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"Faculdades deveriam ter recursos tecnológicos análogos aos de tribunais"

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20 de fevereiro de 2022, 9h48

A crise sanitária forçou a todos a criação repentina de mecanismos para tentar assegurar o funcionamento das instituições sociais políticas, jurídicas e econômicas. Com a educação não foi diferente. Escolas e faculdades — públicas e privadas — tiveram que, às pressas, fazer uso da tecnologia para que as aulas pudessem ocorrer remotamente. Para além do desafio técnico, impôs-se também o desafio pedagógico. 

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Entre acertos e atropelos, ganhos e perdas, algumas práticas tendem a ficar. É o que pensa Celso Fernandes Campilongo, novo diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo — sua posse e a da nova vice-diretora, Ana Elisa Bechara, acontece nesta segunda-feira (21/2). 

Em um momento em que planejamentos mais duradouros já podem começar a ser feitos, diz acreditar que a tendência do ensino jurídico no país é a adoção de um regime pedagógico híbrido. Como exemplo, ele menciona disciplinas que serão ministradas presencialmente, mas que podem contar com a participação remota de professores que estão em outros países. 

Ele também aponta que um dos principais desafios para os cursos de Direito em geral nos próximos anos será apresentar aos alunos ferramentas tecnológicas que estejam nos mesmos níveis daquelas usadas em tribunais e escritórios, para preparar os novos profissionais para as demandas práticas da profissão.

"A advocacia moderna e o juiz moderno têm que saber lidar com essas coisas todas, inteligência artificial, algoritmo, com essa capacidade de lidar com big data. Mas qual o treinamento que as faculdades de Direito oferecem hoje para ensinar a generalidade dos casos? Nenhum", pondera.

Formando em Direito pela USP — onde também fez mestrado e doutorado e onde é professor de Filosofia e Teoria Geral do Direito —, Campilongo deu entrevista à ConJur no final de janeiro. Um dos assuntos da conversa foi o desempenho das faculdades de Direito.

Segundo um ranking divulgado no começo do ano, 90% das faculdades (de um universo de 790) aprovaram menos de 30% dos seus alunos no Exame Nacional da OAB, no período de 2017 a 2019. A lista é liderada pela FGV-RJ, com 79,33% de aprovação, seguida pela USP (73,64%) e UFMG. Ainda segundo o levantamento, apenas 5,4% (43) faculdades aprovaram mais da metade de seu alunado. Entre essas, cinco são privadas: além da FGV-RJ, FGV-SP, Faculdade de Direito de Vitória, PUC-Rio, Escola de Direito e de Administração Pública do IDP e PUC-SP.

Para Campilongo, não se trata de um fenômeno exatamente novo, pois remonta aos anos 1970. A saída, segundo ele, passaria por um controle maior do Ministério da Educação, da OAB e das próprias faculdades.

Entre outros assuntos, o novo diretro também falou sobre cotas raciais e sociais, estágio na graduação e os desafios que as transformações tecnológicas no Direito imporão às faculdades.

Confira os principais trechos da entrevista:

ConJur Em um cenário ideal, sem crise sanitária, o senhor acha que o ensino jurídico será integralmente presencial?
Celso Campilongo  Dificilmente será integralmente presencial. Acho que teremos uma boa parte de coisas virtuais ou híbridas. E outra, o futuro é sempre incerto, mas hoje está muito difícil de fazer qualquer previsão. No dia 21 de fevereiro, tomo posse como diretor [da Faculdade de Direito da USP]. Quero que a minha posse seja presencial. Tenho alguma garantia de que será assim? Nenhuma. Ao contrário, o meu palpite é que não será. Mas como posso garantir que a posse do diretor será presencial ou que a semana de recepção aos calouros será presencial? Claro que é mais fácil fazer presencial, dá menos trabalho, mas vamos deixar tudo preparado também para um "plano B", para que seja no virtual. Hoje não há condição para prever nada. O futuro sempre foi incerto, mas está incerto demais nessas condições de pandemia.

