Opinião

Fake news nas redes sociais: quando a omissão pode ser crime

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14 de fevereiro de 2022, 13h14

Entre as diversas questões das eleições de 2022, o combate às fake news nas redes sociais certamente será umas das principais. Se já em 2018 isso foi tema de preocupação (lembre-se, por exemplo, dos famigerados disparos em massa no Whatsapp), no atual contexto digital e político o tema promete muita discussão. 

Um aspecto interessante dessa controvérsia diz respeito à responsabilidade das redes sociais sobre o conteúdo das mensagens trocadas em suas plataformas. De fato, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14) prevê que as plataformas não podem ser responsabilizadas civilmente pelo mero ato de postagem do conteúdo por seus usuários; sua responsabilidade somente ocorrerá se, após ordem judicial específica, não tomar providências para tornar o conteúdo indisponível (artigo 19).

Contudo, apesar dessa fronteira de responsabilização, o que se vê é uma antecipação das plataformas, por meio da disponibilização de canais internos de denúncia para conteúdos potencialmente ilícitos — sobretudo diante das eleições. Assim, por exemplo, o Whatsapp firmou parceria com o TSE para implementar ferramentas para denúncia de mensagens suspeitas e disparos em mass; e o Twitter está testando um recurso para denúncia de desinformação. Em postura diferente, o Telegram parece não ter tomado nenhuma medida proativa — e tampouco se interessou em dialogar com o presidente do TSE, apesar do recente convite.

Daí surge a interessante reflexão: podem os dirigentes das plataformas serem responsabilizados criminalmente pela disseminação das fake news? Ou, pela via inversa do raciocínio: sua omissão no combate às fake news pode configurar crime?

Tudo gira em torno do delito de divulgação de fatos inverídicos (artigo 323 do Código Eleitoral), que foi alterado no ano passado e, assim, terá seu primeiro teste de fogo nessas eleições de 2022. Para o que importa aqui, as condutas são de divulgar "fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado"; e de oferecer "vídeo com conteúdo inverídico acerca de partidos ou candidatos".

Pelo regular serviço oferecido pelas plataformas, difícil pensar que seu representante aja ativamente ("comissão") para divulgar fato inverídico ou oferecer vídeo com esse conteúdo, pois a informação falsa é postada por seus usuários (e não pela própria rede social).

O problema reside na omissão que, na esfera criminal, pode gerar a responsabilização do agente em determinadas hipóteses previstas em lei. Uma delas ocorre quando o sujeito, "com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado" (artigo 13, §2º, "c", do Código Penal).

É possível imaginar que essa situação aconteça se uma rede social, ciente de sua utilização para divulgação de fake news, deliberadamente não tomar medidas para impedi-la. Veja-se, por exemplo, o próprio Telegram: apesar de seu expressivo porte, não possui representação no Brasil e, mesmo diante da sabida utilização da plataforma para propagação de conteúdo ilícito (principalmente para fins eleitorais) e do convite para diálogo feito pela autoridade eleitoral brasileira, nada fez para minimizar os riscos de divulgação de fake news. Isto é, a plataforma agiu de tal maneira que criou um ambiente propício para a ocorrência do resultado ilícito — e nada fez para impedi-lo.

Tudo isso, claro, ainda dependeria da apuração sobre as pessoas físicas ligadas à plataforma (seus dirigentes ou colaboradores) responsáveis por essa situação — ou seja, cujo comportamento anterior gerou o risco do resultado ilícito e, então, nada fizeram para impedir o crime. Isso é problemático não só em razão das dificuldades inerentes à atribuição de responsabilidade criminal em estruturas organizacionais, como também, no caso do Telegram, pelo fato de esses possíveis agentes estarem fora do Brasil.

De todo modo, em um ambiente político tenso como o de 2022, vale a reflexão sobre a importância e os riscos das redes sociais.

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