Opinião

A "revisão da vida toda" e a concreção do ideário protetivo

Autor

  • é mestre em Direito Constitucional (FDSM) pós-graduado pela EPD-SP e PUC-SP professor de diversos cursos (graduação pós-graduação preparatórios e atualização jurídica) professor titular do Direito Unopar Itajubá coordenador acadêmico da pós-graduação em prática previdenciária da Escola Mineira de Direito (EMD) escritor com mais de 15 livros publicados em várias editoras integrante do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) Regional da OAB-MG advogado em Minas Gerais membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica tendo integrado a comitiva de pesquisadores brasileiros no 1º Congresso Internacional de Seguridade Social da Faculdade de Direito de Harvard (EUA) em agosto de 2019.

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29 de dezembro de 2022, 6h35

Sem dúvidas, a notícia de maior impacto no cenário previdenciário dos últimos tempos, sobretudo no ambiente do pós-reforma do complexo sistema previdenciário nacional, foi a nominada revisão da "vida toda",  também entendida por alguns como revisão da "vida inteira", de alcance, aliás, exclusivamente no campo do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) gerido pelo INSS no tocante ao plano de proteção.

De fato, há poucas semanas o Supremo Tribunal Federal a proclamou por maioria de votos em conturbado julgamento em favor dos beneficiários do RGPS, vale dizer, chancelou a tese em plenário, colocando um pá de cal acerca de sua plena viabilidade.

O debate ocorreu dentro do Tema 1.102 pela sistemática da repercussão geral, provocando assim uma vinculação objetiva e subjetiva de seu conteúdo, pois, se assim não for, não há sentido algum para conferir relevância jurídica em nível nacional, razão de que seu conteúdo há de ser seguido, observado e respeitado por todos!

De destaque a contribuição doutrinária e da jurisprudência enquanto relevantes fontes do Direito, de maneira a influir todo o sistema com clareza, sinergia e coesão dos fundamentos.

E tais desafios se viram claramente atendidos nesta importante tese revisional.

É que claramente o STF nada mais fez do que, coerentemente, imprimir interpretação abrangente e mais favorável aos abrigados da tutela previdenciária, asseverando que possuem o direito de regulação dos aspectos mais vantajosos em cenários de mudanças abruptas da legislação previdenciária. Neste sentido um peculiar registro, tendo em vista que o sistema previdenciário nacional detém um corriqueiro ambiente de novidades normativas a todo o tempo, prejudicando sobremodo o equilíbrio e consolidação de pactos jurídicos firmados que, não rara às vezes, encontram no Judiciário o caminho da correta interpretação.

A revisão da "vida toda", portanto, traz em sua essência a concreção do ideário protetivo, isto é, reflete que seu destinatário possui o incontroverso direito de ser socorrido e amparado pela melhor prestação, melhores regras e, obviamente, a melhor proteção.

Inadmissível assim que um filiado há muito no sistema, vertendo regulares contribuições, não alcance uma prestação condizente com sua identidade jurídica neste singular relacionamento jurídico.

Evidente, portanto, que uma nova regra não pode prejudicar o patamar de seu relacionamento, promover retrocessos e neutralizar as premissas fundantes de qualquer pacto jurídico que envolva direitos fundamentais sociais.

De outro lado, a tese não premia todos, requer análise econômica compromissada, além de outros importantes filtros que não podem ser desprezados, como a necessária observância do prazo decadencial de dez anos a contar da data do primeiro pagamento, a conhecida DIP (data do início do pagamento), diferente da DIB (data do início do benefício); seu campo de incidência ser unicamente nas prestações do RGPS, afastando, portanto os servidores efetivos; que tenha ocorrido filiação e contribuições antes de julho de 1994, além das regras de jubilação não serem àquelas advindas com a Emenda Constitucional nº 103 de 13 de novembro de 2019.

Portanto, crível afirmar que se trata de uma tese de "exceção", ou seja, apta a tutelar um universo pequeno de sujeitos protegidos do RGPS, contrariamente ao discurso falacioso dos técnicos da autarquia ao defenderem uma camada ampla de potenciais beneficiários do precedente.

Em outras palavras, não somente estes filtros devem ser observados, mas também a necessidade imperiosa indicada de realização prévia dos cálculos a fim de se conferir uma prestação previdenciária mais vantajosa sob a perspectiva econômica, de modo seguro e coeso, sem riscos e incertezas jurídicas.