ConJur Mas, apesar da imprevisibilidade atual, a tendência então é que a médio ou longo prazo o ensino seja em regime híbrido?
Celso Campilongo
Acho que para muita coisa, sim. Por exemplo, no ano passado dei um curso na pós-graduação a respeito da obra do [jurista americano] Frederick Schauer, sobre o livro A Força do Direito. O André Luiz Freire [professor do Departamento de Teoria Geral do Direito da PUC-SP] é amigo do Schauer, traduzimos e fizemos uma revisão desse livro, que deve sair nos próximos meses. Mas ele [Schauer] participou virtualmente da última aula do curso, depois de os alunos terem lido seu livro inteiro. Coisas desse tipo, ainda que fosse tudo presencial, os professores aprenderam a fazer. Nos próximos anos, você acha que os professores, voltando ao presencial, vão perder a oportunidade de chamar alguém para dar uma aula virtual — por exemplo, dos Estados Unidos  para os alunos da graduação? Eles não vão perder essa chance. Especialmente as relacionadas com internacionalização, intercâmbio, presença de professores estrangeiros, isso tende a diminuir no presencial e continuar a aumentar no virtual.

Tinha professores que ensinavam no exterior no período da pandemia e professores que puderam seguir com os seus estudos nesse período; escreveram livros, fizeram pós-doutorado, sanduíche, e continuaram a dar os seus cursos onde estivessem, porque era possível fazer isso virtualmente. Tem algum sentido proibir um professor de ir para o exterior passar seis meses porque ele não poderia dar aula presencial? Me parece razoável, a internacionalização é interesse da universidade, e também que o professor estude e se aprimore. Essas coisas continuarão muito fortes virtualmente nos próximos anos. Em pouca coisa eu tenho uma fé inabalável, mas nisso eu tenho.

ConJur O Brasil é um dos países que mais têm faculdades de Direito, mas muitas delas vêm tendo desempenho preocupante. Por exemplo, um estudo recente mostra que 90% das instituições aprovaram menos de 30% de seus alunos no Exame da OAB. O que nos levou a esse cenário e o que o senhor acha que é preciso mudar para tentar revertê-lo?
Celso Campilongo
 Acho que uma das causas foi a falta de controle, a expansão demasiada de escolas privadas de qualidade muitíssimo duvidosa — são as escolas privadas que têm o pior desempenho, mas isso não significa que não existam exceções. Isso já está na origem. O ensino jurídico brasileiro não era grande coisa até 1964, mas basicamente o que havia eram escolas públicas e poucas faculdades. Em 1970, as cerca de 34 faculdades saltaram para 134, sendo que as novas eram quase todas privadas. O caminho já estava delineado aí. Dali para cá isso só piorou, porque as públicas não cresceram na mesma proporção, e as particulares cresceram de uma forma descontrolada. Não tenho nada contra existir escola particular, mas desde que tenham qualidade. E, do ponto de vista da qualidade, têm deixado muito a desejar. E não é de hoje.

Os dados de hoje até que são mais brandos que os de algumas décadas atrás, quando o exame de Ordem era estadual. Por exemplo, no estado de São Paulo chegamos a ter uma média de 90% de reprovação. A USP e a PUC-SP, em muito anos, tinham em média 90% de aprovação. Bom, se é assim, então imagino que a gente tinha muito mais escolas há 15, 20 anos que não aprovavam ninguém. Para dar essa média, tinha muita escola que aprovava 5%, 6% do alunado.

Quer dizer, uma escola que não é capaz de aprovar 20% dos seus egressos no Exame de Ordem está fazendo o quê? Enfim, é uma coisa criminosa do ponto de vista pedagógico, educacional, do interesse do país. Alguém poderia dizer que é melhor que tenha toda essa turma fazendo curso superior do que fora da universidade. Mas isso é duvidoso. Será que essa mão de obra é qualificada para trabalhar em outros setores? Aí então o engodo é completo, a enganação é uma barbaridade.

