Terra firme

'Segurança jurídica é fundamental para a competitividade de um país'

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9 de janeiro de 2022, 7h44

Muitas vezes é preferível que o Poder Judiciário decida com celeridade determinada questão, ainda que a decisão seja contrária aos interesses do empresariado, do que leve anos a fio para definir uma demanda sensível. É melhor que as regras do jogo estejam postas, ainda que não sejam as ideais, do que entrar em um jogo no qual as regras podem mudar de repente. Ter segurança jurídica, previsibilidade e estabilidade para investir, sem grandes solavancos, é o sonho de quem aposta alto em projetos industriais no país.

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Essa é a percepção captada por Cassio Borges, diretor jurídico adjunto da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a partir do monitoramento de demandas judiciais e do humor do setor industrial em relação a elas. Em entrevista à ConJur, o advogado contou como é feito o monitoramento da sensação de instabilidade que a incerteza jurídica provoca no setor, como se decidem as causas em que a CNI irá atuar e revelou que, apesar dos percalços, a situação de hoje é melhor do que a de ontem.

Segundo Borges, fica claro nas pesquisas feitas com regularidade com os atores da indústria que o empresariado brasileiro não é refratário a mudanças. Novos marcos legais não são mal vistos e reformas são bem vindas. "O real problema é a constante alteração normativa sem necessidade ou sem garantias de estabilidade", afirma. Para o advogado, "se cada poder da República se limitasse a agir dentro das suas competências já teríamos uma grande evolução".

Na conversa com a ConJur, o diretor adjunto falou sobre a criação da agenda jurídica da CNI, que tem como missão, além de prestar contas à base da confederação, conferir transparência e clareza sobre as causas e ideias defendidas pelo setor industrial para que seja possível estabelecer um relacionamento franco com os órgãos judiciais em defesa das pautas do empresariado. Além da agenda, o jurídico da CNI criou métricas para mensurar a visão da indústria em relação ao ambiente jurídico para os negócios no país e para monitorar a efetividade do Judiciário.

Graças a esse monitoramento, por exemplo, foi possível verificar que o tempo para o julgamento de uma ação de controle concentrado no Supremo passou de cerca de oito anos, em média, para pouco mais de cinco anos. Longe, ainda, dos três anos de prazo considerados ideais pela CNI — entre o ajuizamento e o julgamento final da causa —, mas é uma sensível melhora. "Não fizemos ainda um estudo específico para identificar a razão dessa redução, mas tudo leva a crer que ela decorre do uso do Plenário Virtual, que trouxe verdadeiro dinamismo ao Supremo", atesta Borges.

Na entrevista, o advogado tratou de outros temas, como as decisões monocráticas que se prolongam no tempo, as principais causas que a indústria pretende ver julgadas em 2022, e aumentou o campo de responsabilidade pela manutenção da segurança jurídica no Brasil para além do Poder Judiciário ao afirmar que o consequencialismo tem de ser observado também em decisões administrativas.

"Recentemente houve a alteração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, uma modificação muito festejada pelo setor empresarial porque fixou uma diretriz, um princípio, de forma muito clara e objetiva. O de que não devem ser tomadas decisões com base em princípios jurídicos abstratos, sem que sejam consideradas as suas consequências. E a lei cita expressamente não apenas a esfera judicial, mas também a administrativa e as áreas de atuação dos órgãos de controle. Julgador e administrador têm de analisar a consequência dos seus julgados, ter visão econômica, visão social".

