Opinião

Sobre a natureza jurídica dos planos de previdência privada individual aberta

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23 de fevereiro de 2022, 20h39

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em breve, no julgamento do REsp 1.676.801/MG, terá a oportunidade de definir se os planos de previdência privada individual aberta têm natureza jurídica previdenciária, securitária ou de ativo financeiro.

Atualmente, o STJ, em relação a tais planos de previdência privada, ora atribuiu a esses natureza jurídica de ativo financeiro, ora previdenciária ou securitária.

As 3ª e 4ª Turmas do STJ, em vários julgamentos (REsp 1.880.056/SE, REsp 1.698.774/RS, REsp 1.726.577/SP, AgInt no AREsp 921.715/SP, REsp 1.593.026/SP e AgInt no AREsp 1813193/SP), entendem que quando os planos se encontram na fase de acumulação, de aporte das contribuições e formação do patrimônio, em que há múltiplas possibilidades de depósitos, aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza jurídica de tais planos de previdência seria de investimento, mera aplicação financeira.

Por outro lado, as 1ª e 2ª Turmas do STJ, por diversas vezes (AgInt no AREsp 1702870/RS, AgInt no AREsp 1847351/RS, REsp 1963482/RS, REsp 1961488/RS, REsp 1961488/RS), concluíram que a natureza jurídica dos referidos planos seria previdenciária ou securitária.

A solução de tal aparente divergência jurisprudencial, a meu ver, toca mais à área, digamos, da contabilidade do que à do direito.

O §1º do artigo 76 da Lei Federal nº 11.196/2005, explica que:

"Durante o período de acumulação, a remuneração da provisão matemática de benefícios a conceder, dos planos e dos seguros referidos no caput deste artigo, terá por base a rentabilidade da carteira de investimentos dos respectivos fundos".

Dessa forma, quando os planos de previdência privada se encontrarem em tal período, sua natureza será de ativo financeiro, investimento, sendo tais valores sujeitos à partilha em qualquer das hipóteses de dissolução da sociedade conjugal [1] ou de transmissão causa mortis, assim como o montante existente em tal aplicação será integralmente penhorável [2] (artigo 835, I, CPC). Nessa situação, eventual indicação de beneficiários para recebimento de valores, em decorrência da morte do titular do plano, deverá ser sumariamente desconsiderada.

Agora, caso o titular do plano de previdência privada já tenha ultrapassado o período de acumulação, recebendo, por exemplo, em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo do período anterior, aí a natureza jurídica passará a ser previdenciária, ou, no caso de óbito do titular, securitária. Adquirindo a natureza jurídica previdenciária, os valores anteriormente acumulados passam a ser, em regra, impenhoráveis [3], sendo automaticamente excluídos da comunhão patrimonial [4] [5]. Com a morte do titular do plano, o saldo financeiro remanescente será rateado, a título de indenização securitária [6], aos beneficiários por ele indicados, ou, na falta de nomeação, a seus herdeiros e eventual meeiro ou meeira [7].

Para se aferir em qual período o plano de previdência privada aberta se encontra, acumulação ou recebimento de benefício de caráter continuado, é simples, basta analisar a quem está atrelada a propriedade das quotas dos fundos de investimento, conforme ensina o artigo 82 da Lei Federal nº 11.196/2005, abaixo transcrito:

"A concessão de benefício de caráter continuado por plano ou seguro estruturado na forma do artigo 76 desta Lei importará na transferência da propriedade das quotas dos fundos a que esteja vinculado o respectivo plano ou seguro para a entidade aberta de previdência complementar ou a sociedade seguradora responsável pela concessão".

Dessa feita, os planos de previdência privada aberta só ostentarão a natureza jurídica previdenciária ou securitária a partir do momento no qual a propriedade das quotas dos fundos de investimentos for transferida para as entidades abertas de previdência complementar ou das sociedades seguradoras responsáveis. Já nos demais casos, a natureza jurídica de tais planos será sempre de ativo financeiro, investimento.

 


[1] "Artigo 1.571 – A sociedade conjugal termina: I – pela morte de um dos cônjuges; II – pela nulidade ou anulação do casamento; III – pela separação judicial; IV – pelo divórcio".

[2] "Código de Processo Civil. Artigo 835 – A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira".

[3] "Código de Processo Civil. Artigo 833 – São impenhoráveis: (…). IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o §2º".

[4] "Código Civil. Artigo 1.659 – Excluem-se da comunhão: (…). VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes".

[5] "Código Civil. Artigo 1.668 – São excluídos da comunhão: (…). V – Os bens referidos nos incisos V a VII do artigo 1.659".

[6] "Código civil. Artigo 794 – No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito".

[7] "Artigo 792 – Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação hereditária".

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