ConJur E para reverter esse quadro?
Celso Campilongo
Acho que muitas dessas escolas deveriam ser fechadas. Essas que têm um desempenho pífio há vários anos — esse ranking retrata apenas os últimos três anos. Tem escolas que repetidamente são reincidentes nesse péssimo desempenho. O controle deveria ser muito mais rígido, já que algumas dessas escolas não têm realmente condição de continuar funcionando. Deveriam passar por algum critério, de correção rápida e incisiva desses resultados, ou então ser fechadas. Em parte, a gente não pode atribuir isso exclusivamente às escolas. Não duvido de que existam escolas com bons professores, com uma estrutura razoável.

ConJur A quem caberia esse controle?
Celso Campilongo
 A Ordem tem que ter um papel nisso. Acho que não podemos excluir a OAB disso, mas não é apenas um problema da entidade. É claro que ela tem um tipo de preocupação de caráter muito corporativo nessa história. É um pouco restringir o ingresso no mercado de trabalho, restringir a concorrência. Então tudo isso pesa contra a atuação da entidade. Mas, por outro lado, ela também tem a percepção de que é preciso manter um padrão mínimo de qualidade nos próprios serviços advocatícios. Então, a OAB não pode ser afastada. Mas acho que esse é um papel principalmente do Ministério da Educação e das faculdades de Direito.

ConJur — O senhor mencionou que o índice de aprovação na Ordem de algumas faculdades de excelência, como a USP e a PUC-SP, chegou a ser na casa dos 90%. Nesse último ranking, no entanto, a USP teve uma média pouco acima dos 70% O ensino público jurídico no país também está passando por dificuldades?
Celso Campilongo
Um levantamento sobre as faculdades paulistanas, com dados de 12 exames da OAB, do 21º ao 32º, mostra que tem havido certa estabilidade. Aliás, nos últimos exames a USP teve até um percentual acima da própria média, já que é a primeira do ranking. A média desses últimos 12 exames é de 67,89% de aprovação. No 32º Exame, foi de 71,22%. Em segundo lugar vem a Fundação Getulio Vargas, com 54,47%, mas que manda ao Exame de Ordem um número de alunos bem menor. A PUC-SP, em terceiro, tem 52,24% e o Mackenzie, 40,35%. E todas essas escolas tiveram um desempenho melhor, nos últimos dois anos, do que suas próprias médias. A média da FGV, por exemplo, foi de 66,04% e 61,82% nas duas últimas provas consideradas. E da PUC-SP, cerca de 55%. Claro que tudo isso depende, também, da dificuldade da prova. 

ConJur — E independentemente desse ranking, há dificuldades?
Celso Campilongo Há uma intercorrência muito séria, que é o fato de ter tido nos últimos dois anos apenas ensino a distância. Acho que isso tem um grande impacto e faz um estrago danado para todas as faculdades de Direito. Tudo isso é muito preocupante porque as escolas públicas até agora têm salvado um pouco esses indicadores, mas se começarmos a verificar um decréscimo na qualidade das públicas, aí vai sobrar o quê? Surge uma situação muito difícil. Mas tem muitas coisas que afetam o ensino jurídico. E, sinceramente, o impacto da Covid sobre o ensino de forma geral é uma delas, e não podemos excluir o ensino superior disso.

ConJur — E já se sabe o tamanho do estrago?
Celso Campilongo — É muito difícil quantificar, mensurar esse impacto. Digamos que alguns indicadores estejam corretos, até porque alguns países avançaram mais que outros, mas a média indica que as notas nas avaliações melhoraram em 30 a 40% e duvido que o fator tenha sido de que o virtual é melhor do que presencial. Acho que é tudo, menos isso. Pode ser um pouco de pena dos professores, porque estavam todos no virtual, e não queriam ser tão inflexíveis.