Leia a seguir a entrevista:

ConJur — Que avaliação o setor da indústria faz sobre a segurança jurídica no Brasil?
Cassio Borges —
Há algum tempo a CNI monitora o sentimento do industrial em relação à segurança jurídica, e a percepção de certa instabilidade, de insegurança, sempre aparece nas pesquisas. Por isso, tentamos mapear os acontecimentos institucionais que provocam esse sentimento empresarial de insegurança. Em um primeiro momento, tomamos emprestado um sistema do Banco Mundial, estabelecido por meio do Fórum Econômico Mundial. Trata-se de uma série de indicadores onde se pode verificar o estágio dos países em relação à questão da competitividade — e segurança jurídica é um elemento fundamental para medir a competitividade de um país. Nos anos de 2017 e 2018, o Brasil estava no último lugar no que diz respeito à segurança jurídica em um universo de 18 países em desenvolvimento, como os que formam os BRICS (sigla para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Nas últimas medições feitas, nossa colocação ainda é ruim, mas não é mais a última. Estamos à frente de Argentina, Peru e Colômbia. Trabalhamos hoje para aperfeiçoar esse monitoramento com a criação de um observatório da segurança jurídica. A ideia é medir de forma mais objetiva o comportamento institucional.

ConJur — O que é exatamente esse comportamento institucional?
Cassio Borges —
É o conjunto de práticas e ações do Estado brasileiro através dos seus três poderes, de todas as esferas governamentais e entes federativos. A questão da segurança jurídica tem de ser avaliada tanto no Poder Judiciário quanto no Legislativo, no Executivo, nos órgãos de controle. A própria sociedade pode contribuir para uma maior ou menor sensação de segurança jurídica. Estamos desenhando o projeto porque, em primeiro lugar, o tema é relevantíssimo. Em segundo lugar, é um complemento do trabalho que a CNI historicamente fez para reduzir ou para apresentar as soluções que possam mitigar essa sensação do empresariado de instabilidade, de insegurança jurídica.

ConJur — É aquele bordão: 'Empresário gosta mesmo é de lei velha', no sentido de que quanto mais longeva a regra, melhor para planejar investimentos…
Cassio Borges —
É verdade, mas a frase precisa de certa adaptação para não gerar a falsa impressão de que o empresário não gosta de inovação. O empresário quer estabilidade, racionalidade, mas também encontrar um ambiente institucional que permita a geração de expectativas e de inovações. Um país onde as regras acabam desconhecidas pelo fato de serem alteradas constantemente não estimula a competitividade ou o investimento. Mas, claro, há sempre legislações antigas ou ultrapassadas, que verdadeiramente merecem ajustes até em função da própria evolução da vida em sociedade.

ConJur — Há exemplos recentes?
Cassio Borges —
A reforma trabalhista, por exemplo. Uma reforma necessária, muito debatida e apoiada pelos empresários porque se trata de legislação do final da década de 1930, que precisava de ajustes. Agora, o setor industrial está apoiando projetos de reforma administrativa, do mesmo modo que apoia uma necessária reforma tributária. Novos marcos legais não são mal vistos pelos empresários. O real problema é a constante alteração normativa sem necessidade ou sem garantias de estabilidade.

ConJur — Como o Poder Judiciário pode ajudar a trazer essa estabilidade para o desenvolvimento do país?
Cassio Borges —
O Judiciário é um ator fundamental. Mas os três poderes da República têm papéis insubstituíveis para que alcancemos uma racionalidade institucional, cada qual observando sua competência. Aliás, se cada poder da República se limitasse a agir dentro das suas competências, já teríamos uma grande evolução. De qualquer forma, a Constituição deu ao Poder Judiciário um papel adicional, que é o de se manifestar por último justamente sobre a validade da atuação de cada poder. Creio que a partir da reforma constitucional da Emenda 45 (emenda da reforma do Judiciário aprovada em 2004), o Judiciário ganhou o poder de, digamos, normatizar o Direito. A partir do momento em que o Supremo só deve julgar recursos com repercussão geral, seja de índole jurídica, social ou econômica, mas apenas aquilo que repercute verdadeiramente sobre toda a sociedade, e a decisão do STF vincula todo o Poder Judiciário, cria-se uma expectativa sobre como o Supremo Tribunal vai se posicionar. A partir do momento em que ele se posiciona, gera uma segunda expectativa, também enorme, sobre se todo o Poder Judiciário irá observar à risca a decisão. Há expectativa de que a aplicação desse direito seja uniforme a todas as situações idênticas. E que a distinção a justificar um tratamento diferenciado seja realmente uma exceção, aplicada com muito rigor e cautela.

