Opinião

Sobre a criação da 'taxa de negacionismo'

Autor

  • Laércio José Loureiro dos Santos

    é mestre em Direito pela PUC-SP procurador municipal e autor do livro Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª ed. Dialética 2023 — no prelo) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (coord.: Marcelo Figueiredo Ed. Juspodivm 2023).

2 de fevereiro de 2022, 15h12

Na França já se discute o tema da criação de uma taxa tendo como fato gerador a recusa ou a omissão do cidadão em tomar vacina, de maneira a reduzir o custo a ser suportado pela Administração Pública.

Teríamos a "taxa de vacinofobia", modalidade tributária vinculada à opção omissiva de proteger a própria vida gerando elevados custos ao aparato estatal de saúde.

O exemplo francês é pertinente ao modelo brasileiro em razão da semelhante cobertura universal tanto aqui quanto lá.

O respeitado periódico O Estado de S. Paulo do último dia 29 publicou em sua página A18: "Sob o sistema de saúde universal da França, todos os pacientes com covid que precisam de UTI têm o tratamento totalmente coberto. O custo médio é de três mil euros (cerca de R$18 mil) por dia, e costuma durar de sete a dez dias".

O referido jornal também cita decisões mais drásticas, em que o sistema público simplesmente repassa integralmente o valor gasto com o tratamento àqueles que se recusam a tomar vacina. Assim, cita o mesmo periódico: "A proposta seria semelhante ao que ocorre em Cingapura, onde as pessoas que rejeitam as vacinas devem pagar por seu tratamento médico. (…) De acordo com o Ministério da Saúde de Cingapura, a conta para pacientes com covid-19 não vacinados, que precisam de cuidados intensivos, é de cerca de US$ 18,5 mil (cerca de R$ 99,8 mil)".

A mesma taxa pode e deve ser criada no âmbito brasileiro pelo(s) ente(s) público(s) que arca(m) com os custos do serviço público de saúde colocado à disposição do cidadão incauto que opta pela negação da ciência.

No futuro, lei complementar, nos termos do artigo 146 da Carta Federal, poderá estabelecer regras quanto à referida taxa, no que tange ao eventual conflito de competência e até mesmo sobre os valores mínimos e máximos a serem cobrados com essa finalidade.

A taxa teria como fato gerador a utilização efetiva ou meramente potencial do dispendioso custo do aparato estatal de saúde. Não há necessidade de efetiva internação em UTI ou efetiva Doença Pulmonar Obstrutiva crônica (DPOC) para a cobrança da taxa. O simples risco assumido pelo comportamento omissivo do incauto é o suficiente para a configuração do fato gerador do tributo.

O novo tributo será específico e divisível, já que o custo aproximado de cada ato de delírio suicida tem um valor médio aferível.

Aplica-se, por analogia, a jurisprudência do STF acerca da taxa de coleta de lixo de imóveis.

Assim prevê a Súmula Vinculante nº 19 do STF: "A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal".

Tal e qual a produção de lixo, a ausência em vacinar-se gera um custo a ser suportado pelo poder público. Justo e lícito que se cobre pelo "lixo" sanitário produzido pela sua "opção".

Em razão da regra constitucional do direito à saúde, prevista no artigo 196 da Carta Federal, o serviço de saúde não pode ser negado ao negacionista, inobstante a ironia lógica e filosófica. Da mesma forma, a costumeira aversão pelos serviços públicos vociferada pelos negacionistas não pode servir de obstáculo à utilização de tais serviços.

Numa refinada ironia, o negacionista que nega o Estado e seus serviços não pode ter negado o serviço público provocado por seu próprio delírio suicida.

Tendo ciência de que o paciente não tomou as providências civilizatórias de prevenção à Covid-19, o setor médico deverá comunicar ao ente político responsável pelo gasto (em hospitais municipais o comunicado deve ser feito ao município e assim sucessivamente), sob pena de responsabilidade do servidor (ou do particular delegado de serviço público) que se omitiu no dever de comunicar previsto na lei que cria a "taxa de vacinofobia".

A advocacia pública, então, deverá promover a cobrança da taxa (cujo valor deve ter relação com o gasto efetuado, sugerindo aos gestores públicos o patamar meramente simbólico de uma única diária em UTI). Na França o valor da referida diária é de cerca de R$ 18 mil. O valor estimado de uma diária de UTI do SUS poderá ser o parâmetro da nova taxa, já que inequivocamente inferior ao gasto efetivamente gerado pelo comportamento medieval e pandêmico do devedor.

Outra forma de cobrança da referida taxa seria através da exigência do comprovante de vacinas para a posse no serviço público e utilização de determinados serviços e a ciência pelo servidor público da displicência civilizatória concreta, comunicando-se ao setor de tributação.

Também pode ser feita a referida cobrança com a integração do sistema de saúde com a dívida ativo do ente político, informando a ausência de vacina de determinado cidadão após determinado prazo fixado em lei.

A taxa deverá ferir sensibilidades diante do fato de vivermos "a era do ressentimento", título da obra do professor Luiz Felipe Pondé, que se refere aos "mimados" presentes em setores de diversos matizes ideológicos que simplesmente se recusam a ouvir qualquer crítica aos seus dogmas políticos, num espetáculo de imaturidade crônica e destrutiva.

Segundo Pondé, no futuro, nossa época será conhecida como a "era dos ressentidos", refratários a críticas e a qualquer regra que não decorra de seu próprio egocentrismo.

Nocholas Karr, professor da Universidade da Califórnia, no livro "A geração superficial, o que a internet está fazendo com nossos cérebros" discorre sobre uma espécie de regressão intelectual. Na Revolução Industrial, a criação de máquinas gerou o sedentarismo e a regressão de nossas condições físicas. A internet estaria fazendo o mesmo com nossos cérebros. Estaríamos "emburrecendo".

Os dois autores parecem ter razão.

Mimados "emburrecidos" que se recusam à utilização de técnica desenvolvida em 1796 por Edward Jenner como se fosse técnica desconhecida e não merecedora de confiança.

O "emburrecimento" retratado por Nicholas Karr e a "sensibilidade mimada" retratada por Luiz Felipe Pondé transformam o tema de necessidade elementar em "fogueira das vaidades" em que cada pequeno ditador mimado imagina entender muito mais de vacina do que qualquer autoridade sanitária do país.

Ao longo da história, a Administração Pública sempre foi perdulária e os monarcas empurravam a conta da imprudência administrativa na forma de novos impostos.

A Administração Pública continua sendo perdulária e não pode se dar ao luxo de aceitar de aceitar a proliferação de perdulários contumazes que dilapidam o patrimônio público na forma de gastos desnecessários com o já combalido sistema de saúde pública.

Já existem perdulários suficientes no seio da Administração Pública e a responsabilidade fiscal impede a "terceirização" de novos dilapidadores do erário.

A nomenclatura "taxa de vacinofobia" tem certo eufemismo, já que o termo mais adequado seria taxa para o exercício da insanidade. Ou ainda, "taxa de prevenção ao suicídio vacinal".

Vamos ver se a ideologia dos "mimados" de Pondé e dos "emburrecidos" de Nicholas Karr resiste à atitude adulta elementar de pagar a conta pelas decisões tomadas.

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