Opinião

Bônus ao servidor do INSS: entre o que é fácil e o que é certo

Autor

  • Diego Henrique Schuster

    é advogado professor doutorando e mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro da atuação jurídica do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

27 de dezembro de 2022, 19h21

Como já se viu, e esta é a conclusão de um relatório de auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) [1], o bônus criado para acelerar a conclusão de pedidos e investigação de irregularidades no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) potencializou análises deficientes e está causando prejuízos para os cidadãos e até para o próprio governo.

Esse bônus foi criado no governo de Jair Bolsonaro. No entanto, para ser sincero, isso não me interessa. Tudo isso não é novidade. O que parece ser bom na teoria, com analistas obcecados por estatísticas, acaba com servidores sofrendo pressão para concluir processos (indeferir) e localizar erros (que são levados às últimas consequências). Isso pode levar o servidor a tratar o processo de alguém como mais um processo, porém, com potencial de bônus: qualquer passo em falso é supostamente o primeiro de um caminho que levará sempre ao pior.

Assim, a preocupação deixa de ser a concessão do benefício postulado. É mais fácil indeferir do que fazer exigências e buscar esclarecimentos para solucionar o problema. Afinal, o servidor é convidado a negar!

O servidor concentra suas energias nas irregularidades, tornando suspeitos segmentos inteiros da população — como quando a mídia foca na notícia de um segurado que abandonou as muletas após a perícia médica no INSS (um desserviço!). As notícias tendem a generalizar grupos como políticos, segurados que fraudam o sistema, advogados, etc. Uma das características do "Direito Previdenciário do Inimigo" é a demonização dos segurados [2]. Acaba-se com qualquer motivação intrínseca. Esse tipo de sistema reforça a mentalidade de uma seguradora e é estabelecido para deixar as pessoas tristes, apáticas e dependentes, o que contribui, e muito, para a judicialização. E daí o porquê de muitos defenderem que o ato administrativo sequer merece censura, servindo a esfera administrativa como rito de passagem. Ao mesmo tempo, o governo reclama da judicialização, numa tentativa de colocar a Justiça contra o cidadão!

Com isso não se pretende dizer que o servidor vai focar nas irregularidades, isto é, pensando apenas no bônus (motivação extrínseca). Toda generalização é equivocada. Agora, a preocupação é com o sistema e como ele é pensado. A Portaria Dirben/INSS 902, de 23 de julho de 2021, por exemplo, tornou possível o indeferimento automático de benefícios, ou seja, sem qualquer intervenção humana e/ou interesse na vida do segurado. Tomamos como exemplo o chamado "pente-fino", com especial atenção para os benefícios cessados e, na sequência, restabelecidos em juízo. Tudo acaba servindo como "pretexto" para cortar o benefício. Um motivo recorrente é a falta de atualização dos dados cadastrais.

Não se pode olvidar que deve haver sempre uma especial atenção à adequação do procedimento, na tentativa reduzir fraudes e irregularidades. No entanto, não podemos inverter as coisas. A função da autarquia é proteger socialmente seus segurados. No mais, vamos esperar pra ver, vale dizer: a mudança somente é boa quando contribui para a efetividade dos processos e a realização dos direitos — as estatísticas comprovam que a preocupação com a quantidade não se relaciona muito bem com qualidade — vide os números dos Juizados Especiais Federais! Sobre as estatísticas de quantidade [3]:

ConJur – O CNJ tem mirado bastante na quantidade. Por que isso é ruim?

Lenio Streck – Essas metas fazem exatamente que se exacerbe essa questão de estatísticas. E, no fundo, parece que o Judiciário ideal seria o judiciário sem processos. Aquela metáfora do queijo suíço, na qual quanto mais furos tiver, melhor é o queijo. Assim, o queijo ideal seria o 'não-queijo', pois seria só os furos.

Nossa resposta para os problemas apontados pelo relatório de auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) é: mais abertura e mais humanidade! A frase do professor Lenio Streck me marcou: "Justiça, para mim, é para solucionar problemas, não para criá-los", o mesmo vale para a esfera administrativa. Vou terminar com uma frase que escutei durante o filme do Harry Potter (O Cálice de Fogo): "Haverá um momento em que teremos que escolher entre o que é fácil e o que é certo" (Alvo Dumbledore).

Deve ter ficado claro, mas a questão do bônus é um detalhe, quiçá um sintoma, e não a causa do problema — não temos como traçar uma linha reta entre o bônus e a queda de qualidade. Então, não sou (a priori) contrário ao bônus. O mesmo não posso dizer sobre o relatório, ele está obnubilado pelo senso comum. A virtualização, apesar de uma tendência, afastou muito o servidor do cidadão, potencializando o problema da qualidade. Quanto maior a distância, mas fácil esquecer que o cidadão é um de nós. Com bônus ou sem, o problema maior continua sendo o elevado número de processos, o baixo número de servidores, o formalismo, etc. Apesar de muitas melhorias, algumas decisões continuam servindo de parâmetro de observação do (des)respeito aos direitos fundamentais-sociais.

Agora, se o foco for somente nas fraudes ou irregularidades, no sentido de que a maioria dos segurados/beneficiários não presta, isso acaba servindo como desculpa para não se assumir a responsabilidade, ou melhor, ninguém vai se preocupar com as injustiças e a qualidade da prestação do serviço (se me entendem a ironia)! O bônus termina, agora, dia 31/12/2022, então precisamos debater, identificar novos tipos de questões e formular outras espécies de consequências práticas e, por óbvio, soluções.

 

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Bah1: Disponível em: https://g1.globo.com/…/bonus-a-servidor-do-inss-para…. Acesso em 27 dez. 2022.

Bah2: SCHUSTER, Diego Henrique. Aposentadoria especial e a nova previdência: os caminhos do direito (processual) previdenciário. 2ª ed. – Curitiba: Alteridade, 2022.

Bah3: Disponível em https://www.conjur.com.br/20anos/2017-ago-08/lenio-streck-abandonar-as-proprias-vontades-para-julgar-e-o-custo. Acesso em 27 dez. 2022.

Autores

  • é advogado, professor, doutorando e mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro da atuação jurídica do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

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