ConJur — Há muitas críticas a respeito de liminares concedidas pelos ministros em ações de controle concentrado e que se prolongam no tempo, sem que sejam submetidas ao plenário do Supremo para que haja uma decisão sólida da corte. Essas decisões individuais, precárias, são um ponto de insegurança jurídica na visão da indústria?
Cassio Borges —
Esse é um debate complexo. São, sim, decisões precárias. Mas não podemos simplesmente demonizá-las. Os ministros do Supremo, tal qual os magistrados de primeira instância, têm de ter certa liberdade para agir a partir de um poder geral de cautela. O problema é quando se adota quase como regra uma postura que deve ser excepcional. A resposta para essa situação está no equilíbrio. O Supremo é um órgão colegiado e responde melhor à sociedade quando fala por meio do colegiado. Decisões monocráticas devem ser excepcionais. Quando elas são necessárias, devem ser levadas a referendo do Plenário no menor espaço de tempo possível.

ConJur — O tempo do julgamento das ações também é monitorado pela CNI, certo?
Cassio Borges —
Em pesquisas junto ao empresariado, percebemos que o prazo de julgamento é um marco importante para essa sensação de insegurança jurídica. O empresariado, a depender do que está em discussão nas ações, defende seu interesse. Ele tem um posicionamento e espera que seja ele que prevaleça nos julgamentos. Mas percebemos que, pior do que perder, ou seja, pior do que prevalecer o entendimento que o empresariado não defende, é a demora do julgamento. É não saber em um tempo razoável qual entendimento vai prevalecer.

ConJur — Ou seja, previsibilidade é mais importante do que uma eventual vitória?
Cassio Borges —
É a busca da estabilidade, da racionalidade. O empresário busca ter um ambiente funcional minimamente tranquilo para poder investir. Então, se ele souber que terá de alocar determinado custo no negócio, ele irá recalcular a fórmula financeira e econômica do produto e computar o custo. Pior é ser surpreendido com algo que não previa ou não saber se terá ou não determinado custo. É nesse aspecto que o tempo do julgamento dos processos é um elemento fundamental, principalmente no Supremo Tribunal, em função da consequência dos seus julgados.

ConJur — Qual o prazo razoável de julgamento de ações de controle concentrado na visão da CNI?
Cassio Borges —
Chegamos ao entendimento de que três anos seria um prazo limite razoável, até para evitar a necessidade de modulação das decisões, comportamento que se tornou usual no Supremo. É um mecanismo necessário, claro, que tem justamente o propósito de preservar a segurança jurídica. Mas ele não deixa de ser uma solução para mitigar o efeito da demora do julgado. Imagine uma ação de controle concentrado que tramite por dez anos, por exemplo, e que a norma seja julgada inconstitucional. Como retroagir esse julgamento à sua origem, na medida em que em dez anos vários atos se consolidaram? Se tivéssemos julgamentos mais céleres, a modulação seria muito menos utilizada. Por isso a CNI entende que um limite de três anos seria o prazo ideal.

ConJur — As ações levam muito mais tempo do que três anos para serem julgadas, não?
Cassio Borges —
Sim. Partimos de um estudo mais antigo do Conselho Nacional de Justiça sobre o prazo de julgamento e identificamos algo bem longe desses três anos. O julgamento demorava quase oito anos, em média — falamos aqui de ações de controle concentrado de constitucionalidade, sem computar os recursos extraordinários. Depois, passamos a fazer o monitoramento do prazo de julgamento apenas das ações que compõem a agenda jurídica da CNI, em que a confederação é autora, atua como amicus curiae ou que somente acompanha por conta dos reflexos da decisão no setor industrial. O fato é que o prazo verificado pelo CNJ não mudou muito até há poucos anos. Mas, no ano passado, houve uma sensível redução. A média do tempo de julgamento das ações monitoradas pela CNI caiu para pouco mais de cinco anos. Não fizemos ainda um estudo específico para identificar a razão dessa redução, mas tudo leva a crer que ela decorre do uso do plenário virtual, que trouxe verdadeiro dinamismo ao Supremo.

