Opinião

Os efeitos da nova Lei do Cebas para as entidades do terceiro setor

Autor

  • Cláudio Stucchi

    é advogado especialista em Políticas Públicas de Assistência Social Redes SUAS/SUS Legislação do Terceiro Setor Compliance (Integridade) e Governança Institucional e professor de Mentorias Online (EAD) para Assistentes Sociais Dirigentes e Contadores.

11 de janeiro de 2022, 20h06

Com o advento da Lei Complementar nº 187, de 16 de dezembro de 2021, o Congresso Nacional preenche uma lacuna parlamentar histórica, que existia desde a Carta Magna de 1988. Faltava uma lei complementar para regular os requisitos para fruição da imunidade tributária em relação às contribuições sociais (artigo 195, §7º, da Constituição da República), em favor das organizações da sociedade civil (OSCs) que atuam no âmbito do terceiro setor (assistência social, educação e saúde).

Com a novel legislação, encerrou-se aquela velha e cansativa retórica de tratamento da imunidade do artigo 195, §7º, da Carta Magna, equivocadamente ressaltada como isenção. Agora ficou bem definido que se trata mesmo de imunidade tributária! E o artigo 4º da LC 187/2021 faz consignar que a imunidade das entidades do terceiro setor alberga a cota patronal da contribuição previdenciária, Cofins, CSLL, contribuições sociais sobre a receita de concursos de prognósticos e sobre as importações de bens e serviços do exterior, bem como o PIS sobre a folha de pagamento.

Nesse contexto, entendemos, salvo melhor juízo, que as entidades beneficentes de assistência social que são alvo de cobranças administrativas fiscais (processo administrativo fiscal — PAF)  promovidos pela Receita Federal do Brasil   e que firmaram parcelamentos fiscais (Refis) ou que estão inscritas na dívida ativa da Fazenda Nacional, ou ainda respondem por execuções fiscais, devem procurar assessoria jurídica especializada para invocar a novel legislação e peticionar pela extinção de tais cobranças e execuções!

Vale destacar que a Lei nº 12.101/2009, que tratava dos procedimentos de concessão e de renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas) de interesse das entidades do terceiro setor, foi revogada pela LC 187/2021. Lembrando que o Supremo Tribunal Federal decidiu em fevereiro de 2021 pela inconstitucionalidade de diversos artigos da Lei nº 12.101/2009 (lei ordinária). Um motivo especial foi determinante para essa decisão: segundo o STF, somente lei complementar possui legitimidade constitucional para regular os requisitos para fruição da imunidade tributária, conforme dispõe o artigo 146, inciso II, da Carta da República (limitação ao poder de tributar da União, em relação às entidades beneficentes).

O artigo 2º da LC 187/2021 define claramente que é considerada "entidade beneficente" a pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que presta serviço nas áreas de assistência social, de saúde e de educação, no entanto, exigindo uma condicionante indispensável: desde que devidamente certificadas nos moldes da referida lei complementar.

Na perspectiva do artigo 2º está expressamente claro que o Cebas, antes configurado na Lei nº 12.101/2009 como mero instrumento formal fiscalizatório de natureza declaratória, constitui-se agora em condição obrigatória e imprescindível para a fruição da imunidade tributária das contribuições à seguridade social, em relação às entidades do terceiro setor. Em outras palavras, a certificação filantrópica federal é requisito indispensável para o reconhecimento da "beneficência" da OSC e por parte da Receita Federal e "passaporte" formal para o aproveitamento fiscal das benesses da imunidade tributária lastreada na Constituição Federal de 1988 (artigo 195, §7º).

No que diz respeito às organizações da sociedade civil (OSCs) que atuam na área da assistência social (seara principal de nossos estudos e atuação jurídica), além da certificação do Cebas concedida ou renovada pelo Ministério da Cidadania, cabe ressaltar que as OSCs deverão cumulativamente comprovar o cumprimento dos requisitos mencionados no artigo 3º da LC 187/2021, em todos os seus incisos. São praticamente as mesmas contrapartidas exigidas até então pela Lei nº 12.101/2009 ora revogada, também exigidas pela Lei nº 13.019/2014 (Marco Regulatório das OSCs  MROSC) e pelos artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional (CTN).

As OSCs que atuam na área da assistência social (política pública setorial  no âmbito da Rede do Sistema Único de Assistência Social  Suas) devem se atentar ao requisito especial disposto no artigo 31 da LC 187/2021: ter objetivos e público-alvo compatíveis com a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social  Loas). Observar o princípio da gratuidade na oferta dos serviços aos usuários que dele dependem e necessitam (artigo 1º da Loas); o princípio da universalidade do atendimento (artigo 4º e incisos, da Loas), bem como as resoluções estabelecidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social  CNAS (artigo 3º, §1º da Loas).

No tocante às instituições de longa permanência para idosos (Ilpis filantrópicas), é bom lembrar que possuem direito ao exercício da exceção ao princípio da gratuidade. Por essa razão as ILPIs podem continuar recebendo as contribuições mensais das pessoas idosas abrigadas, no limite legal de 70% da renda dos usuários residentes (artigo 35, §2º, Estatuto do Idoso). Tal prerrogativa extraordinária consta expressamente na LC 187/2021, em seu artigo 29, parágrafo único.

