Contratos de trabalho

Congresso dos EUA aprova PL que proíbe arbitragem forçada em abuso sexual

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13 de fevereiro de 2022, 8h51

O Congresso dos Estados Unidos aprovou, em uma rara ação bipartidária, um projeto de lei que anula, em contratos de trabalho, cláusulas de arbitragem forçada em casos de assédio sexual e de estupro. Isso significa que as vítimas de abuso sexual poderão ignorar tais cláusulas e mover ação contra empresas e quaisquer outras organizações que abrigam os agressores sexuais.

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Joe Biden, presidente dos Estados Unidos
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Assim que sancionada pelo presidente Joe Biden, a nova lei terá uma finalidade bem específica, a que seu próprio nome define: "Lei do Fim da Arbitragem Forçada do Assédio Sexual e do Estupro" ("Ending Forced Arbitration of Sexual Assault and Sexual Harassment Act").

Não irá afetar, por exemplo, cláusulas de contratos de trabalho que forçam a arbitragem em casos de discriminação, nem cláusulas semelhantes em contratos de empresas com consumidores, como as usadas por bancos, cartões de crédito, companhias telefônicas, etc. Mas a Casa Branca declarou que a nova lei poderá servir de modelo para leis que corrijam o mau uso da arbitragem em outras áreas.

Como se sabe, um processo de arbitragem oferece vantagens significativas para litigantes e para o sistema judicial: redução da carga de trabalho das cortes, custos mais baixos do que os de ações judiciais, resoluções de problemas mais rápidas, mais fáceis de agendar, regras e procedimentos mais simples, maior proteção ao sigilo, além de escolha do "juiz" e imparcialidade.

A arbitragem forçada em contratos de trabalho, no entanto, falha nesses dois últimos itens. As organizações escolhem (e pagam) os árbitros e não se pode esperar imparcialidade. Aos trabalhadores resta aceitar a arbitragem forçada ou não conseguem o emprego. É pagar ou largar. Além disso, os litigantes concordam em abdicar do direito de recorrer contra a decisão do árbitro.

Diante dessas circunstâncias, 98% das vítimas de abuso sexual (ou de crimes contra a liberdade sexual) desistem de lutar por seus direitos, de acordo com estudos apontados pelos parlamentares que patrocinaram a medida legislativa.

Se a vítima concorda em submeter seu caso à arbitragem, "a parte corporativa irá mais provavelmente prevalecer perante um árbitro, em comparação com um processo judicial". E quando a vítima prevalece, "irá provavelmente receber uma indenização menor do que receberia se o caso fosse decidido por via judicial", dizem os estudos.

Foi, portanto, esse "mau uso" do processo de arbitragem, como entendido pelos parlamentares, que motivou a aprovação dessa medida legislativa federal, em um esforço bipartidário, de acordo com o New York Times, a ABC News, a Bloomberg e os sites Vox e Axios.

A arbitragem forçada existe, até agora, devido a decisões da Suprema Corte, em que prevaleceram a maioria de ministros conservadores-republicanos, contra o entendimento dos ministros liberais-democratas.

Uma decisão de 2018 da Suprema Corte (em Epic Systems v. Lewis), por exemplo, permite que empregadores forcem os empregados a abrir mão de seu direito de processar, sob pena de demissão. Assim, a opção de empregados, em uma disputa, é arbitragem ou nada.

Mais recentemente, o ministro conservador Neil Gorsuch, nomeado pelo ex-presidente Trump, argumentou em uma de suas primeiras decisões na Suprema Corte, que trabalhadores e empresas que assinam contratos de arbitragem forçada devem obedecê-los.

O Congresso passou a Lei Federal sobre a Arbitragem em 1925. A finalidade da lei, segundo a ex-ministra Ruth Bader Ginsburg, é permitir a "comerciantes com poder de barganha relativamente igual" — e poucos recursos financeiros para enfrentar uma disputa por via judicial — resolver seus litígios através de um árbitro privado.

É o caso também de disputas entre uma empresa e um sindicato. E, por isso, as cláusulas contratuais de arbitragem forçada afetam mais trabalhadores não sindicalizados.

Outra vantagem é a de que empresários de áreas especializadas podem escolher um árbitro que é mais familiarizado com seu setor do que um juiz.

A lei da Arbitragem não se refere a ações coletivas. A Suprema Corte corrigiu essa "falha", ao decidir (em AT&T v. Concepcion), que as empresas podem inserir, em seus contratos de trabalho, uma cláusula que proíbe ações coletivas. Se, por exemplo, diversas empregadas de uma empresa têm uma queixa de abuso sexual contra um supervisor, cada uma delas deverá utilizar, separadamente, a arbitragem, para solucionar seu problema.

A aprovação da nova lei é considerada uma vitória para o movimento #MeToo (eu também), que se alastrou pelo mundo.

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