Processo Tributário

Desistência do mandado de segurança e os efeitos dela decorrentes

Autores

  • Danilo Monteiro de Castro

    é advogado doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professor do Ibet juiz do TIT-SP pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e integrante do grupo de trabalho de Direito Processual Tributário do IBDP.

  • Vanessa Damasceno Rosa de Spina

    é advogada mestranda em Direito Tributário pela FGV-SP especialista em Direito Tributário pelo Ibet L.L.M. em Direito Empresarial pelo CEU professora do curso de extensão do Processo Tributário Analítico do Ibet e pesquisadora do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

27 de fevereiro de 2022, 8h00

Muitas controvérsias existem quando do uso do mandado de segurança, não só por ser uma ação de rito especial, mas, também, por estar prevista em norma (Lei nº 12.016/09) que não alberga diversas questões de ordem processual merecedoras, ou não, de específica regulamentação.

É sobre uma dessas situações que se volta este artigo: a ausência de tratamento normativo acerca do pedido de desistência e os efeitos dele decorrentes. E a questão que nos propomos a responder é: será mesmo que estamos diante de uma lacuna legal? Já adiantamos a resposta: não.

A Lei do Mandado de Segurança nada dispõe a respeito da desistência da ação, tratando, apenas, das situações em que a impetração pode ser renovada (artigo 6, §6º) [1] ou quando o direito pretendido pode ser exercido por meio de ações de rito comum (artigo 19) [2]. Hipóteses essas conectadas pelo ponto comum da ausência de julgamento de mérito da ação anteriormente proposta e extinta.

É inegável que as regras processuais constantes na legislação geral, no Código de Processo Civil, naquilo que tratam do pedido de desistência da ação, devem ser aplicadas ao mandado de segurança, já que a omissão da legislação especial convoca necessariamente a aplicação das regras da legislação geral subsidiariamente. O problema dessa nossa afirmação, é: no entendimento do Supremo Tribunal Federal, as limitações previstas nos §§ 4º e 5º do artigo 485 [3], quais sejam, anuência do réu quando o pedido de desistência se der depois da contestação e desistência somente permitida até a prolação da sentença, não se aplicam.

Diante das diferenças existentes entre as ações de rito comum, cabíveis em qualquer tipo de relação jurídica, e o específico instrumento processual do mandado de segurança, atinente a relações jurídicas de direito público, haveria implicações no tocante aos efeitos do pedido de desistência, que impactariam a aplicação da legislação processual geral?

Nas oportunidades anteriores em que analisamos o mandado de segurança, deixamos firme nossa posição de que se trata de um específico instrumento processual, com previsão constitucional, voltado à resolução de conflitos de direito público, gênero do qual os conflitos tributários são espécie.

Daí o porquê, para ser utilizado, deve atender aos pressupostos que lhe são cabíveis — existência de direito líquido e certo e ato de autoridade, assim entendido o ato exarado ou a ser exarado por agente público (ou a ele equiparado).

Essa característica — resolução de questões de direito público — traz consigo uma premissa pertinente às regras de direito público consistente na presunção de legalidade do ato administrativo, qual seja, improcedente o writ (inclusive se a resolução for sem julgamento do mérito) mantém-se intacto esse ato, que, diante da sua impositividade, será imediatamente aplicado.

O ponto é: diante de referida especificidade do mandado de segurança, teríamos alguma alteração nas regras inerentes ao requerimento de desistência? Não teríamos de observar as limitações previstas nos §§4º e 5º do artigo 485, CPC?

A resposta a esses questionamentos foi dada pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 669.367 [4], com repercussão geral do tema, no sentido de que o impetrante pode desistir a qualquer momento do mandado de segurança (inclusive após a prolação de sentença de mérito), sem a anuência do impetrado e, principalmente, a implicar em resolução do feito sem análise do seu mérito (cenário a permitir novo ajuizamento; até mesmo pela via ordinária).

A justificativa para essa construção seria a de que uma ação que tenha como litígio questão de natureza privada, quaisquer das partes têm interesse no julgamento de mérito, seja o autor para executar a decisão que lhe for favorável, seja o réu para impedir que o autor discuta novamente aquela questão em momento futuro. Eis a importância de o réu ser ouvido caso o autor desista da ação depois de apresentada a contestação. Já nas ações que tenham por discussão relações de natureza pública, das quais as questões tributárias fazem parte, embora a decisão de mérito seja relevante, ela apenas introduziria alteração na relação jurídica se fosse favorável ao impetrante, cenário a motivar o entendimento pela possibilidade de a desistência do writ se dar em qualquer momento, inclusive após a existência de sentença com julgamento do mérito, implicando a extinção sem resolução do mérito.