De outro lado, os indicadores também mostram que, no primeiro ano da pandemia, nos primeiros meses, 70% dos professores e 60% dos alunos disseram que tiveram alguma dificuldade para se adaptar. Estou falando em ensino superior. Então, uma coisa não bate com a outra. Agora, imagine o estrago que isso provoca numa formação jurídica que já não é boa. Imagine ficar dois anos fazendo ensino virtual…

Em um curso de cinco anos, imagine ficar dois sem controlar a escrita individual dos alunos. Não é preciso ser um gênio da língua portuguesa ou um professor muito tarimbado de português para imaginar que a escrita é treino. É dia a dia, continuidade do treinamento, do exercício. O sujeito que fica dois anos sem escrever nada perde a mão. 

Outro impacto extraordinário no curso jurídico são as transformações tecnológicas. O uso intensivo da tecnologia é hoje, na minha maneira de ver, muito mais intensivo nos escritórios e nos tribunais do que nas faculdades de Direito. É um problema também para a formação do jurista, porque não estamos cuidando, e isso envolve algo que os cursos de Direito normalmente não exigiam, que é o investimento em tecnologia, em suporte, em laboratório.

Nas faculdades de Medicina, de Ciências Biológicas, das engenharias, os recursos nessas áreas são de uma infraestrutura mais custosa, mais pesada, que sempre existiu. E com as novas tecnologias você precisa se adaptar a essas exigências. Mas no caso dos cursos de Direito é uma novidade, porque não fazemos o uso intensivo de laboratório, nem de tecnologia. Mas acho que, para entender o que está se passando nos tribunais e nos escritórios, as faculdades de Direito deveriam ter recursos tecnológicos análogos àqueles utilizados por tribunais e por escritórios. E consequentemente oferecer um treinamento para isso. A advocacia moderna e o juiz moderno têm que saber lidar com essas coisas todas, inteligência artificial, algoritmo, com essa capacidade de lidar com big data. Mas qual o treinamento que as faculdades de Direito oferecem hoje para ensinar a generalidade dos casos? Nenhum. 

ConJur — A USP vem gradativamente aumentando as cotas sociais e raciais. Como está essa questão na Faculdade de Direito?
Celso Campilongo — Até pouco tempo dava-se um bônus para quem vinha de escola pública, mas isso mudou muito. O perfil étnico do alunado e o perfil socioeconômico da USP de um modo geral mudaram bastante. Tivemos gradualmente uma expansão das cotas para quem veio de escola pública e cota étnica. Então, de cinco anos para cá, partimos de um percentual de cotas de 25% para atingir gradualmente mais 5% ao ano, de forma a que no ano passado, 2021, tínhamos 40% de cotas. E este ano passaremos a ter 45%.

Enfim, temos aí uma mudança que é muito significativa. Os indicadores que temos não são de uma queda na qualidade do alunado. Para você ter uma ideia, o vestibular pelo Enem é muito mais concorrido do que o da Fuvest, na proporção aluno/vaga. Você poderia dizer que o aluno que faz Fuvest estudou em cursinho ou colégio particular, inglês e tudo mais, e por isso seria mais competitivo. Você tem em média 32 ou 35 candidatos por vaga para a Fuvest e tem uma média de 80 ou 85 para as cotas. Quer dizer, em tese é muito mais concorrido o vestibular por cota que o vestibular da Fuvest. O que importa é que, no frigir dos ovos, acho que a qualidade do aluno não muda tanto. 

Mas surge um outro problema, que é o da inclusão e da permanência. Quando o Floriano [de Azevedo Marques Neto, diretor da Faculdade até fevereiro de 2022] começou sua gestão — e eu como vice-diretor —, tínhamos uma preocupação com a permanência dos alunos e quantos poderiam se interessar e procurar o nosso programa de bolsas, que era tímido. No começo, não tinha tanta divulgação das bolsas, do programa, que é o "Adote um Aluno".

