Judicial Hellholes

Tribunais dos EUA atraem autores convictos de vitória contra empresas

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22 de janeiro de 2022, 11h18

O relatório sobre "Judicial Hellholes" para o ano fiscal 2021/2022 da ATR Foundation destaca oito jurisdições que mais ganharam a reputação de "buracos do inferno judiciais" no período. "Judicial Hellholes" são jurisdições específicas, para as quais demandantes convergem para mover ações civis contra empresas — frequentemente em busca de indenizações milionárias.

Ybrayym Esenov/Unsplash
Jurisdições são conhecidas nos EUA como "buracos do inferno judiciais"
Ybrayym Esenov/Unsplash

Nessas jurisdições, alguns juízes criaram, "por sistematicamente aplicar leis e procedimentos judiciais de maneira injusta e desbalanceada", uma nova categoria no sistema de justiça civil nos EUA, a do "turismo do litígio". Cada hellhole favorece os demandantes em um ou mais tipos de ações específicas. Assim, os demandantes sabem para onde viajar, em busca de uma alta chance de sucesso.

O relatório ressalva que a maioria dos juízes trabalha de maneira justa, por um salário modesto, mesmo em jurisdições com má fama. "A publicidade negativa pode ser atribuída a algumas maçãs podres", declara.

Isso porque, geralmente, os juízes estabelecem, por exemplo, as regras para ações de lesões pessoais e essas regras pesam muito nos resultados de casos individuais. "Um ou dois juízes apenas podem se desviar da lei e sujar a reputação de toda uma jurisdição", diz a fundação.

O relatório traz apenas o que classifica como o "pior dos piores" hellholes do país. Nessa categoria, se destacam algumas jurisdições da Califórnia, estado que ocupa o primeiro lugar entre os territórios dos hellholes. Seguem-se algumas jurisdições de Nova York, Geórgia, Filadélfia, Carolina do Sul, três condados de Illinois e a da cidade de St. Louis, em Missouri.

A Califórnia ocupa a primeira posição na lista de hellholes desde que passou a adotar, implacavelmente, alguns princípios que expandem a responsabilidade das empresas. Por exemplo, os tribunais de recursos do estado foram os primeiros a considerar as empresas de e-commerce estritamente responsáveis por produtos vendidos no estado por meio de seus sites. A quantidade de ações contra empresas de todos os portes, por violações ou supostas violações de várias leis, disparou a tal ponto que muitas delas estão sendo obrigadas a fechar as portas ou se mudar para outros estados.

O estado de Nova York persegue de perto a Califórnia na disputa para ocupar o primeiro lugar entre os territórios dos hellholes, diz o relatório. Os dois estados lideram em quantidade de ações coletivas que não envolvem danos físicos como, por exemplo, por violações da lei que protege os americanos com invalidez; e de ações movidas por ambientalistas contra empresas de energia. Algumas jurisdições do estado estão entre os destinos preferidos do "turismo do litígio" contra empresas que lidam com amianto.

A Carolina do Sul abriga um dos hellholes para onde os demandantes vão, mais frequentemente, para processar empresas por supostos danos causados pelo amianto. O estado consolidou sua posição na lista de hellholes em 2020, pelos abusos no processo de discovery, sanções injustificadas, pouca exigência comprobatória e veredictos de milhões de dólares. O estado de Utah, que não está na lista dos "oito mais", ganhou uma "menção desonrosa" pelo fato de seu tribunal superior também favorecer autores de ações contra empresas de amianto.

Na Geórgia, o tribunal superior do estado eliminou a concorrência da culpa em certos casos e expandiu a responsabilização por má-fé das companhias de seguro. Adotou uma visão expandida da jurisdição das cortes do estado sobre empresas de outros estados. "Veredictos nucleares" (indenizações que excedem US$ 10 milhões ou que são significativamente desproporcionais ao que se esperava, em vista dos prejuízos causados) estão quebrando empresas. Um detalhe importante: se tornou um negócio altamente vantajoso, para terceiros, financiar litígios contra empresas no estado.

Na cidade de Filadélfia, a Corte de Apelações Comuns (Court of Common Pleas) e, no estado de Pensilvânia, o tribunal superior do estado são destinos de preferência de autores de ações de indenizações coletivas. Demandantes de todo o país convergem para essas cortes que têm fama de conceder indenizações excessivas e pela política de "porta aberta" a demandantes de outros estados. Tais cortes também favorecem ações coletivas movidas por consumidores, o que atrai demandantes de todo o país contra empresas que atuam em vários estados — incluindo a Pensilvânia.

Em Illinois, os condados de Cook, Madison e St. Clair se tornaram um imã para litígios contra empresas que lidam com amianto e para ações que não envolvem danos físicos. A Assembleia Legislativa do estado é uma das mais amigáveis do país a demandantes que buscam responsabilização civil de empresas.

Em Louisiana, o governador vetou um projeto de lei que pretendia refrear ações frívolas contra empresas por supostas más práticas em publicidade. Segundo o relatório da fundação, a má conduta judicial parece crescer desenfreadamente em todo o estado e investigações sobre um grande esquema para fraudar caminhoneiros e seguradoras estão em andamento.

Em Missouri, a cidade de St. Louis é considerada um hellhole judicial perene. Apelidada de "Mostre-me sua ação" ("Show-Me-Your-Lawsuit"), a cidade é famosa por estimular a busca não disfarçada de fóruns favoráveis (fórum shopping). Suas cortes admitem, frequentemente, o uso de pseudociência (junk science) em detrimento da ciência respeitável, como prova testemunhal em julgamentos. A concessão de indenizações punitivas excessivas é tida como um padrão na cidade.

A ATR Foundation coloca em sua "Lista de observação" (Watch List) de Judicial Hellholes a Flórida (devido à atuação de sua Assembleia Legislativa), o Colorado, o Texas (principalmente o Tribunal de Recursos da 5ª Região), Maryland e Minnesota. Faz "menções desonrosas" a Utah e Kentucky. Aponta como "pontos de luz" os tribunais superiores de Missouri, Texas, Oklahoma, Mississippi e Flórida.

A discussão sobre hellholes não implica uma tentativa de reprimir o direito de processar empresas ou quem for. Apenas mostra a existência de cortes, em determinados territórios do país, que sofrem um desvio em suas funções de promover a justiça, por serem claramente desfavoráveis a rés (empresas) — e, por isso, foram apelidadas de "buracos do inferno" — e favoráveis a demandantes.

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