Segunda Leitura

Laboratórios de inovação na Justiça: colaborar para transformar

Autor

  • Vânila Cardoso André de Moraes

    é juíza federal doutora em Sociologia e Direito mestre em Justiça Administrativa coordenadora do Grupo Operacional do Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal e do Laboratório de Inovação da Justiça Federal de Minas Gerais (iluMinas).

23 de janeiro de 2022, 8h00

Parar um instante e observar a perfeição do corpo humano com suas cem trilhões de células, cada célula com os seus cem trilhões de átomos, é inspirador. Cientistas costumam definir o corpo humano como uma verdadeira galáxia celular, em comparação ao universo. Mas o mais instigante é constatar que essas células atuam apenas com uma parte do seu genoma, menor do que o máximo potencial e em constante colaboração. No instante em que uma célula deixa de colaborar com o conjunto, ela se torna tumoral e passa a desequilibrar todo o corpo [1].

Mas o que isso tem a ver com os laboratórios de inovação?

Exatamente tudo, porque os laboratórios são um espaço físico/virtual colaborativo que oportuniza o desenvolvimento do capital institucional, ou seja, permite a concentração das instituições formais na solução dos seus problemas, na cocriação e na criatividade, com foco no usuário do serviço público.

A evolução histórica de uma sociedade está condicionada pela formação e o desenvolvimento das suas instituições. Muitas vezes, esse desenvolvimento está diretamente conectado à gestão do conhecimento e à evolução do capital institucional produzido por meio da colaboração, numa imitação perfeita da natureza.

Constata-se que a transformação institucional por meio da inovação tem como fundamento a despersonalização, a partir da integração de todas as perspectivas possíveis para que seja alcançado um produto final que beneficie o destinatário do serviço. Não há proprietários dos projetos, pois estes são desenvolvimento por meio de uma gestão conjunta que permanece íntegra em administrações diversas.

Nos termos do artigo 2º da Resolução 395/2021, que institui a Política de Gestão da Inovação no âmbito do Poder Judiciário, "considera-se inovação a implementação de ideias que criam uma forma de atuação e geram valor para o Poder Judiciário, seja por meio de novos produtos, serviços, processos de trabalho, ou uma maneira diferente e eficaz de solucionar problemas complexos encontrados no desenvolvimento das atividades que lhe são afetas" [2].

O Poder Judiciário, como órgão integrante da Administração Pública, tem visto o aumento das suas responsabilidades como prestador de serviços essenciais, precisando desenvolver-se com eficiência. Coisas novas estão acontecendo a todo instante, desde a transformação digital, até a globalização dos conflitos, perpassando por novos sistemas de trabalho, recursos orçamentários escassos e exclusão digital. É preciso estar à frente dessa evolução. "O Judiciário integra esse novo mundo. Para cumprir as funções que lhe cabem, quer como Poder da República, quer como um prestador de serviços essenciais, mais do que outros poderes, órgãos e instituições, inovação e governança são palavras de ordem" [3].

No Brasil, a Justiça federal de São Paulo iniciou em 2016 um programa de gestão e inovação (iNovaJusp) baseado no tripé: gestão da inovação, gestão estratégica e governança em rede. Nesse diapasão, foi inaugurado o primeiro laboratório de inovação do Poder Judiciário no Brasil (iJuspLab — 2017) [4], cuja iniciativa posteriormente tornou-se política judicial por meio da criação do Laboratório de Inovação, Inteligência e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Liods ) no Conselho Nacional de Justiça e replicada em diversos ramos do Poder Judiciário [5].

Atualmente a política da inovação alçou voos mais altos, tendo seu estímulo sido erigido a meta nacional do Poder Judiciário [6].

A cultura da inovação e a existência dos laboratórios traz intrínseca a atuação de seres humanos dotados de espíritos livres e idealistas. As atividades exercidas nos laboratórios são uma forma de aprendizagem diferente, num espaço amigável que favorece a ideação. A horizontalidade, a humildade e a liderança compartilhada colorem o ambiente. Não existem respostas certas, tudo é construído de forma inclusiva e pode ser testado antes de sua implementação, em total harmonia com a responsabilidade orçamentária que deve permear o setor público.

Os gestores públicos que atuam no Judiciário agora têm um papel fundamental, conforme Paulo Cezar Neves Júnior, sendo recomendada transformações em três dimensões: "(Novos processos, novos serviços e novos modelos de negócios) Porque ordinariamente envolverá essa combinação; o gestor precisa ser proativo para tornar a inovação reconhecida como importante para a instituição; devem ser adotados mecanismos formais para estimular, avaliar e desenvolver ideias, sempre utilizando ferramentas para reduzir riscos; os líderes devem estar presentes durante todo o ciclo da inovação, ou seja, da identificação dos problemas até a implementação das soluções, sempre motivando a participação da equipe; gestores devem buscar diferentes fontes de financiamento e garantir que os recursos existam do começo ao fim dos projetos; e a divulgação das iniciativas e dos resultados deve ser eficaz para que haja estímulo à inovação e à comunicação adequada das boas práticas para que seja avaliada corretamente sua aplicabilidade diante das peculiaridades de cada órgão" [7].

Para finalizar, é importante esclarecer que inovação não é só tecnologia. A transformação digital é mais uma mudança, da série de processos que passamos como humanidade. Entretanto, neste momento histórico, nada ilustra melhor a evolução no Poder Judiciário do que a criação dos laboratórios de inovação, espaço institucional aberto para materialização de uma característica que nós, seres humanos, temos de mais avançada, que é colaborar e criar em conjunto. Afinal, precisamos cooperar para transformar…

 


[1] Antonio Donato Nobre, pesquisador de inovação científica e tecnológica, disponível no YouTube.

[2] Resolução 395/2021 do CNJ, disponível no site: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3973.

[3] Paulo Cézar Neves Júnior. Judiciário 5.0: inovação, governança, usucentrismo, sustentabilidade e segurança jurídica. Paulo Cezar Neves Junior. São Paulo: Blucher, 2020. 442p. Disponível no site: https://www.paced-paloptl.com/uploads/publicacoes_ficheiros/judiciario-50.pdf.

[4] Programa de gestão e inovação: iNovaJusp/Diretoria do Foro da Justiça Federal de 1º Grau em São Paulo. São Paulo: JFSP, 2016. Disponível em: http://www.jfsp.jus.br/documentos/administrativo/NUID/inovajusp/inovajuspcatalogada.pdf.

[6] Meta 9 — Estimular a inovação no Poder Judiciário — Realizar ações que visem à difusão da cultura da inovação em suas diversas dimensões e nas interações com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, no âmbito do Poder Judiciário. Disponível no site: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/12/metas-nacionais-aprovadas-no-15o-enpj-2.pdf.

[7] Paulo Cézar Neves Júnior . Livro Judiciário 5.0: inovação, governança, usucentrismo, sustentabilidade e segurança jurídica.

Autores

  • é juíza federal em Belo Horizonte, doutora em Sociologia e Direito, mestre em Justiça Administrativa, coordenadora do Grupo Operacional do Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal e do Laboratório de Inovação -iluMinas, e professora da PUC-MG.

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