No primeiro ano do "Adote", fomos procurados por 16 alunos. No ano seguinte, novamente outros 16. E ao longo dos quatro anos de implementação desse programa, tenho 60 alunos que são bolsistas. É uma bolsa de R$ 600 que vamos aumentar para repor a inflação e vamos tentar aumentar para R$ 700, neste ano. O "Adote" funciona com contribuição de antigos alunos. Temos para este ano uma expectativa de que saltemos de 60 alunos para 160, por conta da crise. Temos orçamento, para este ano, para pagar essas bolsas de R$ 700 mesmo que cheguemos a esses 160 alunos. Tomara que seja um número menor, mas estamos com a previsão de que vai mais que dobrar.

Então, temos um problema de inclusão não apenas no ingresso, mas também de permanência durante o curso. Isso muda muito, o que tem as suas vantagens e desvantagens. A vantagem, por exemplo, é que tenho em sala de aula a discussão de problemas que não eram nem trazidos; mas tenho algumas dificuldades também, como aluno com dificuldade para pagar condução, para se manter em São Paulo, para alimentação, para comprar os livros. A coisa é dramática. Temos alguns casos de alunos que são filhos de moradores de rua. Então, tenho um carinho por esse programa do "Adote um Aluno" e também a necessidade de expandi-lo. Temos que arregimentar mais gente que possa contribuir para esse programa. E quem cuida disso não é a direção. Tem uma comissão que é constituída por antigos professores, advogados super conhecidos. Uma pequena comissão que fiscaliza o trabalho. Mas quem coloca a mão na massa são antigos alunos. Tenho um antigo aluno que doa R$ 9 mil por mês e tenho antigo aluno que doa R$ 50 ou R$ 100, o que puder. 

Mas uma coisa é manter o sujeito na universidade com o mínimo, que é o restaurante universitário, a residência, o transporte. Mas o ensino hoje tem características muito diferentes. Por exemplo, quem vai pagar o intercâmbio de um garoto, de uma garota como essa, que recebe R$ 600 por mês de bolsa? Como é que eu vou mandar uma parte da faculdade, 60, 70 alunos para intercâmbio e a esse número significativo, 50% do alunado, não ofereço essa oportunidade? Então temos que pensar em todas essas coisas: a internacionalização, a pós-graduação, a pesquisa, a extensão, em um contexto em que há um problema significativo de inclusão e de permanência.

ConJur  Muitos alunos dependem da remuneração do estágio, mas aí se corre o risco de as salas de aula ficarem vazias. Como inserir o estágio na graduação e como fazer essa conexão entre ensino, permanência e aprendizado prático? 
Celso Campilongo
Bom, aqui é um outro ponto muito relevante. Algumas dessas escolas que tiveram desempenho bastante bom no Exame da OAB funcionam em regime de dedicação exclusiva do aluno, pelo menos no primeiro e segundo anos. É possível que isso tenha contribuído para o bom desempenho dessas escolas. Não podemos deixar de lado isso; ao contrário, temos que refletir bastante a respeito. O ideal talvez fosse que, pelo menos no primeiro e segundo anos, os alunos pudessem ficar um tempo integral. Mas isso não bate com a ideia de que há carências cada vez mais evidentes de que o alunado precisa trabalhar para colaborar em casa, para fechar a conta ou até mesmo para se manter na universidade.

