Opinião

A dissolução parcial em sociedades anônimas fechadas

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10 de fevereiro de 2022, 13h46

Primeiramente, é necessário destacar que em decorrência das principais diferenças da natureza jurídica das sociedades anônimas e das sociedades limitadas, o legislador brasileiro impôs às sociedades anônimas tratamento diverso e mais restrito no que tange ao tema da dissolução parcial de sociedades.

Para as sociedades limitadas, que caracterizam-se geralmente pelo seu caráter intuito personae, o Código Civil prevê de forma expressa a dissolução parcial nas seguintes hipóteses: 1) o direito de retirada do sócio mediante mera notificação aos demais sócios, desde que a sociedade seja por tempo indeterminado — na maioria dos casos (artigo 1.029); 2) a resolução em relação a um sócio em caso de morte (artigo 1028); 3) o direito de recesso do sócio dissidente em caso de modificação societária relevante (artigo 1.077); 4) exclusão judicial nas diversas hipóteses previstas em lei, especialmente na quebra do affectio societatis (artigo, 1.030); e, até mesmo, 5) a exclusão extrajudicial do sócio, quando assim autorizada pelo contrato social da sociedade e por meio de deliberação em reunião ou assembleia destinada a tal fim quando a maioria dos sócios, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da sociedade, em virtude de atos de inegável gravidade (artigo 1.085).

O fato é que nem todas as hipóteses previstas para as sociedades limitadas no que tange a dissolução parcial são refletidas na Lei 6.404/76 (Lei das SA) para as sociedades por ações. Em um olhar leviano sobre o tema, a justificativa para maiores restrições normativas impostas às sociedades por ações se daria especialmente ao caráter intuito pecuniae destas sociedades, ou seja, pela preponderância da finalidade de gerar lucros sobre as características pessoais dos seus acionistas. Como se verá adiante, tal conceito não é inteiramente aplicável à maioria das sociedades anônimas brasileiras: as sociedades anônimas de capital fechado, que possuem características evidentes e predominantes do intuito personae, apesar de adotarem a roupagem das sociedades de ações.

Do ponto de vista estritamente normativo, a legislação prevê expressamente duas hipóteses para a dissolução das sociedades anônimas: 1) por direito de recesso do acionista, previsto no artigo 137 da Lei das SA; e 2) impossibilidade de preencher a finalidade social, prevista no artigo 559 do Código de Processo Civil, como serão abordados adiante.

Em relação ao direito de recesso, segundo a Lei das SA, o acionista dissidente tem o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor das suas ações quando se tratar das seguintes hipóteses de aprovação: 1) criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais existentes, sem guardar proporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto (somente o titular de ações de espécie ou classe prejudicadas, artigo 137, I); 2) alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais das classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida (somente o titular de ações de espécie ou classe prejudicadas, artigo 137, I); 3) redução do dividendo obrigatório; 4) fusão da companhia, ou sua incorporação em outra (não terá direito o titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e dispersão no mercado, artigo 137, II); 5) participação em grupo de sociedades (não terá direito o titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e dispersão no mercado, artigo 137, II); 6) mudança do objeto da companhia; cisão da companhia (somente se houver mudança do objeto social, redução do dividendo obrigatório, ou participação em grupo de sociedades, artigo 137, III); 7) inclusão de convenção de arbitragem no estatuto social (artigo 136-A), exceto caso: a) a inclusão da convenção de arbitragem seja requisito para admissão dos valores mobiliários da companhia para negociar em determinado segmento de listagem na bolsa; ou b) a inclusão seja feita em companhia aberta cujas ações tenham liquidez e dispersão no mercado, cf. artigo 137, II, "a" e "b".

Com relação à possibilidade de dissolução parcial em caso de impossibilidade de preencher a finalidade social, o artigo 559 do Código de Processo Civil estabelece expressamente que "a ação de dissolução parcial de sociedade pode ter também por objeto a sociedade anônima de capital fechado quando demonstrado, por acionista ou acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social, que não pode preencher o seu fim". Entende-se por "fim" o desenvolvimento do objeto social da companhia (escopo meio), somado à capacidade de produzir e distribuir lucros aos seus acionistas (escopo-fim).

Ainda, face à ausência de normativa específica na Lei das SA, o entendimento atual é de que a referida possibilidade é apenas aplicável quando comprovada a natureza de intuito personae da sociedade por ações.

Superadas as hipóteses de dissolução parcial nas sociedades anônimas previstas expressa e especificamente em lei, é importante dar um passo atrás e analisar eventual zona cinzenta que pode resultar na aplicação extensiva dos efeitos das normas das sociedades limitadas às sociedades por ações. É justamente o caso da natureza de intuito personae que a sociedade por ações pode aderir em determinados casos.

Afastadas da discussão as sociedades anônimas de capital aberto, é comum a utilização da estrutura da sociedade anônima fechada no Brasil para atingir as mais diversas finalidades, seja buscando-se maior liberdade e segurança jurídica ou o melhor planejamento fiscal e sucessório, que esse tipo societário oferece. Nessas sociedades, as relações pessoais entre os acionistas ou as contribuições deles para o desenvolvimento da atividade social são de extrema relevância, é evidente a vontade de se associar (affectio societatis). Portanto, para esses tipos de sociedades, é correto dizer que há a predominância do caráter intuito personae, tradicionalmente atribuído às sociedades limitadas, de modo que o elemento "capital", próprio das sociedades por ações, se desloca para segundo plano.

Dessa forma, considerado que a sociedade anônima de capital fechado pode aderir a característica do intuito personae, a conclusão lógica é que a quebra do affectio societatis entre seus acionistas pode ocasionar a extensão da aplicabilidade do Código Civil no que tange à dissolução parcial da sociedade, inclusive em relação ao exercício do direito de retirada e à exclusão de sócios, desde que preenchidos os requisitos dos artigos 1.030 e 1.085 do Código Civil.

Nesse sentido, segundo entendimento do STJ (REsp nº 1.400.264/RS, relatora: ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 24/10/2017), a dissolução parcial de sociedade anônima fechada, desde que caracterizada o intuito personae, é possível quando há: 1) quebra do affectio societatis; e 2) inexistência de lucros ou ausência de distribuição de dividendos por um longo período de tempo. Ressaltando-se que para a concessão da dissolução parcial devem ser observados todos os demais aspectos do caso concreto, e especialmente em razão da ausência de previsão expressa na Lei das SA, a dissolução parcial de sociedade anônima deverá ser pleiteada perante o Poder Judiciário e, portanto, determinada por meio de sentença, não sendo admitido, por exemplo, a possibilidade de exclusão de acionista extrajudicial, como permitido para as sociedades limitadas.

Por fim, nos termos do artigo 45 da Lei das SA, a companhia reembolsa os acionistas dissidentes de deliberação o valor de suas ações. A interpretação, derivada da própria redação do artigo, é no sentido do reembolso ser aplicável somente nos casos expressamente previstos em lei: 1) por direito de recesso do acionista, previsto no artigo 137 da Lei das S.A; e 2) impossibilidade de preencher a finalidade social, prevista no artigo 559 do Código de Processo Civil, ao passo que, nas demais hipóteses de aplicação extensiva do Código Civil, a remuneração do acionista pela saída da companhia será objeto de apuração de haveres, observado o disposto no artigo 606 do Código de Processo Civil.

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