Operadores da máquina

Criação de cursos de Direito ajudou a desenvolver Estado após a independência

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6 de janeiro de 2022, 7h29

A criação dos cursos jurídicos no Brasil, em 1827, foi um marco no processo de independência, declarada em 1822. A abertura das faculdades de Direito de São Paulo e Olinda foi fundamental para desenvolver profissionais que operariam a máquina estatal, contribuiriam para a formação de leis e teriam papel preponderante na política nacional.

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Faculdade de Direito do Largo São Francisco foi, ao lado da de Olinda, a primeira a oferecer curso jurídico

Após chegar ao Rio de Janeiro, em 1808, D. João VI passou a tomar diversas medidas que iniciaram o processo de independência do Brasil, como a abertura dos portos às nações amigas e o fim da proibição de indústrias.

Nesse movimento, foram criados os primeiros cursos universitários do país. Em 1808, foram criadas as escolas de Cirurgia e Anatomia, em Salvador (hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia), e de Anatomia e Cirurgia, no Rio de Janeiro (atual Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro), e a Academia da Guarda Marinha, também no Rio. Dois anos depois, foi fundada a Academia Real Militar (atual Escola Nacional de Engenharia da UFRJ). Em 1814, foram abertos o curso de Agricultura e a Real Academia de Pintura e Escultura.

A discussão sobre a criação de cursos jurídicos no Brasil surgiu na Assembleia Nacional Constituinte de 1823, proposta por José Feliciano Fernandes Pinheiro, o Visconde de São Leopoldo, representante do Rio Grande do Sul. Ele fez o discurso que motivou a criação de uma comissão que estudaria a instalação de duas faculdades de Direito no Brasil. Com a dissolução da Assembleia por D. Pedro I e a outorga da Constituição do Império no ano seguinte, a comissão foi dissolvida, e o projeto, esquecido.

Três anos depois, quando o Visconde de São Leopoldo era ministro da Justiça, decretou a criação das faculdades de Direito: a do Largo São Francisco, em São Paulo, hoje parte de Universidade de São Paulo, e a de Olinda, em Pernambuco, que atualmente integra a Universidade Federal de Pernambuco. O decreto é do dia 11 de agosto, escolhido depois como Dia Nacional da Advocacia.

A criação dos cursos jurídicos foi fundamental na consolidação da independência do Brasil, afirma o advogado Sebastião Tojal, professor da Faculdade de Direito da USP. Afinal, o Direito é umas das formas de expressão da soberania de um país.

"Os cursos de Direito desenvolveriam a ideologia do ordenamento jurídico nacional e técnicos que soubessem criar e aplicar leis, além de operar a máquina burocrática pública", diz Tojal.

As faculdades de Direito também tiveram um papel importante na formação da elite política do país, aponta o presidente do Instituto Brasileiro de História do Direito (IBHD), professor Christian Edward Cyrill Lynch, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

"O Brasil independente, como qualquer país, carecia de técnicos legais encarregados de ocupar cargos como juízes, advogados, professores e promotores. Como não havia faculdades de direito até 1822, foi preciso criá-las para substituir Coimbra. Mas os bacharéis também serão o principal celeiro da elite política, formada por deputados e senadores. A partir da década de 1840, os bacharéis formados em São Paulo e em Pernambuco dominarão a vida política brasileira, prevalecendo sobre engenheiros e médicos", declara Lynch.

O colunista da ConJur Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, autor do livro Direito e História — uma relação equivocada (Edições Humanidades), lembra que, em decreto de 1825, D. Pedro I criou provisoriamente um curso jurídico no Brasil, que deveria ter instalações no Rio de Janeiro. A norma mencionava a necessidade de se comporem quadros burocráticos, os chamados "magistrados hábeis e inteligentes", reconhecendo a notória falta de bacharéis formados para o exercício da magistratura.

"Deve-se entender, nesse contexto, a transferência de um modelo português de administração da Justiça. Reconhecia-se também que a busca de conhecimento jurídico e burocrático em Coimbra ou nas demais necessidades europeias era providência inútil e incômoda, cujos frutos demandavam muitos investimentos, a par de um não menos expressivo e custoso período de tempo. Deve-se vincular a criação dos cursos jurídicos no Brasil ao desdobramento da independência, e talvez seja, do ponto de vista intelectual, seu fruto mais importante", avalia Godoy.

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