Paradoxo da Corte

Providencial iniciativa do TJ-SP em prol da solução consensual dos litígios

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

27 de dezembro de 2022, 8h00

O artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição, consagrando norma idêntica constante das anteriores Cartas Políticas do Brasil, encerra o princípio da reserva legal, também denominado da inafastabilidade da jurisdição, ao preceituar que: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Observa-se que o caput do artigo 3º do vigente Código de Processo Civil reitera essa mesma regra, reservando ao Estado-juiz o monopólio da jurisdição.

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Com a promulgação da Constituição de 1988 e dos inúmeros textos legais que lhe seguiram (v. g.: Código de Defesa do Consumidor, reforma da Lei de Ação Civil Pública etc.), infundiu-se em cada brasileiro um verdadeiro "espírito de cidadania". Os cidadãos passaram a ser senhores de seus respectivos direitos, com a expectativa de verem cumpridas as garantias que lhes foram então asseguradas.

Observe-se ainda que também foram incrementados, a partir do início dos anos 1990, mecanismos processuais adequados a recorrer aos tribunais com maior efetividade, como, por exemplo, a ampliação do rol dos legitimados ativos a manejar as ações diretas de inconstitucionalidade, a ajuizar ações coletivas em prol dos interesses difusos, a consagração da autonomia e independência do Ministério Público e a opção determinada por um modelo de assistência judiciária e de promoção de acesso à justiça.

Diante desse importante fenômeno, houve, como era notório, um vertiginoso crescimento da demanda perante o Poder Judiciário. Os números alarmantes são de conhecimento geral. E isso tudo agravado pela circunstância de que a constitucionalização de um conjunto tão ousado de garantias, sem a consecução consistente de políticas públicas e sociais correlatas, tem propiciado, sem dúvida, maior judicialização dos conflitos.

Tem-se outrossim clara percepção da ineficiência das agências reguladoras de serviços que também contribuem para a intervenção judicial. O recurso aos tribunais para garantir o acesso a medicamentos e tratamentos médicos é constante. Não é crível que nos dias de hoje muitos brasileiros tenham de ir à justiça para obter indenização por atraso de voo e extravio de bagagem, ou, ainda, para forçar adequada prestação de serviço em várias atividades. O Poder Judiciário está se tornando um verdadeiro SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor).

O sistema judicial passa, assim, a suplantar o sistema da administração pública, a quem, por óbvio, compete sancionar as referidas falhas.

Chega-se mesmo ao que poderíamos denominar de "banalização de demandas", sem esquecer o papel de exator dos tribunais, na função substitutiva de ser o principal palco da cobrança de tributos, diante dos milhares de executivos fiscais que abarrotam os escaninhos dos cartórios forenses.

Com esse exagerado afluxo de demandas, os processualistas passaram a prestigiar outros meios adequados de solução de conflitos, como a arbitragem, a conciliação e a mediação. Estes mecanismos alternativos podem ser extrajudiciais, mas de qualquer forma visam a ampliar maior acesso à justiça.

Afinado com esse ideário e atendendo ao disposto no importante parágrafo 2º do artigo 3º do Código de Processo Civil, por meio da Portaria n. 10.195, de 16 de dezembro de 2022, o Tribunal de Justiça de São Paulo instituiu um projeto-piloto de conciliação e mediação para dirimir conflitos derivados da prestação de serviços das companhias aéreas no Foro Regional do Jabaquara, em São Paulo, em Barueri, Campinas, São José do Rio Preto, Santo Amaro, Guarulhos e no Foro Central da Capital.

Tal iniciativa, sem qualquer dúvida, merece todos os encômios da nossa sociedade, a evidenciar a vontade política da direção do Tribunal de Justiça de São Paulo de cumprir o imperativo constitucional da duração razoável dos processos.

As sessões serão concentradas no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) Central durante o projeto-piloto. Na justificativa desse relevantíssimo projeto, o ilustre presidente do Tribunal de Justiça bandeirante, desembargador Ricardo Mair Anafe, ressalta, de forma enfática, a importância da utilização de métodos alternativos de soluções de conflitos para a prevenção de litígios ou para sua pacificação.

Com efeito, como bem assevera o desembargador presidente, nos respectivos consideranda da portaria, a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, destacando-se ainda o dever do Poder Judiciário de estabelecer políticas públicas de tratamento adequado e racional aos conflitos que ocorram em larga e crescente escala na sociedade, como é o caso do grande número de demandas envolvendo a prestação de serviço pelas companhias aéreas.

Consoante os termos do artigo 1º, parágrafo 2º, da portaria, as companhias aéreas interessadas poderão subscrever, a qualquer momento, para participar das sessões de conciliação e mediação, o Termo de Compromisso Público, que deverá ser enviado por email no endereço: [email protected].

Os conflitos poderão ser submetidos ao projeto-piloto por deliberação do magistrado responsável, após provocação de, ao menos, uma das partes do litígio, ou por requerimento pré-processual. As sessões de mediação e conciliação serão feitas exclusivamente de forma virtual, pela plataforma Microsoft Teams.

A teor do artigo 4º, "Os juízes que atuarem na competência cível nos Foros abrangidos por este Projeto Piloto poderão, após manifestação de interesse dos litigantes em participar do presente Projeto, determinar a suspensão do processo, de ofício ou a pedido de quaisquer das partes, para a realização de conciliação/mediação no âmbito do Cesjusc Central, no Núcleo Temático dos Litígios dos Consumidores e das Companhias Aéreas".

As sessões devem ser agendadas dentro de 20 dias úteis da data do recebimento do pedido por parte do Cejusc Central, com previsão de duração de uma hora, sendo possível, se necessário, a critério do mediador e com a anuência das partes, a realização de sessões adicionais. Encerrada a mediação/conciliação, com ou sem acordo, os processos em área de competência do Cejusc Central serão devolvidos à vara de origem.

Na hipótese de resultar frutífera a mediação, as companhias aéreas aderentes ao projeto devem protocolizar o respectivo termo perante o juízo competente em até dez dias. Caso haja acordo em expediente pré-processual cadastrado por solicitação do consumidor, referido acordo será homologado pelo juízo do Cejusc Central. Já em caso de ausência das partes à sessão ou de mediação infrutífera, o expediente pré-processual será arquivado.

Dispõe o artigo 7º da portaria que as comunicações processuais serão feitas exclusivamente por meio dos e-mails indicados pelos interessados, incluindo as informações sobre data, horário e link da sala virtual para a sessão de conciliação/mediação.

A portaria ainda prevê, de forma deveras adequada, os requisitos para que os interessados possam atuar como mediadores, bem como a sua respectiva remuneração.

Tenho plena convicção de que esta original iniciativa tem tudo para atingir o sucesso almejado. Oxalá seja o primeiro de muitos outros projetos-pilotos em benefício da celeridade processual, predicado aliás que tem marcado os julgamentos em 2º grau do Tribunal de Justiça paulista!

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