Embargos culturais

Tobias Barreto, o culturalismo brasileiro e a Escola do Recife

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente pela USP doutor e mestre pela PUC- SP advogado consultor e parecerista em Brasília. Foi consultor-geral da União e procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

20 de fevereiro de 2022, 8h00

Tobias Barreto (1839-1889) lecionou na Faculdade de Direito do Recife, onde exerceu forte influência, que pode ser sentida em Silvio Romero, Clóvis Beviláqua, Graça Aranha. Tobias é considerado pensador que deu início ao culturalismo brasileiro, influenciando, nesse sentido, Silvio Romero, Alcides Bezerra, Djacir de Menezes, Miguel Reale, Evaristo de Moraes Filho, Luís Washington Vita, Paulo Mercadante, Roque Spencer Maciel de Barros, Antonio Paim, Nelson Nogueira Saldanha, entre tantos outros. Tobias Barreto é o pioneiro do culturalismo brasileiro.

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A denominada Escola do Recife, da qual Tobias foi nome mais acentuado, rompeu com o ecletismo espiritualista de Victor Cousin e com o positivismo já então triunfante de Augusto Comte. Tobias e Silvio Romero fizeram forte oposição ao positivismo de Miguel Lemos e de Teixeira Mendes.

Silvio Romero forjou o nome — Escola do Recife no final da década de 1870, quando polemizava com os escritores do Rio de Janeiro. Romero alcançava com a denominação uma escola de feição literária. Originariamente a Escola do Recife seria entendida como identificadora de uma corrente literária, especialmente na poesia. Fez-se Silvio Romero o São Paulo do novo credo.

Os adeptos de Tobias e de Silvio construíram um germanismo de ataque aos afrancesados da província fluminense ou, no limite, uma tentativa de imposição da importância cultural do Pernambuco em relação ao Rio de Janeiro. Era um movimento de intensa germanofilia temperada por inusitada francofobia. Adoravam os alemães, execravam os franceses.

A reação do Rio fora conduzida por Carlos de Laet, que denominava Silvio Romero e seu grupo de adeptos da escola teuto-sergipana. Era normal em Silvio Romero a fixação com escolas, que as via em todos os lugares; haveria a escola baiana, a escola maranhense; segundo Evaristo de Moraes Filho, "era escola demais". José Veríssimo, desafeto de Tobias, não aceitava a existência de uma escola do Recife. O insuspeito Evaristo de Moraes Filho entendia que não havia singularidade e originalidade no movimento de Recife, que não se firmava como um centro verdadeiramente irradiador, orgânico e coeso no panorama cultural nacional: não havia uma patente de invenção.

Além do que, o germanismo genuíno não era qualidade comum de todos os membros da escola porquanto apenas Tobias dominava o alemão, e mesmo assim, na qualidade de divulgador apressado de livros mal recebidos da Alemanha, segundo Evaristo. Os membros da Escola do Recife contentavam-se com traduções do alemão, citando minimamente os textos originais, qualificando-se, de acordo com Evaristo, como germanistas de segunda mão.

A ligação intelectual entre Tobias e Silvio Romero é também traço distintivo do grupo sergipano. Críticas que eram feitas a Silvio estendiam-se diretamente a Tobias. Os membros da escola liam e comentavam autores franceses (Littré, Comte, Taine, Renan) ou ingleses (Darwin, Spencer) o que desqualificava um germanismo exacerbado que se pretende fixar no grupo originariamente ligado a Tobias.

Discutindo uma efetiva definição para a Escola do Recife, Evaristo de Moraes Filho colocou algumas relevantes questões centrais: como se delimitar com segurança os integrantes da escola? havia alguma ortodoxia capaz de aferir a fidelidade de cada um dos membros? a adesão a ideais comuns era suficiente? era necessária uma convivência de ordem geográfica? o membro da Escola deveria ter estudado na Faculdade de Recife? era pressuposto de participação ter sido aluno de Tobias?

As críticas de Tobias foram prioritariamente dirigidas à Faculdade de Direito do Recife, cuja Congregação, ao lado da Congregação do Index, entendia responsável pela resistência ao pensamento alemão. Tobias pretendia que as escolas de Direito respondessem a questões práticas, quando pelo judiciário consultadas. Prestigiava, assim, a atividade acadêmica.

A consulta dos tribunais às faculdades de Direito, para elucidação de questões jurídicas, era uma praxe no contexto institucional alemão do século XIX. Tratava-se dos Spruchcollegien, de sessões específicas nas universidades que respondiam consultas de juízes, que adotavam essas opiniões e as publicavam como sentenças próprias; o próprio Savigny respondeu consultas que lhe foram encaminhadas. Tobias propunha a adoção dessa fórmula, como medida para vencer o abismo que se verificava entre teoria e prática, que entendia decorrente do insulamento das escolas. Sugeria a derrubada da muralha chinesa que separava os cientistas dos práticos.

A partir do germanismo de Tobias, e da luta pelo consequente afastamento da influência francesa na cultura brasileira, pode-se perceber a tentativa de construção de linha culturalista de compreensão do Direito. A normatividade é considerada um construído social. O germanismo de Tobias também nos aproximou do evolucionismo darwinista, ainda que por recepção de Hermann Post e de Rudolf von Jhering, concepção marcada por uma clara antítese entre natureza e cultura. Esta última é o campo onde se desdobra a experiência jurídica.

O germanismo de Tobias foi tratado com curiosidade pela imprensa da época. Considerado como admirável por ter aprendido alemão sozinho, por conhecer autores alemães, com quem se correspondia, e por estar bem informado dos movimentos intelectuais que se processavam na Alemanha, Tobias provocou várias matérias jornalísticas que tratavam de seu germanismo como situação digna de nota e admiração. Até hoje fascina.

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