Merece destaque a redação do artigo 30 da LC 187/2021, que estabelece a possibilidade de as OSCs desenvolverem atividades que gerem recursos, por meio de filiais, com ou sem cessão de mão de obra, desde que as receitas provenientes dessas atividades sejam lançadas de forma segregada em sua contabilidade e destacadas em suas notas explicativas. Convém pontuar que esse dispositivo traz agora maior segurança jurídica para as entidades do terceiro setor planejarem e concretizarem projetos de negócios em áreas mercantis diversas.

No que tange à área de atuação da OSC, chama a atenção o disposto no §1º do artigo 35 da LC 187/2021. Foi adicionado mais um fator de referência para a apuração da área de atuação preponderante da entidade beneficente: o fator "custo". Agora a novel legislação apresenta de modo explícito os fatores "custos" e "despesas", facilitando o papel dos contadores responsáveis e dos agentes fiscalizadores.

Surgiu agora uma importante conquista para as entidades do terceiro setor, influenciada diretamente pela súmula vinculante do STJ nº 612, de 9 de maio de 2018: "Súmula 612-STJ: O certificado de entidade beneficente de assistência social (Cebas), no prazo de sua validade, possui natureza declaratória para fins tributários, retroagindo seus efeitos à data em que demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos por lei complementar para a fruição da imunidade". Esse comando jurídico significa que, embora a vigência formal da concessão da certificação seja a data da publicação da portaria de concessão do Cebas, os efeitos tributários e fiscais dessa concessão retroagem e são considerados e reconhecidos na data do protocolo do requerimento efetuado na plataforma digital de cidadania.

A nova legislação trouxe mais vantagens para as OSCs nos casos de indeferimento do pedido de concessão ou de renovação do Cebas. Havendo a interposição de recurso administrativo, o Ministério da Cidadania apreciará e tomará uma decisão. Se não houver a reconsideração, o recurso será encaminhado ao Ministro da Cidadania. E nesse caso será aberto prazo de mais 30 dias para que a OSC apresente novas considerações e arrazoado e providencie a juntada de novos documentos.

Outra novidade bem interessante está inserida no artigo 41 da LC 187/2021: a partir da data da publicação da LC 187/2021 (Diário Oficial da União, edição de 17 de dezembro de 2021), são considerados extintos os créditos decorrentes de contribuições sociais lançados em desfavor de entidades sem fins lucrativos que atuam nas áreas da assistência social, educação ou de saúde, expressamente motivados por decisões derivadas de processos administrativos ou judiciais com base em dispositivos da lei ordinária anterior do Cebas (Lei nº 12.101/2009), declarada inconstitucional pelo STF no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 2028 e 4480 e correlatas. O referido dispositivo favorece as OSCs que foram alvo de lançamentos fiscais em virtude do não atendimento aos requisitos contidos na Lei nº 12.101/2009 (anterior lei do Cebas). Consideramos que essa verdadeira remissão fiscal legislativa representa uma importante conquista para as entidades do terceiro setor.

Com relação aos requerimentos eletrônicos de concessão ou de renovação do Cebas, apresentados antes da publicação da LC 187/2021 e que se encontram pendentes para análise e decisão no Ministério da Cidadania, aplicam-se as regras da Lei nº 12.101/2009. Tal expediente está em plena conformidade com o princípio da irretroatividade tributária: a lei deve abranger fatos geradores posteriores à sua edição, ou seja, não pode retroceder para abarcar situações pretéritas. Desse modo, será aplicada a lei vigente no momento do fato gerador.

Convém assinalar que os ministérios certificadores (Cidadania, Educação e Saúde) ganharam autonomia plena e legitimidade jurídica com a novel legislação para exerceram atos de fiscalização sobre as entidades do terceiro setor no que diz respeito ao cumprimento de todas as regras de certificação filantrópica. Com essa garantia legal, cada ministério poderá demandar supervisão e também acolher representações das autoridades elencadas e legitimadas no §1º do artigo 38 da LC 187/2021. Inclusive o Ministério Público está consignado no referido dispositivo, e com certeza atuará com rigor. Cabe então um alerta para as OSCs e Ilpis para que revejam sua governança institucional!

Efeitos práticos e imediatos para as OSCs e Ilpis:
— Revisão dos centros de custos (lançamentos contábeis);

— Revisão do plano de contas (rubricas contábeis);

— Sintonia estreita entre os controles internos financeiros e a contabilidade;

— Implantação de programa de compliance (conformidades e integridade) e de governança institucional;

— Revisão jurídica dos contratos de prestação de serviços à pessoa idosa abrigada;

— Reforma do estatuto social;

— Reforma do regimento interno;

— Implantação do regulamento interno de recursos humanos;

— Propiciar capacitações e treinamento para os funcionários da gestão administrativa, gestão financeira e coordenação;

— Propiciar capacitações e treinamento para os membros do Conselho Fiscal;

— Manter estreita relação institucional com os demais atores da Rede Suas, local.

Cabe salientar que a LC 187/2021 necessita de um decreto regulamentador e provavelmente os ministérios certificadores emitirão resoluções para os detalhamentos dos ritos e procedimentos da certificação filantrópica federal (Cebas).

Dada a relevância do tema abordado neste artigo, recomendamos especial atenção das diretorias das entidades beneficentes de assistência social em suas respectivas gestões administrativas, financeiras e documentais, a fim de que consigam cumprir todos os requisitos formais e legais exigidos pela LC 187/2021 e demais normativas específicas do segmento.

Autores

  • é advogado, especialista em Políticas Públicas de Assistência Social, Redes SUAS/SUS, Legislação do Terceiro Setor, Compliance (Integridade) e Governança Institucional e professor de Mentorias Online (EAD) para Assistentes Sociais, Dirigentes e Contadores.

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