Opinião

Dez anos da lei contra abusadores sexuais: interseção a partir de Rubem Alves

Autor

  • Thiago de Miranda Coutinho

    é graduado em Jornalismo e Direito especialista em inteligência criminal coautor de três livros articulista e agente de Polícia Civil e integrante do corpo docente da Academia de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina.

6 de fevereiro de 2022, 12h14

A chamada Lei Joanna Maranhão está prestes a completar dez anos. A data, que é digna de celebração social e jurídica, promoveu significativas mudanças legislativas mormente ao Código Penal, pois houve a partir de então mais respaldo e segurança às crianças e adolescentes vítimas de crimes contra a dignidade sexual.

Notadamente, com o advento da citada lei (n° 12.650/2012), estabeleceu-se um novo prazo prescricional para esses delitos. Passou-se, então, a admitir que a vítima noticie o crime até 20 anos depois de completar 18 anos de idade (se nesse tempo já não tiver sido iniciada a ação penal).

Ou seja, se a vítima foi estuprada com 12 anos de idade, por exemplo, a nova lei garantiu o direito (e quiçá uma nova oportunidade) de descortinar esses acontecimentos por mais tempo, provendo, assim — conforme acréscimo do inciso V ao artigo 111 do Código Penal —, maior efetividade à lei penal.

"Artigo 111 — A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:
V — nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal".

Destaque-se que Joanna Maranhão é considerada uma das maiores atletas brasileiras de natação e, lamentavelmente, foi abusada sexualmente pelo seu treinador quando tinha nove anos, somente. Na fase adulta, como o crime já era prescrito, a ativista Joanna promoveu uma incessante busca por direitos que ensejou tamanha mudança no ordenamento penal brasileiro.

Assim, crimes como esse sofrido por Joanna perpassam os abalos físicos, psíquicos e mentais. Um tipo de violência gravíssima e ultrajante que, por vezes, é impune justamente por conta da vulnerabilidade da própria vítima! Vitimada, é silenciada numa maldição por simplesmente "ser criança ou adolescente", e, por isso, tem reduzida sua capacidade de se defender e — também, depois — de meramente viver! Aliás, a própria nadadora Joanna relatou que tentou suicidar-se duas vezes por conta de forte depressão.

Afinal, o que seria viver, crescer e amadurecer, querendo com alguém se envolver, e depois padecer, sofrer e apodrecer nesse verdadeiro recrudescer?! A propositada rima, cuja pretensão poética beira a literatura de Rubem Alves, visa à interseção com o poema "Crianças", do famoso mineiro:

"As crianças ignoram os relógios. Os relógios têm a função de submeter o tempo do corpo ao tempo da máquina. Mas as crianças só reconhecem os seus próprios corpos como marcadores do seu tempo. Se as crianças usam relógios, elas os usam como se fossem brinquedos. Que maravilhosa subversão! Usar a gaiola do deus Chronos como brinquedo de Kairós, o deus do tempo da vida" (Livro: "Do Universo à Jabuticaba", Rubem Alves. Ed. Planeta do Brasil, SP, 2010).

Por fim, o tempo. Mais tempo para que — no alto dos dez anos ainda incompletos da lei — a espada da Justiça possa cumprir seu simbolismo de misericórdia ao bem e punição ao mal.

Autores

  • é jornalista, pós-graduado em Inteligência Criminal, agente de Polícia Civil em Santa Catarina, graduando em Direito pela Univali, autor de artigos publicados em canais jurídicos e coautor de três livros sobre Direito.

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