Opinião

O hermeneuta crítico e a denúncia do estado de emergência hermenêutica

Autor

  • Alexandre José Trovão Brito

    é advogado em São Luís especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão.

25 de janeiro de 2022, 6h03

A hermenêutica, especialmente a de matriz democrática, não é um marcador, ou seja, não está passível de a qualquer hora levar um drible. A hermenêutica também não é uma torcida, a qual sempre aplaude as decisões do juiz quando lhe são favoráveis. Ela, enquanto ciência humana, é a condição de sentido para uma boa interpretação das leis e dos textos jurídicos.

Não podemos transformar o universo jurídico em uma partida de futebol. Ele não é o grito das multidões. Nunca foi. Muito pelo contrário, o Direito vale para todos e deve ser aplicado até mesmo contra todos, quando necessário. A nossa tradição autoritária nos deixou uma herança maldita no campo político e jurídico. Os intérpretes da lei trabalham com a norma como se eles fossem os donos dos sentidos.

Vale lembrar que o aplicador do Direito não é nem o proprietário dos textos, nem o escravo das leis. Para formular uma boa interpretação é preciso encontrar um ponto de apoio na democracia processual, na Constituição e nas tradições legais. Elas são o verdadeiro norte para a atividade interpretativa. Não existe boa interpretação sem respeito aos limites normativos.

Os princípios jurídicos também são um bom roteiro democrático para a boa aplicação dos textos legais. Os princípios são as bandeiras de resistência contra a vontade das maiorias. O devido processo, a presunção de inocência, a publicidade, o juiz natural, a imparcialidade existem por algum motivo.

A boa hermenêutica também precisa de uma doutrina combativa, militante e preocupada com a democracia. O intelectual do Direito é o farol da comunidade jurídica. Sem ele, nosso mundo jurídico não seria o mesmo. O doutrinador é aquele que aponta que o rei está nu, mesmo que todos digam o contrário.

Aquilo que eu venho chamando de hermenêutica democrática deveria ser um direito fundamental do cidadão e do jurisdicionado. Todo aquele que pode gozar de direitos fundamentais e todo aquele que aciona o Poder Judiciário para pedir algo deve gozar dessa garantia, na minha ótica, fundamental.

As democracias ocidentais concederam um espaço de mobilidade muito grande para as cortes de Justiça. Mas vale mencionar que elas não são cortes de justiçamento. As primeiras aplicam a lei conforme os códigos legais. As últimas, de acordo com os desejos populares e opiniões dos julgadores.

O Direito vem atravessando um momento crucial em nossa ordem constitucional. Ele se apresenta como a condição de possibilidade para a materialização da democracia. O Direito de viés democrático é aquele que não é instrumentalizado para ampliar o poder de certos grupos, mas, sim, aquele que tem uma utilidade, qual seja, efetivar a cidadania.

Apostar na força normativa da Constituição, na aplicabilidade das regras jurídicas e na boa doutrina são fatores que podem nos fazer sair desse estado de emergência hermenêutica, isto é, um estado de crise da interpretação das leis e dos comandos constitucionais.

O hermeneuta critico é aquele indivíduo que não se contenta com a apropriação dos sentidos por parte dos juízes, com a vulgarização dos princípios jurídicos e com a desvalorização da opinião dos doutrinadores. O hermeneuta critico é aquele que denuncia tudo isso e enxerga que o mundo jurídico está grávido de mudanças. Devemos acreditar no Direito, pois ele acredita em todos.

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