Acordo de não persecução cível: solução para os processos de improbidade?
9 de janeiro de 2022, 11h12
A redação original da Lei de Improbidade Administrativa, de 1992, vedava qualquer espécie de transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade. Subjacente a essa vedação, estava a ideia de que o interesse público seria indisponível e que nenhuma forma de solução transacional poderia protegê-lo de forma adequada.
Assim, em 2019, com a Lei 13.964, foi revogado o artigo que vedava a utilização dos métodos consensuais nas ações de improbidade administrativa, enunciando a possibilidade do acordo de não persecução cível. Porém, o instituto permaneceu inoperável, pois todas as disposições referentes ao procedimento para realização do acordo foram vetadas.
A Lei 14.230/21 veio para suprir essa falta, dispondo com maior detalhamento sobre o procedimento para realização do acordo de não persecução cível. Essa inovação legislativa é de grande interesse para todos os envolvidos em ações de improbidade administrativa, inclusive empresas, sócios, acionistas, diretores e colaboradores.
Como funciona o acordo de não persecução cível
A principal vantagem do acordo é que, uma vez homologado e cumprido, fica encerrada a ação de improbidade administrativa e extinta a punibilidade do agente pelos atos de improbidade ali debatidos. A depender do momento em que é entabulado, o acordo pode evitar medidas constritivas de patrimônio e, em geral, implica resolução bem mais célere quando comparado com o curso de uma ação de improbidade completa. O acordo, no entanto, é limitado à ação de improbidade e não implicará afastamento de eventual responsabilidade cível ou criminal decorrente dos fatos debatidos na ação extinta.
A proposta pode ser oferecida pelo Ministério Público tanto no curso da investigação quanto já durante a ação de improbidade ou ainda no momento da execução de sentença condenatória (artigo 17-B,§4º). Ao propor o acordo, o Ministério Público avaliará a personalidade do agente, a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do ato, bem como as vantagens de uma solução rápida do caso (artigo 17-B, §2º). Entre as condições estão, obrigatoriamente, o integral ressarcimento do dano e a reversão da vantagem indevidamente obtida (artigo 17-B, I e II). O valor do dano será apurado com base em exposição do Tribunal de Contas competente (artigo 17-B, §3º). Outras condições também podem ser negociadas, como a adoção de mecanismos de governança e boas práticas corporativas (artigo 17-B, §6º).
Em caso de descumprimento, a lei determina que o agente não poderá entabular novo acordo pelo prazo de cinco anos, contados da data da ciência da violação (artigo 17-B, §7º). É possível que, dos termos propostos, decorra ainda alguma outra consequência do inadimplemento, como a imposição de cláusula penal.
Quais são as dificuldades?
Apesar de representar um avanço na normativa referente ao acordo de não persecução cível, as reformas promovidas pela Lei 14.230/21 ainda não esclarecem pontos relevantes que podem influenciar o grau de interesse dos agentes privados no acordo. Na ausência de previsão legal que aponte melhor esses pontos, multiplicam-se as portarias e orientações internas nos mais variados órgãos públicos, como o Ministério Público dos estados e federal, e ainda a advocacia geral dos estados e da União.
Essa diversidade de orientações não promove a difusão do acordo, mas acaba reduzindo a previsibilidade e segurança jurídica do pactuado. Pode-se inclusive levantar dúvidas sobre a competência desses órgãos internos para regulamentar a matéria, como ocorreu no caso da Resolução 181 do Conselho Nacional do Ministério Público sobre o equivalente penal do acordo cível.
Ilustrativamente, um dos pontos que podem concretamente influenciar o grau de interesse dos agentes privados na realização do acordo é o requisito da confissão expressa. Não está previsto na Lei de Improbidade Administrativa que o agente deve confessar a prática dos atos de improbidade para acessar o acordo de não persecução cível. Mas é possível condicionar o acordo à admissão da participação em atos de improbidade? O questionamento surge na medida em que o equivalente penal ao acordo cível exige, expressamente, a confissão do agente (artigo 28-A, Código de Processo Penal). A própria Advocacia-Geral da União, na Portaria Normativa nº 18, de 16 de julho de 2021, indicou como um dos requisitos do acordo a "admissão da participação nos atos ilícitos" (artigo 5º, I). Porém, é no mínimo controverso condicionar o acordo a um requisito que não foi expresso em lei e que não tem correspondente em qualquer das sanções já elencadas na Lei de Improbidade Administrativa.
Conclusão
A Lei 14.230/21 proporcionou um considerável avanço na aplicação de soluções consensuais às ações de improbidade administrativa na medida em que dispôs mais detalhadamente sobre o acordo de não persecução cível. O acordo é o mecanismo que encerra a ação de improbidade mediante a fixação e cumprimento de algumas condições, entre elas a reparação integral do dano e a reversão da vantagem indevida, e pode afastar a incidência das outras sanções previstas na lei.
Algumas dificuldades podem acabar reduzindo o interesse na celebração do acordo. Uma delas é o fato de que, apesar da inovação legislativa, ainda há pontos relevantes deixados em aberto, como o dos requisitos para a realização do acordo. Para suprir a ausência legislativa, proliferam-se orientações internas de órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral, o que pode prejudicar a previsibilidade dos requisitos e segurança jurídica do pactuado.
O acordo de não persecução cível é um instrumento de consensualidade promissor que seria consideravelmente beneficiado por disposições legais ainda mais específicas. Porém, na ausência dessas disposições, é preciso conduzir a negociação dos termos do acordo de forma a proporcionar vantagens reais aos agentes acusados de envolvimento em atos de improbidade ao mesmo tempo em que se promove a utilidade pública do acordo.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!