ConJur Voltando a falar das cotas, o senhor acha que a tendência é que esses percentuais aumentem? E acha que em breve a pós-graduação e o próprio quadro docente também vão se utilizar de mecanismos de cotas? 
Celso Campilongo
Bom, tinha algumas professoras cujo foco era mais a questão de gênero, não apenas gênero, mas inter-relacionada, porque havia também uma dimensão de classe e étnica. Então, um grupo de professoras — Nina Ranieri, Ana Elisa Bechara, Eunice Prudente, Susana Costa e Sheila Cerezetti — ofereceu um curso sobre identidade de gênero [Direito e Equidade de Gênero] na faculdade nesses últimos dois anos e esse curso teve uma procura enorme. A procura foi tão grande na primeira vez, em 2020, que elas começaram a transmitir as aulas pelo YouTube. Houve outras universidades que pediram para utilizar aquelas aulas. A Unesp, por exemplo, pediu para os alunos fazerem o mesmo curso. Então, o tema da inclusão de gênero, da inclusão racial, está cada vez mais candente, cada vez mais forte num curso de graduação.

Segundo ponto da sua pergunta, se as cotas tendem a aumentar. Acredito que já tenha atingido um percentual que é muito significativo. Muito importante. No caso da faculdade de Direito, por exemplo, são quase 50%. Não acredito que neste momento a universidade pense em ir além disso. Eu pelo menos não me lembro do reitor que foi eleito agora, em 26 de janeiro, [Carlos Gilberto Carlotti Junior, médico pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto] ter dito nada nesse sentido. De qualquer forma, ele deu um sinal muito importante, porque criou uma nova pró-reitoria: a de inclusão.

Obtivemos autorização da pró-reitoria de pós-graduação para expandir o número de vagas na pós da Faculdade de Direito para contemplar cotas. Se não me engano, foi a primeira escola a aumentar o número de vagas na pós-graduação, sob a justificativa de que seriam para cotas. E o reitor está querendo replicar esse modelo na universidade como um todo. Por aí você percebe que existe um clima favorável. Então, como política universitária, diria que, sim, é possível aumentar. Mas na graduação eu tenho dúvidas se isso aumentará muito nos próximos anos.

ConJur E em relação ao quadro docente?
Celso Campilongo
— Aqui a coisa é um pouco mais complexa porque temos um percentual baixíssimo de professores negros na universidade. Posso estar enganado, mas é cerca de 5%. Na Faculdade de Direito também é muito pequeno. Mas já antecipo também que, uma das primeiras coisas que faremos, até para espelhar na Faculdade de Direito aquilo que a universidade está fazendo, é criar uma comissão de inclusão. Num primeiro momento, não estatutária, mas [futuramente] teremos que mudar o estatuto. É um tema muito relevante.

ConJur Como lidar com os casos de fraude às cotas?
Celso Campilongo
Em relação às eventuais fraudes, primeiro temos que considerar esses processos e legislações de proteção de dados. A universidade tem tomado todos esses cuidados e esses processos têm sido tratados de uma forma muito reservada, sigilosa. De qualquer maneira, sabemos também que existem alguns casos em que foi dada publicidade; alguns casos de alunos da USP que ingressarem pelo regime de cotas na graduação que foram expulsos, coisa gravíssima.

O que se tem notícia é que são muitas as unidades que instauraram sindicâncias a respeito desse tema. Então, temos esses cuidados jurídicos todos, mas não duvido de que um número de medidas drásticas, que podem chegar à expulsão, aumente em um curto espaço de tempo. A notícia que se tem é que algumas dessas denúncias são muito graves e estão bem fundamentadas. Então, com todo sigilo que a universidade trata desse tema, tem que tomar muito cuidado para não cometer injustiças muito sérias em relação a essa temática. 

ConJur O governo havia anunciado a criação de cursos técnicos de serviços jurídicos. O que pensa a respeito?
Celso Campilongo Olha, acho que nem isso as faculdades de Direito estão fazendo a contento. Nem técnicos estamos formando. Não é para advogar, então é o quê? Para fazer um serviço paralegal, um serviço mediador, um serviço técnico que se aproxima de uma atividade de despachante ou qualquer coisa assim? Se não funciona em cinco anos e não é capaz de formar bons técnicos em cinco anos, digamos que desse curso de técnicas jurídicas em três anos, é difícil esperar muita coisa.

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