Cultivo de Cannabis ssp. para fins de pesquisa científica
26 de dezembro de 2022, 6h10
Neste mês , um grande passo para a UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e um salto gigantesco para a ciência foi dado. Trata-se da concessão de autorização pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para universidade potiguar importar, armazenar, germinas sementes e cultivar a planta Cannabis ssp., por meio de sistema controlado, na modalidade indoor, para fins exclusivos de pesquisa científica. A autorização não é apenas um leading case, mas uma enaltação à ciência e à capacitação do Brasil no território científico.
Em breves palavras, a UFRN solicitou Autorização Especial Simplificada para Estabelecimento de Ensino e Pesquisa (AEP) à Anvisa para, via Instituto do Cérebro (ICe), avaliar a eficácia e segurança de combinações de fitocanabinóides no manejo de sinais e sintomas associados a distúrbios neurológicos e psiquiátricos. O pedido, como dito, envolvia importar, armazenar, germinas sementes e cultivar a planta Cannabis ssp. na modalidade indoor. A caminhada contou com indeferimentos consecutivos por áreas da Anvisa, sendo vitoriosa em seu último embate.
O voto do relator Alex Machado Campos é uma aula sobre a situação regulatória da Cannabis ssp. e produtos derivados da planta. A leitura é obrigatória a todos, profissionais e estudantes do tema, independentemente da área (técnica ou jurídica). Trazemos, a seguir, seis destaques.
- A Anvisa é competente para conceder autorizações excepcionais para cultivo no âmbito da pesquisa e estudos científicos. Esse é um dos pontos mais interessantes do voto: a legislação permite a concessão excepcional de autorização para plantio, cultura e colheita de plantas das quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, exclusivamente para fins medicinais ou científicos (artigo 2º, § único, da Lei 11.343/06). Até então, tinha-se o Ministério da Saúde como órgão competente para conceder a autorização excepcional. Contudo, em correta e precisa análise do voto, cabe à Anvisa tal autorização para fins científicos.
- Enaltecimento do direito à saúde. A conhecida expressão com origem na Constituição "saúde é direito de todos e dever do Estado" foi levada à sério. É indiscutível que o Estado deve adotar (todas) as medidas possíveis para garantir o acesso à saúde pela população. Aqui, inclui-se a pesquisa e desenvolvimento científico.
- Enaltecimento (correto e necessário) da pesquisa científica. Não é novidade a necessidade de pesquisa e desenvolvimento de produtos, tampouco que o Brasil possui arcabouço legal e regulatório para promover tal atividade e que possui cérebros interessados e dispostos a tanto. O voto traz isso com maestria. O Brasil teria negligenciado o seu potencial em pesquisa e desenvolvimento de produtos, sabendo que possui grande potencial, principalmente na área da saúde. Está mais do que na hora de (ainda mais) dominarmos técnicas científicas.
- As universidades e pesquisas científicas. O papel das universidades em pesquisas científicas pode ser resumido em: formar e qualificar pesquisadores e atuar como centros de formação e pesquisa direcionadas às necessidades da população. O voto reconhece que as universidades possuem relevante papel no sistema de inovação brasileiro.
- Novidade frente a produção in vitro[1]. Há quem diga que a autorização à UFRN não é novidade. Cuidado. A autorização concedida pela Anvisa é a primeira na modalidade indoor. A Universidade Federal de São João Del Rei possui autorização especial para pesquisas na modalidade de produção in vitro.
- Regulação do cultivo para fins de pesquisa científica. Ao final do voto, tem-se a indicação de avaliação pela Gerência de Produtos Controlados (GPCON) da Anvisa para definir critérios específicos do cultivo de plantas sujeitas a controle especial, no âmbito da AEP. Tal medida parece ser necessária para amenizar o caminho que universidades e centros de pesquisa tenham que passar para conseguir autorização de cultivo de plantas da referida categoria.
Nem sempre são comentadas e festejadas decisões da Anvisa, por motivos óbvios. A agência tende a adotar, muitas vezes, posicionamentos conservadores, que obstam a continuidade da pesquisa e desenvolvimento de produtos, em prol da defesa da saúde da população. Contudo, a concessão de AEP à UFRN deve ser festejada. Isso demonstra o comprometimento das universidades em prol de pesquisas científicas, bem como o olhar da Anvisa para o futuro, que muitas vezes é crítico e incerto.
Estes comentários não são defensivos do cultivo desenfreado e desassociado de controle específico e rigoroso; mas do cultivo destinado a fins de pesquisa científica e desenvolvimento de novos produtos. Deve-se olhar com cuidado, atenção e carinho para o passo dado em benefício à ciência. Que venham muitos mais!
[1] Modalidade indoor: é o desenvolvimento de plantas em ambiente fechado e totalmente controlado. Modalidade in vitro: é a cultura de tecidos, técnica biotecnológica, que permite o crescimento e a multiplicação de partes de uma planta em ambiente artificial e controlado, dentro de recipientes de vidro, sob efeito de meio de cultura, luz e temperatura.
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