ConJur — O senhor citou a modulação dos efeitos das decisões como um mecanismo necessário em razão da consequência que a demora no julgamento de um caso pode provocar no mundo fora dos autos. Na sua percepção, os juízes, de forma geral, costumam ser atentos às consequências das decisões que tomam?
Cassio Borges —
Nossa percepção é a de que o consequencialismo é, sim, hoje, mais levado em consideração pela magistratura, mas ainda estamos um pouco longe do estágio ideal. Nos tribunais superiores e no Supremo, que é onde a CNI mais atua, assistimos a uma crescente preocupação com a consequência das decisões. Mas não é apenas o Judiciário que deveria estar atento ao consequencialismo. Esse é um fator que deveria ser levado em conta também em decisões administrativas. Recentemente houve a alteração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, uma modificação muito festejada pelo setor empresarial porque fixou uma diretriz, um princípio, de forma muito clara de objetiva. O de que não devem ser tomadas decisões com base em princípios jurídicos abstratos, sem que sejam consideradas as suas consequências. E a lei cita expressamente não apenas a esfera judicial, mas também a administrativa e as áreas de atuação dos órgãos de controle. Julgador e administrador têm de analisar a consequência dos seus atos, ter visão econômica, visão social. Mas é importante que elemento motivador de toda decisão esteja calcado em critérios objetivos, sob pena de um subjetivismo vir a justificar uma série de consequências que teriam dificuldades ou não teriam como vir a ser demonstradas. Esse é um ponto ao qual é preciso estar muito atento, senão, criado para trazer segurança, o elemento da consequência poderia ser utilizado contra o seu próprio propósito.

ConJur — Quais as principais ações que o setor da indústria espera ver decididas pelo Supremo em 2022?
Cassio Borges —
A pauta do Supremo é, toda ela, prioritária para o país. Mas é uma pauta enorme e, dentro dela, a CNI faz um recorte daquilo que, na percepção do empresariado industrial, seria mais importante ser decidido. Não posso deixar de louvar aqui o trabalho do presidente do STF, ministro Luiz Fux, porque alguns temas incluídos por ele na pauta do primeiro semestre são tidos como prioritários para a indústria.

ConJur — Por exemplo?
Cassio Borges —
Já em fevereiro deve ser julgada a questão da dispensa coletiva sem prévia negociação (RE 999.435). Tema é fundamental, principalmente nesse momento de um novo Direito do Trabalho surgido no cenário da pandemia. A CNI acompanha de perto esse debate e tem o posicionamento de que não há determinação constitucional, nem legal, que obrigue prévia negociação para demissão. Em abril consta da pauta a discussão sobre validade de norma coletiva de trabalho, outro tema que conversa diretamente com o momento atual. Nestes casos, o Direito pode e deve ser customizado a partir das necessidades das partes e a norma coletiva tem autorização constitucional justamente a permitir esse tipo de customização, de aproximação de interesses de empregado e empregador e, aí sim, com a participação do ente sindical a tutelar os interesses dos empregados. Esse debate é fundamental porque o Judiciário trabalhista, muitas vezes, tem a tendência de declarar nulas cláusulas desses acordos que, na percepção da magistratura, estariam prejudicando ou maltratando o interesse ou o direito do empregado.

