Opinião

Ataque hacker aos Correios pode gerar ação judicial

Autor

  • Gabriel de Britto Silva

    é advogado especializado em direito imobiliário e participante da comissão de arbitragem do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ubradim) e da OAB/RJ.

2 de janeiro de 2022, 12h11

Em meio ao possível ataque hacker ocorrido no site dos Correios nas vésperas do Natal, fazendo com que o mesmo estivesse fora do ar, o que poderia gerar, inclusive, a instabilidade de todo o sistema, nasceu a dúvida sobre a possibilidade de o consumidor ser indenizado por danos morais, fruto do atraso na entrega das mercadorias adquiridas, muitas delas tratando-se de presentes de Natal e da festa de virada do ano.  

Evidente a incidência das normas consumeristas, pois os Correios enquadram-se como uma empresa pública e o Código de Defesa do Consumidor também se estende aos órgãos e entidades regidos pelo Direito Público.

E, de acordo com o CDC, há responsabilidade objetiva, ou seja, independente da existência de culpa do prestador de serviços pelos danos causados, pelo simples fato de ocorrer a falha na prestação do serviço, conforme determina o seu artigo 14.

Dessa forma, não há de se analisar a culpa e também o ato ilícito quando o pedido pauta-se em contrato de consumo, bastando a existência de defeito do serviço, de dano e de nexo de causalidade entre o defeito do serviço e o dano. Provados tais requisitos, surge a responsabilidade civil, o dever de indenizar, de forma a reparar o dano sofrido.

Importante frisar que falha de sistema, ainda que advinda de ataque hacker, configura caso de fortuito interno, ou seja, aquele inerente ao risco da atividade, o que não gera excludente de responsabilidade civil. Em verdade, se houve ataque bem-sucedido, foi porque o sistema da empresa não estava suficientemente seguro. Logo, tal fundamento não pode ser utilizado em face do consumidor lesado.

Uma das consequências da aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso é a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor do consumidor, nos termos de seu artigo 6º, VIII, desde que presente a verossimilhança de suas alegações ou a hipossuficiência.

O atraso na entrega abala a segurança da relação quanto ao resultado e aos riscos que dela razoavelmente se esperam. E há precedentes da Turma Nacional de Uniformização dos Tribunais Regionais Federais e das turmas recursais federais no sentido de que são presumidos os danos morais decorrentes da frustração da entrega de encomenda ou correspondência.

Como exemplo, o Processo nº 0006715-16.2021.4.03.6301, cujo acórdão, de lavra da juíza federal Janaina Rodrigues Valle Gomes, da 12ª Turma Recursal de São Paulo, foi publicado no dia 19/11/2021:

"Comprovada falha na prestação do serviço pelos Correios e, tendo em vista que resta evidenciado, pela prova produzida nos autos, que o conteúdo da encomenda foi extraviado, entendo razoável o arbitramento do valor de R$ 3.000,00, o qual é suficiente para mitigar o constrangimento sofrido, sem gerar ao autor enriquecimento sem causa, e apenar a parte ré, a fim de que cuide para que não mais sucedam fatos semelhantes, servindo ao propósito de, a um só turno, indenizar o requerente pelos danos de ambas as naturezas sofridos moral e material (despesas com a postagem do objeto, dentre outras)".

As indenizações vão de R$ 1 mil a R$ 5 mil; de qualquer modo, cada caso é visto pelo juiz de acordo com as suas singularidades, e tais valores podem ser ainda maiores.

Assim que o prazo de entrega estiver expirado, é importante registrar uma reclamação no site dos Correios, no sentido de comprovar a falha ocorrida.

A ação judicial deverá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo da residência do consumidor, já que se trata de empresa estatal federal. É possível mover a ação sem a contratação de um advogado, embora não seja recomendado, pois os Correios, da parte dele, terão bons advogados de defesa.

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