência da execução da pena em se tratando de brasileiro nato, em qualquer caso, e do naturalizado, exceto se a condenação for por comprovado envolvimento em tráfico de drogas ou por qualquer outro delito comum anterior à naturalização (art. 5º, LI, da CF).

Isso porque o "caput" do artigo 100 da Lei de Migração diz que será possível a transferência da execução: "Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória …".

Partindo-se de mera interpretação gramatical, o exegeta mais afoito chegaria a essa conclusão. No entanto, a interpretação gramatical, não raras vezes, leva a equívocos hermenêuticos.

Por isso, a necessidade de ser realizada, na hipótese, interpretação lógico-sistemática da regra.

O dispositivo em comento permite a transferência da execução da pena, dentre outras hipóteses, no caso de nacional, isto é, de brasileiro nato ou naturalizado (artigo 100, parágrafo único, inciso I). Não se trata de extradição, esta sim vedada pela Magna Carta, mas de cumprimento da pena no território nacional (transferência da execução), segundo nossas regras penais.

Sem essa interpretação, não teria sentido o dispositivo.

Foi a forma encontrada pelo legislador para que o nacional não fique impune quando é condenado no exterior e se encontrar no Brasil, muitas vezes foragido.

Por isso, deve-se interpretar o "nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória" como as hipóteses formais do pedido de extradição, já que não se refere "nas hipóteses em que couber extradição", esta sim vedada para o brasileiro nato e naturalizado, exceção feita aos casos constitucionalmente permitidos.

Estupro é o mais grave crime contra a dignidade sexual e causa danos psicológicos muitas vezes irreversíveis para a vítima, em regra mulher, além de outras consequências físicas gravíssimas, como doenças e gravidez indesejada, merecendo severa punição, seja quem for seu autor.

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