Opinião

A imunidade dos templos e o esclarecimento do óbvio

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28 de fevereiro de 2022, 7h12

O Congresso Nacional promulgou no último dia 17 a Emenda Constitucional nº 116, que, em última análise, apenas replica o óbvio da garantia já contida no artigo 150, inciso VI, alínea "b", §4º, da Constituição, que já ressalta ser vedado a qualquer dos entes federados a exigência de impostos sobre templos religiosos, seja sobre seu patrimônio ou renda.

Para ficar mais claro, a disciplina original da Constituição Federal é taxativa ao afirmar que "(…) é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios (…) instituir impostos sobre (…) templos de qualquer culto" (artigo 150, inciso VI, alínea "b"). E ainda complementa, para não deixar dúvidas quanto a extensão do dispositivo, que "as vedações expressas no inciso VI, alíneas 'b' e 'c', compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas" (§4º do artigo 150).

Em resumo, trata-se de uma imunidade — porquanto no texto da Constituição — que atinge qualquer imposto que possa incidir sobre o patrimônio ou renda das organizações religiosas. A limitação constitucional, no caso, reside apenas no aspecto teleológico do patrimônio ou a renda sob enfoque hipotético da norma tributária, exigindo que esteja destinado à finalidade institucional da organização religiosa. Entretanto, nem mesmo essa limitação prejudica a incidência irrestrita do comando constitucional, pois as organizações religiosas, ao menos nos termos do artigo 44, inciso IV, do Código Civil têm por finalidade unicamente o proselitismo religioso, nada mais — mesmo quando exercem qualquer outra atividade, a renda é revertida à atividade religiosa por excelência.

De toda sorte, para além do aparente obstáculo, que poderia eventualmente sugerir a necessidade da emenda recém-promulgada, deve ser levado em consideração que a amplitude da diretriz imunizante tem um caráter tanto subjetivo quanto limitado e objetivo (no primeiro caso quando relaciona-se ao templo religioso em sentido abstrato, compreendendo, assim, a organização religiosa de maneira mais extensiva, e, no segundo caso, diante da designação "templo", que levaria à uma interpretação mais restritiva da norma).

Contudo, mesmo essa análise já foi de longa data superada pelo Supremo Tribunal Federal, primeiro com a edição da Súmula nº 724, de 2003, e depois pela Súmula Vinculante nº 52, de 2015, que a sucedeu. Diz a corte, no caso, que a imunidade gravada nas hipóteses desenhadas no §4º do artigo 150 da Constituição se impõe inclusive sobre imóveis locados, na medida em que a proteção indicada na norma visa ao patrimônio e a renda, e não necessariamente ao ambiente físico do templo em que é celebrado o culto ou a missa (serviços religiosos em geral).

Não se está aqui ignorando que a dicção da orientação da Suprema Corte tenha sido direcionada à hipótese de o templo religioso estar locando um imóvel de sua propriedade e, com efeito, auferindo renda que, por sua vez, estaria abrangida pela imunidade. Mas o fato é que do ponto de vista finalístico parece evidente que se o imóvel locado serve ao exercício da atividade religiosa e, mais, sua locação caracteriza renda em sentido contábil, não há como escapar da norma imunizante. Sobre o tema, registre-se, há uma coletânea infindável de precedentes no âmbito da Corte Constitucional brasileira.

Nesse contexto, ao menos visto de maneira ingênua, não faria qualquer sentido o Congresso Nacional se mobilizar no sentido do texto que ficou consolidado na Emenda Constitucional nº 116, que, de maneira insistente, diz o que já estava contido na disciplina constitucional já, inclusive, interpretada pelo Supremo Tribunal Federal.

Referida emenda, aliás, apenas acrescenta um novo parágrafo ao artigo 156 da Constituição, para deixar claro que o Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbano (IPTU) "não incide sobre templos de qualquer culto, ainda que as entidades abrangidas pela imunidade de que trata a alínea b do inciso VI do caput do artigo 150 desta Constituição sejam apenas locatárias do bem imóvel" (artigo 156, inciso I, §1º-A).

Ora, se o imóvel compreende o patrimônio ou o pagamento do aluguel representa supressão de renda, a lógica já consolidada na Súmula Vinculante nº 52, que interpreta o que já está evidenciado no texto do artigo 150, inciso VI, alínea "b", §4º da Constituição, é evidente a incidência da norma constitucional de imunidade. Ou seja, nos parece absolutamente desnecessário uma emenda constitucional para exigir o óbvio do Estado, ou seja, exigir que o Estado, em todas as dimensões federativas, deixe de exigir IPTU das organizações religiosas. Afinal, como ensinado na graduação, ao menos regra geral, impostos são os tributos que começam com a letra "i" — curiosamente, é o caso do IPTU.

E é por essa razão é que se diz que a emenda diz o óbvio e replica o evidente. Mas como bem se sabe que a ânsia arrecadadora do Estado não é muito afeta a diretrizes constitucionais e interpretações oferecidas pelo Supremo Tribunal Federal, podemos crer que essa Emenda nº116 é direcionada especificamente aos órgãos de fiscalização. Como um grito para que cumpram a Constituição brasileira.

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