Todavia, o mesmo não ocorre se estivermos diante de uma ação de rito comum, mesmo versando sobre direito público, pois, aquelas limitações processuais inerentes ao requerimento de desistência que consagre a extinção sem julgamento de mérito também estão presentes (somente permitida até a prolação da sentença, e, sem a concordância da parte contrária, até a oferta de contestação).

Soa-nos estranho esse tratamento específico dado ao mandado de segurança, que permite dele desistir mesmo após o pronunciamento de mérito (sentença; acórdão etc.) e, a despeito disso (análise de mérito da questão objeto do writ), convocar um pronunciamento que extinga a ação mandamental sem julgamento de mérito.

Rodrigo Dalla Pria destaca essa incoerência:

"…Não nos parece razoável que se continue a dar guarida à ideia de que o fato de o mandado de segurança ter por objeto, exclusivamente, a legalidade do ato impetrado implicaria a ausência de ‘confronto’ entre os interesses das partes impetrantes e impetradas, de modo que o pedido de desistência somente resultaria na mantença do status quo ante.
Ora, se um mandado de segurança contra ato de cobrança de tributo não colocar em confronto, como pugna a abalizada doutrina em questão, ‘direitos das partes’ impetrante (o direito de não ser tributado de forma ilegal) e impetrada (o direito de tributar), difícil dizer o que teria o condão de fazê-lo"
[5].

De toda sorte, o entendimento vencedor (RE 669.367) autoriza essa desistência a qualquer tempo, a implicar em resolução do feito sem julgamento do mérito, situação que traz uma vantagem adicional ao mandado de segurança quando em comparação com as demais ferramentas processuais de rito comum, pois permite a não consumação da coisa julgada material (sentença denegatória de mérito da segurança, por exemplo, ainda não passada em julgado) mediante mero pedido de desistência (aqui teremos, apenas, coisa julgada formal) [6].

Essa é uma questão estratégico-processual de suma importância, que precisa ser conhecida pelos operadores do Direito, já que pode fomentar a adoção de caminhos outros, impossíveis de serem seguidos se a ação antiexacional inicialmente proposta for de rito comum.

 


[1] Lei 12.016/09: "Artigo 6º — (…)
§ 6º – O pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito."

[2] Lei 12.016/09: "Artigo 19 — A sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais."

[3] CPC: "Art. 485 — (…)
§ 4º – Oferecida a contestação, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação.
§ 5º – A desistência da ação pode ser apresentada até a sentença."

[4] "EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL ADMITIDA. PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE DESISTÊNCIA DEDUZIDO APÓS A PROLAÇÃO DE SENTENÇA. ADMISSIBILIDADE. "É lícito ao impetrante desistir da ação de mandado de segurança, independentemente de aquiescência da autoridade apontada como coatora ou da entidade estatal interessada ou, ainda, quando for o caso, dos litisconsortes passivos necessários" (MS 26.890-AgR/DF, Pleno, ministro Celso de Mello, DJe de 23/10/2009), "a qualquer momento antes do término do julgamento" (MS 24.584-AgR/DF, Pleno, ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 20/6/2008), "mesmo após eventual sentença concessiva do 'writ; constitucional, (…) não se aplicando, em tal hipótese, a norma inscrita no artigo 267, § 4º, do CPC" (RE 255.837-AgR/PR, 2ª Turma, ministro Celso de Mello, DJe de 27/11/2009). Jurisprudência desta Suprema Corte reiterada em repercussão geral" (Tema 530 — Desistência em mandado de segurança, sem aquiescência da parte contrária, após prolação de sentença de mérito, ainda que favorável ao impetrante). Recurso extraordinário provido. (RE 669.367, relator(a): LUIZ FUX, relator(a) p/ acórdão: ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 2/5/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL — MÉRITO DJe-213 DIVULG. 29/10/2014 PUBLIC. 30/10/2014 RTJ VOL-00235-01 PP-00280).

[5] DALLA PRIA, Rodrigo. Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 422.

[6] "…apõe-se à sentença, a partir de determinado momento, o selo da imutabilidade, com extensão menor ou maior, conforme se exclua apenas nova cognição sobre o mesmo objeto no processo em que for proferida a sentença, ou em qualquer outro eventual processo. Como é notório, no primeiro caso fala-se de coisa julgada formal; no segundo, de coisa julgada material." (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Eficácia da Sentença e Autoridade da Coisa Julgada. Revista de Processo nº 34, São Paulo : RT, 1984, p. 275).

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