ConJur — E quais destaques na área tributária?
Cassio Borges —
Há uma discussão importantíssima que diz respeito às taxas de fiscalização de exploração de recursos minerais, que foram criadas por alguns estados e, em tese, miram o custo da atividade estatal na fiscalização dessas atividades. Mas, a partir da provocação da nossa base, percebemos que de taxa essas taxas nada têm. São, na verdade, exações que buscam reforçar os cofres dos estados. Ora, um elemento próprio da taxa é que haja correspondência entre o valor cobrado e o custo da atividade estatal. Logo, se a motivação da taxa é a fiscalização ambiental, a fiscalização dessa atividade, é preciso analisar, com máxima transparência, os valores fixados nos orçamentos desses órgãos fiscalizadores. Mais especificamente, quanto esses órgãos pretendem gastar nesse tipo de fiscalização e equiparar esse custo orçamentário ao valor que está cobrado pela taxa. Quando se faz isso, é fácil perceber que não há correspondência entre o valor cobrado e a atividade de fiscalização. Já há precedentes importantes no Supremo em favor do nosso posicionamento e se espera que sejam confirmados em maio, em três ações de autoria da CNI que estão na pauta, que contestam leis do Amapá, do Pará e de Minas Gerais.

ConJur — O senhor citou a provocação da base da CNI. Como é o processo de decisão sobre quais ações a CNI irá ajuizar, em quais será amicus curiae? Como se decide a atuação da CNI?
Cassio Borges —
Sempre a partir da provocação da nossa base. A Confederação Nacional da Indústria é um ente sindical de grau superior, a única confederação patronal industrial do país. Logo abaixo há 27 federações de indústrias estaduais filiadas à CNI, cada qual com sua base regional. E, vinculadas a essas federações, há os sindicatos, que observam o elemento da unicidade sindical estabelecida pela Constituição, como base territorial mínima municipal e certas atividades que devem representar. Essa é a estrutura sindical. Paralelamente a esse sistema, existem as associações nacionais, que não tem natureza sindical, mas têm representatividade importante dentro dos seus respectivos seguimentos. Essas associações constituem hoje o Fórum Nacional da Indústria, que é um órgão, ou um conjunto de vontades, que também pode influenciar decisões institucionais da CNI. As decisões da CNI são fruto das vozes desse universo.

ConJur — Mas todo o sistema é ouvido antes das ações?
Cassio Borges —
A ação pode surgir da provocação de uma federação filiada. A CNI é sempre provocada pela sua base e através de uma das federações filiadas que, por sua vez, ouvem as necessidades das suas bases. Esse sistema garante a legitimação da demanda, mas, mais do que isso, a certeza de que se trata de uma demanda de determinada coletividade. Não é uma empresa, não é um empresário. É sempre a partir de um legítimo interesse coletivo captado por meio desse sistema que reúne os atores sindicais e as associações. Isso é importante até porque o tipo de controle de constitucionalidade que o Supremo faz é um controle da norma em abstrato. Ou seja, em que há sempre o interesse coletivo. Mas depois da provocação de uma federação, o assunto recebe uma primeira análise jurídica. Se houver concordância com a tese, pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade, o tema é submetido à diretoria da CNI. Nesse colegiado, ouve-se os representantes das 27 federações e, então, se decide pelo ingresso ou não de uma nova ação ou de um pedido de amicus curiae em uma ação que já tenha sido ajuizada no Supremo.

ConJur — A CNI atua com a contratação de escritórios ou tem um departamento jurídico interno que atende a todas as demandas?
Cassio Borges —
O modelo é de trabalhar com advogados próprios, do quadro da CNI. Principalmente em decorrência do tipo de atividade que a CNI exerce e das responsabilidades que assume, acreditamos que um departamento jurídico interno bem capacitado entrega melhor resultado do que um jurídico terceirizado. Até porque o jurídico da CNI não atua exclusivamente no controle concentrado de constitucionalidade. Há uma atividade estratégica e tática que vai além das demandas submetidas ao Poder Judiciário. E essa atividade jurídica na área legislativa, muitas vezes, é tão importante quanto a exercida perante os tribunais.

