Paradoxo da Corte

Prescrição da ação monitória para cobrança de cédula de crédito bancário

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

22 de fevereiro de 2022, 8h00

Inadimplida a obrigação em seu tempo e modo, o credor de um título de crédito, para satisfazer-se de seu direito, recorre, em regra, à via executiva. No entanto, pode ocorrer que a exigibilidade por meio dessa vertente processual encontre-se fulminada pela passagem do tempo. A prescrição é, pois, um fenômeno "pré-processual", que pode ser arguido pelo réu.

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A opção escolhida pelo legislador, como pondera José Fernando Simão ("Prescrição e decadência", São Paulo, Atlas, 2013, p. 72), tem como primordiais objetivos, de um lado, "a celeridade na prestação jurisdicional, como decorrência de uma política judiciária de redução de processos", e, de outro, imprimir segurança jurídica aos jurisdicionados.

É certo que desde a promulgação do Código Civil de 2002 não existe mais dúvida quanto à boa técnica da lei, a qual estabelece, claramente, as distinções entre prescrição e decadência.

Consoante o artigo 189 do Código Civil, violado o direito, nasce a pretensão para o seu titular, a qual é extinta, entre outras razões, pelo decurso de certo período de tempo. Esse lapso é denominado prescrição ou prazo prescricional.

Assim, nesses casos, o credor pode muito bem valer-se da ação monitória, quando portador de um título de crédito despido de eficácia executiva por força da prescrição ou, ainda que eficaz in executivis, a praça de pagamento constante do título seja uma capital de país estrangeiro.

O cheque, por exemplo, despe-se de potencialidade executiva pela expiração do tempo de apresentação: sete meses, contados da data da emissão, desde que pagável na mesma praça, ou oito meses, quando for de outra praça. Nessa hipótese, destrói-se a característica de título cambiariforme do cheque, passando a constituir mero quirógrafo, apto entretanto a evidenciar, como documento escrito, o crédito, em ação de conhecimento (cf. Fran Martins, "Títulos de crédito, v. 2", 9ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1995, p. 148).

Ressalte-se que a Lei 7.357/85 (Lei do Cheque) contempla uma ação, lastreada no locupletamento injustificado do devedor, na qual ainda se preserva a natureza cambiária.

Preceitua o artigo 61 do citado diploma que: "A ação de enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se locupletaram injustamente com o não pagamento do cheque prescreve em dois anos, contados do dia em que se consumar a prescrição prevista no artigo 59 e seu parágrafo desta lei". Assim, conta ainda o credor com a possibilidade no prazo de dois anos após consumada a prescrição de ajuizar, contra o emitente do cheque ou outros obrigados, ação de locupletamento ilícito. A ação mencionada é de natureza cambiária porque baseada exclusivamente no fato do não pagamento do cheque.

E, por continuar a preservar não a eficácia, mas a abstração que conota os títulos de crédito, a causa petendi dessa ação de conhecimento guarda mais similitude com aquela deduzida na ação de execução, restringindo-se ela na apresentação pelo demandante-credor do documento (cheque) e na alegação do superveniente inadimplemento.

Não mais dispondo da ação in executivis, o credor poderá lançar mão do processo de conhecimento, ajuizando, dentro daquele referido prazo, ação monitória ou ação de cognição (limitada ex vi legis) para obter a condenação do devedor.

Em situação análoga, importante precedente da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, com fulcro no artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do Código Civil, estabeleceu em cinco anos o prazo prescricional aplicável à cobrança, por meio de ação monitória, de dívida lastreada em cédula de crédito bancário.

A tese, segundo precisa informação fornecida pelo sítio eletrônico da referida corte de Justiça, foi sufragada no julgamento do Recurso Especial nº 1.940.996/SP, com voto condutor do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em hipótese na qual uma empresa, devedora principal na ação monitória, alegava que o prazo prescricional não seria de cinco, mas de três anos, nos termos do artigo 70 da Lei Uniforme de Genebra, combinado com o artigo 44 da Lei 10.931/2004.

Extrai-se do acórdão a premissa, exposta de forma segura e clara, de que "a ação cambial pode ser traduzida na legislação brasileira, em regra, como sendo de execução forçada", visto que, a teor do artigo 784 do Código de Processo Civil, os títulos de crédito são catalogados entre os títulos executivos extrajudiciais.

Assim é que:

"A execução aparelhada com título de crédito, isto é, fundada na declaração cartular, tem seu prazo prescricional regido pela Lei Uniforme de Genebra (LUG) ou pelo artigo 206, parágrafo 3º, inciso VIII, do Código Civil, a depender do título que a instrui.
No caso específico da cédula de crédito bancário, o artigo 44 da Lei 10.931/2004 prevê que é aplicável, no que couber, a legislação cambial, de modo que o prazo é o trienal, estabelecido pela LUG".

Não obstante, como acima esclarecido, prescrita a ação de execução, ainda se faz possível a exigência do crédito por meio da ação monitória ou de ação pelo procedimento comum, "no qual o título serve apenas como prova (documento probatório) e não mais como título executivo extrajudicial (documento dispositivo), resumindo-se a discussão à causa da obrigação" (cf., ainda, a ratio decidendi do acórdão).

Com efeito, tratando-se de ação causal, baseia-se ela no negócio jurídico subjacente, que deu origem ao título, tendo como causa de pedir o descumprimento dos termos do respectivo negócio. Em seu bojo, "não se discute o cumprimento da obrigação emergente do título de crédito, mas o cumprimento da relação jurídica fundamental".

Na situação então vertente, o ministro relator Villas Bôas Cueva assinalou que a cédula de crédito que instruiu a ação monitória venceu em outubro de 2012, de modo que, na data da propositura da demanda, em outubro de 2017 já havia decorrido o prazo de três anos da pretensão de natureza executiva.

Desse modo  continua o acórdão:

"A cédula de crédito bancário, nos termos do artigo 26 da Lei 10.931/2004, representa promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito, de qualquer modalidade. O artigo 28 da referida lei acrescenta que a cédula representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta corrente.
Conclui-se, diante disso, que se trata de dívida líquida constante de instrumento particular. Nesse contexto, a pretensão de sua cobrança prescreve em cinco anos, nos termos do artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do Código Civil…".

Ressalte-se, outrossim, que em consonância com a orientação que predomina no Superior Tribunal de Justiça, a pretensão de cobrança começa a correr a partir do vencimento da obrigação inadimplida. De sorte que, "vencida a obrigação em 26.10.2012 e proposta a ação monitória em 26.10.2017, um dia antes de transcorrer o prazo quinquenal, a pretensão não está prescrita".

Diante desse cenário, restou então assentado, à unanimidade de votos, que o lapso prescricional para o ajuizamento da ação de conhecimento visando a cobrar débito derivado de cédula de crédito bancário (a exemplo do que ocorre com o cheque) não é simétrico ao da ação cambial, uma vez que a prescrição será regida pelo prazo incidente sobre o negócio jurídico (cinco anos), e não aquele previsto para a execução da cártula (três anos).

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