A tese não produz a troca do benefício, tampouco sua transformação ou ainda aumento do tempo apurado inicialmente, mas sim, afetação nas bases de cálculos, incremento financeiro na apuração da média ou massa salarial vertida ao sistema ao longo de toda a vida contributiva ao RGPS, sendo sim possível um considerável aumento em alguns cenários.

Logo, a necessidade de cálculos prévios é medida elementar para a defesa individual ou coletiva da tese a partir do supremo precedente.

Sérgio Geromes, em lúcido ensinamento registrou:

"Para o segurado filiado à previdência até 28.11.1999, no cálculo do salário de benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários de contribuição, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo decorrido desde a competência de julho de 1994, desconsiderando todas as contribuições anteriores a esta data; ao passo que para o segurado filiado à previdência a partir de 29.11.1999, no cálculo do salário de benefício, será considerada a média aritmética simples dos maiores salários de contribuição, correspondentes a 80% de todo o período contributivo, sem limitação temporal em julho de 1994" [1].

Aqui a celeuma do debate, isto é, qual regra aplicar ao mesmo sistema de proteção, porém em marcos de filiação distintos.

Entendeu o Tribunal Maior pela melhor regra, contendo, obviamente a obrigação do planejamento institucional em garantir o melhor benefício, um dever institucional para bem entregar a tutela previdenciária ao filiado em bases vantajosas, dando a opção entre a regra permanente ou a regra de transição da Lei 9.786/99.

A busca pelo melhor permeia a essência da Previdência enquanto técnica protetiva, razão de que riscos econômicos, atuariais, escalada de processos, judicialização excessiva, engessamento, déficit e outros argumentos que tentaram obstar a tese não encontraram sintonia no debate da Suprema Corte, aliás, que em seu genuíno papel conferiu interpretação consentânea com os dizeres constitucionais quando invocada ao debate de aplicabilidade das normas previdenciárias.

É que o próprio texto constitucional reserva diversificados dispositivos reveladores do desejo de se aprimorar a proteção social através da técnica previdenciária.

Jorge Luiz Souto Maior acentua que:

"É inegável que a Constituição brasileira preservou as bases do modelo capitalista, no entanto, não o fez a partir de uma ordem jurídica liberal. O sistema jurídico constitucional fixou como parâmetro a efetivação de valores que considera essenciais para a formação de um desenvolvimento sustentável, vale dizer, um capitalismo socialmente responsável a partir dos postulados do Direito Social" [2]

Na mesma direção Serau Jr., ao asseverar que:

"Inicialmente, reconhecemos que a Previdência Social e todos os institutos que lhe são pertinentes, são direitos fundamentais. Diante dessa premissa, todos os valores e compreensões derivados da Teoria Geral dos Direitos Fundamentais aplicam-se às questões previdenciárias" [3].

Em derradeira síntese, acertada a posição exarada pela Suprema Corte, corroborando o que apregoava a doutrina e também outros Tribunais acerca da viabilidade jurídica da tese, conferindo concretude as premissas do bem-estar específicas do pacto previdenciário.

Por certo que a proclamação desta tese revisional trouxe a vitória da proteção social em solo pátrio, há muito desejada e perseguida, mostrando um caminho possível de consolidação das metas firmadas no horizonte de 1988.

 


[1] GEROMES, Sérgio. Passo a passo do cálculo do benefício previdenciário. 3 ed. SP: Lujur. 2022. p.33.

[2] MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de Direito do Trabalho. SP: LTr, 2011. p.58.

[3] SERAU Jr., Marco Aurelio. Desaposentação: novas perspectivas teóricas e práticas. 6 ed. SP: LTr, 2016. p. 17.

Autores

  • é mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM), pós-graduado pela Escola Paulista de Direito (EPD-SP) e pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor universitário da graduação, pós-graduação, cursinhos preparatórios e extensão/atualização jurídica, professor titular de Direito na Universidade Norte do Paraná (Unopar Itajubá-MG), coordenador acadêmico da pós-graduação em Prática Previdenciária da Escola Mineira de Direito (EMD), ex-conselheiro da OAB-MG (23ª Subseção), integrante do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) Regional da OAB-MG, advogado em Minas e membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica.

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