ConJur — Como é o relacionamento da CNI com o Poder Judiciário?
Cassio Borges —
É muito positivo e para deixá-lo o mais transparente possível é que criamos, em 2016, a agenda jurídica da CNI. A agenda tem um duplo papel. A primeira ideia é prestar contas à nossa base e mostrar para a indústria brasileira o que a CNI faz junto ao Supremo. Em segundo lugar, traz certa tranquilidade e previsibilidade para que esse relacionamento que travamos com a Corte seja franco e legítimo. Às vezes também se busca uma conversa com um ministro ou com um assessor de ministro em processos nos quais a CNI não atua porque ainda não houve uma demanda da base ou porque não há consenso sobre determinado tema.

ConJur — Até porque a indústria é muito ampla…
Cassio Borges —
Sim, são diversos segmentos e pode haver casos em que a base está rachada e a CNI não tem como tomar um partido, como representar o setor industrial A, em detrimento do setor industrial B. Por isso, muitas vezes não podemos ter participação formal em determinados processos. Mas há pontos de atenção, há pontos que buscamos levar ao conhecimento dos ministros e dos assessores. Para poder justificar esse tipo de abordagem, a agenda reservou uma seção onde a CNI funciona como observadora. Nossa agenda jurídica é composta por três seções: CNI como autora, CNI como amicus curiae e CNI como observadora. A ideia de classificar as ações que devem ser observadas é dar transparência para as relações, porque a agenda traz o posicionamento institucional. A confederação esclarece que, em determinado processo, não é autora, tampouco amicus curiae, mas que a indústria tem um posicionamento. Isso facilita o diálogo com o Poder Judiciário. Mas a atuação da diretoria jurídica é bastante diversificada. Além do trabalho estratégico perante o Supremo, há uma atuação consultiva com uma visão muito prospectiva, que são as análises de projetos de lei, por exemplo. A ideia é pensar também o Direito futuro.

ConJur — Em um Congresso Nacional como o nosso, com a profusão de ideias legislativas que conhecemos, esse é um trabalho de Sísifo, não?
Cassio Borges —
É um trabalho enorme e que visa exatamente ao que conversamos antes: a depender do tema que é objeto de determinado projeto de lei, a CNI trabalha, não só o jurídico, mas também com o apoio de outras áreas, para mostrar a consequência prática daquela eventual mudança legislativa. No nosso mapa estratégico, um dos elementos usados para medir essa sensação de insegurança jurídica, de instabilidade, é justamente a, digamos, a má qualidade normativa produzida no Brasil. E creio que essa má qualidade pode estar associada justamente a uma falta de análise das consequências da norma, quer dizer, à falta de visão crítica sobre a qualidade das mudanças esperadas.

ConJur — E voltamos à segurança jurídica. Sempre voltamos…
Cassio Borges —
A segurança jurídica tem de ser vista de forma institucional. É dever do Estado, principalmente, estabelecer critérios para criar um ambiente seguro para os negócios, saudável do ponto de vista da competitividade. Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário, cada qual dentro da sua esfera de competência, têm de ter esse norte. Os órgãos de controle também têm um papel extraordinário, fundamental, nessa seara. O Ministério Público, por exemplo, é um órgão de controle. Por essência, é o guardião da lei. Logo, é o primeiro a ter que observá-la. E isso inclui agir nos estritos limites de sua competência, algo que é essencial para criar um ambiente de segurança jurídica. O mesmo vale para a atuação dos Tribunais de Contas. Às vezes, o Tribunal de Contas esquece que é um guardião das contas públicas e não do agir estatal. Muitas vezes, percebe-se um exagero no controle de agências regulatórias e de outras autoridades com competências próprias. O trabalho é hercúleo, mas a CNI tem feito esse mapeamento com o propósito justamente de criar um ambiente de negócios seguro, transparente e previsível, favorável ao investimento privado, à competitividade, de modo que o setor empresarial sinta conforto para empreender no Brasil e, assim, termos um verdadeiro aumento da nossa capacidade econômica, financeira, da nossa capacidade de entrega. Desse modo, o Brasil subirá alguns degraus na escada da competitividade mundial.

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